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O regime de responsabilidade civil no novo Código Civil

Marcelo Porpino Nunes

Se um dano causado a outrem é oriundo de um descumprimento de uma cláusula do contrato, diz-se contratual a responsabilidade. Ao revés, se o dano decorrer de um ato ilícito qualquer, tirante as situações contratuais, diz-se que a responsabilidade é extracontratual ou aquiliana.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Atualizado em 3 de fevereiro de 2011 12:19

O regime de responsabilidade civil no novo Código Civil

Marcelo Porpino Nunes*

1 - INTRODUÇÃO

Por ocasião do 1.º Seminário Jurídico realizado conjuntamente pela Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Amapá e pelos alunos da Turma 2004 do Curso de Direito muitos assuntos palpitantes presenciarão os seus participantes sobre responsabilidade civil.

O tema em epígrafe, O REGIME DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO NOVO CÓDIGO CIVIL é um deles, sem dúvida alguma.

De acordo com os estudiosos dos vocábulos, regime "é o conjunto de leis referentes a um assunto particular"1. Aplicado ao caso sob comento, poder-se-ia dizer que quando me refiro a regime da responsabilidade civil, estou, em verdade, me referindo ao conjunto de normas a ela inerentes.

É certo que em sede de responsabilidade civil há a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual ou aquiliana.

Assim, se um dano causado a outrem é oriundo de um descumprimento de uma cláusula do contrato, diz-se contratual a responsabilidade. Ao revés, se o dano decorrer de um ato ilícito qualquer, tirante as situações contratuais, diz-se que a responsabilidade é extracontratual ou aquiliana.

Neste trabalho deitarei maiores comentários sobre a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, sem contudo deixar de referir quando possível à responsabilidade contratual.

A seara da responsabilidade civil está sempre envolta em discussões acaloradas e apaixonadas entre os defensores das correntes que se dedicam a estudar os seus fundamentos.

Não se olvide, também, o fato de que JOSSERRAND já dizia que o seu estudo tende a ocupar o centro do direito civil2, sendo secundado, entre nós por CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, quando este afirma categoricamente que a responsabilidade civil é "a província civilista que maior desenvolvimento vem encontrando em nosso e alheio direito"3.

E isto assim ocorre em decorrência das dinâmicas inovações tecnológicas postas à disposição dos homens, além de vários outros fatores, que possibilitam a eclosão de danos a outrem.

É justamente este tema, palco das mais variadas e calorosas discussões em todos os setores da vida jurídica, que irei abordar doravante, mercê do honroso convite dos organizadores deste Seminário Jurídico sobre responsabilidade civil.

2 - BREVE EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Nos primórdios da civilização, o corpo do homem respondia por suas dívidas, podendo mesmo, inclusive, ser sacrificado pelo Credor.

Esse estado nefasto de coisas perdurou até o advento da Lex Poetelia Papiria, pela qual o patrimônio do devedor - e não mais o seu corpo - é que respondia por seus débitos.

Em épocas primitivas da vida em sociedade, houve momentos de aplicação da regra de Talião, olho por olho, dente por dente; quem com ferro fere, com ferro será ferido.

Nesta fase antiga e primitiva da civilização, a vingança privada era a regra, sendo permitido à vítima o direito de retaliação, "produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou. Na lei da XII Tábuas, aparece significativa expressão desse critério na tábua VII, lei 11.ª 'si membrum rupsit, ni cum eo pacit, talio est' (se alguém fere a outrem, que sofra pena de Talião, salvo se existiu acordo)"4.

Assim, como corolário do avanço da civilização e do dinamismo do Direito, pouco a pouco, a vida e a liberdade do devedor deixaram de responder pelos débitos por ele contraídos. As severas e inadimissíveis sanções de outrora não podiam mais ultrapassar a pessoa do devedor. Passou, então, o patrimônio do devedor a responder por suas dívidas, constituindo-se, pois, em garantia comum dos credores.

Segundo a Prof.ª MARIA HELENA DINIZ a Lex Aquilia "veio a cristalizar a ideia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente. A Lex Aquilia de damno estabeleceu as bases da responsabilidade extracontratual, criando uma forma pecuniária de indenização do prejuízo, com base no estabelecimento de seu valor"5.

Para a maioria dos estudiosos sobre o assunto, foi a Lex Aquilia o grande marco sobre responsabilidade civil, pois, a partir de seu advento passou-se a perquirir se o ato ilícito gerador do dano teve como base a culpa do agente.

Tão grande foi a sua importância que até hoje a responsabilidade extracontratual é chamada de aquiliana, no que parece ser uma justa denominação.

O Direito Civil brasileiro sempre deu mais importância à teoria subjetiva da culpa que à teoria objetiva, cuja ideia central é a da abstração do elemento culpa para responsabilização do agente causador do dano.

Inicialmente, passou-se a admitir na jurisprudência a presunção de culpa do agente. Exemplo marcante é a Súmula n.º 341 do STF: "É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto".

Posteriormente, diversas leis especiais passaram a admitir a teoria objetiva para responsabilização do agente causador do dano, sem que haja necessidade de perquirição do dolo ou culpa. São elas: "a legislação sobre acidentes no trabalho, inaugurada com o Decreto 3.724, de 15 de janeiro de 1919 (clique aqui); substituído pelo Decreto 24.637, de 10 de julho de 1934 (clique aqui), e depois pelo Decreto-Lei 7.036, de 10 de novembro de 1944 (clique aqui); pela lei 5.316, de 1967 (clique aqui), e finalmente pela lei 6.367, de 19 de outubro de 1976 (clique aqui). Informados pela teoria do risco o Código Brasileiro do Ar, Decreto-Lei 483, de 8 de junho de 1938; Decreto-Lei 32, de 10 de novembro de 1966 (clique aqui), com as alterações do Decreto-Lei 234, de 28 de fevereiro de 1967 (clique aqui); da lei 5.710, de 7 de outubro de 1971 (clique aqui); da lei 6.298, de 15 de dezembro de 1975 (clique aqui); da lei 6.350, de 7 de julho de 1976 (clique aqui); da lei 6.833, de 30 de setembro de 1980 (clique aqui); da lei 6.997, de 7 de junho de 1982 (clique aqui), e atualmente no Código Brasileiro de Aeronáutica com a lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986 (clique aqui)"6.

E, finalmente, o Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 - clique aqui), em diversos dispositivos, adota a teoria objetiva, isto é, a responsabilidade civil do causador do dano independentemente de prova de culpa.

3 - RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

Na relação jurídico-contratual, o contratante que não cumpriu com suas obrigações contratuais terá de indenizar o outro em virtude de sua inadimplência. E a obrigação de indenizar só aparece quando uma das partes contratantes não adimplir parte ou todo o contrato.

Pois bem, a responsabilidade contratual daquele que deu causa ao inadimplemento decorre de um vínculo jurídico derivado da avença em si, do contrato propriamente dito, na sua acepção mais ampla.

Na responsabilidade extracontratual, por seu turno, não há qualquer relação jurídica anterior entre o agente que causou o dano e a sua vítima. É a partir do ato lesivo daquele que a obrigação de indenizar exsurgirá, facultando-se à vítima o direito de acionar a máquina judiciária na persecução de uma reparação civil em desfavor do agente causador do dano.

O fundamento legal da responsabilidade contratual era, no Código Civil de 1916 (clique aqui), o art. 1056 do, que foi sucedido pelo art. 389 do Novo Código Civil (lei 10.406, de 10/01/02 - clique aqui). Observe-se:

"Art. 1056. Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos." (Cód. Civ., 1916)

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. (Novo Cód. Civ. - Destaquei)

A extracontratual ou aquiliana, por sua vez, tem como principais dispositivos legais, no Código Civil de 1916, os arts. 159 do Código de 1916, e os arts. 186 e 927 do Novo Código Civil (lei 10.406, de 10/01/02), respectivamente. Confira-se:

"Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, artigos 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553." (Cód. Civ., 1916)

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." (Novo Cód. Civ. - Destaquei).

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

A responsabilidade contratual, no regime do Código de 1916 era tratada sob a rubrica denominada DAS CONSEQUÊNCIAS DA INEXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES, ao passo que no Novo Código a mesma recebe a seguinte denominação: DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES.

Regra geral, tanto numa quanto na outra é necessário a existência do dano, a culpa do agente e o nexo de causalidade entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima ou pelo outro contratante7.

Quer a culpa parta de uma infração à lei, quer ao contrato, surgirá a obrigação de indenizar o queixoso. É o chamado princípio da unidade da culpa, defendido pela maioria dos escritores autorizados, e segundo o qual as diferenças técnicas entre a responsabilidade contratual e a extracontratual seriam periféricas, aparentes e sem importância8. O que importa, na realidade, é que um dano foi causado e deve ser reparado de acordo com as normas regentes da responsabilidade civil.

O efeito principal, portanto, de ambas as responsabilidades é a obrigação de indenizar a vítima. O que as diferencia é o ônus da prova. Na responsabilidade extracontratual, incumbe à vítima ou queixoso demonstrar os seus requisitos caracterizadores, quais sejam a existência do dano, a culpa do agente e o nexo de causalidade entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima. Na responsabilidade contratual, por sua vez, a incumbência de provar que não houve descumprimento das cláusulas contratuais é do agente causador do inadimplemento contratual.

Quando o assunto é culpa, autores há, como SAVATIER, que julgam ser impossível a tarefa de conceituá-la9. O certo, porém, informa RUI STOCO, "na culpa ocorre sempre violação de um dever preexistente, se esse dever se funda num contrato, a culpa é contratual; se no preceito geral, que manda respeitar a pessoa e os bens alheios (alterum non laedere), a culpa é extracontratual ou aquiliana".

Observe-se que, até o momento, só estou abordando, dentro da responsabilidade aquiliana, a teoria subjetiva que se constitui no arcabouço tradicional a fundamentar a responsabilidade civil com base no elemento culpa do agente. Acontece que já de algum tempo para cá, vem se desenvolvendo com velocidade surpreendente a possibilidade de se responsabilizar o agente causador do dano, independentemente do elemento culpa, terreno este que se denomina de responsabilidade objetiva e que melhor será estudado no próximo item.

4 - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E RESPONSABILIDADE OBJETIVA

A responsabilidade subjetiva baseia-se no elemento culpa. Em outras palavras, perquirir-se-á se o agente causador do dano obrou ou não com culpa ou dolo.

Diz-se que a responsabilidade é subjetiva, pois o que está em exame é o comportamento do sujeito10, ou seja, se este ao ter causado o dano, o fez com base na culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou no dolo (intenção deliberada do agente em causar o dano).

Na responsabilidade objetiva o elemento culpa é absolutamente desprezado, pois bastará ao lesado provar o nexo de causalidade entre o dano que experimentou e ato do agente que o causou para fazer surgir a obrigação de indenizar.

E é no terreno da responsabilidade objetiva que se fala em RISCO, ou seja, "Segundo esta teoria, aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros, deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa"11.

A responsabilidade extracontratual ou aquiliana, por seu turno, tem como principais dispositivos legais os arts. 159 do Código de 1916, e os arts. 186 e 927, e do Novo Código Civil (lei 10.406, de 10/01/02), respectivamente. Confira-se:

"Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, artigos 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553." (Cód. Civ., 1916)

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." (Novo Cód. Civ. - Destaquei).

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

Observa-se, por conseguinte, que o novo Código faz expressa remissão à responsabilidade objetiva no referido art. 927.

Acontece que esse pendor pela teoria objetiva já vem de algum tempo atrás e muito embora o Código de 1916 tenha optado pela teoria subjetiva, o certo é que vários dispositivos têm notória conotação objetiva, como é o caso dos arts. 1519, 1520, parágrafo único, 1528 e 1529, além de várias outras leis especiais que consagram a responsabilidade objetiva12.

Para a ilustre Prof.ª REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA "o novo Código Civil, ao regular a responsabilidade civil, alarga a aplicação da responsabilidade objetiva, com a adoção da teoria do risco criado, mas mantém o sistema vigente de que a regra geral é a responsabilidade subjetiva"13.

Mesmo com o advento do novo Código, estabelecendo, definitivamente a teoria objetiva, quer me parecer que, até pela inserção do dispositivo (art.186) consagrador da teoria subjetiva na Parte Geral do novo código, a regra geral continuará a ser a da responsabilidade subjetiva em que a análise do comportamento culposo ou doloso do agente é fundamental.

A aplicação da responsabilidade objetiva se dará em duas hipóteses, quais sejam: a) "nos casos especificados em lei", b) "ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem." (Parágrafo Único do art. 927 do Novo Código).

Malgrado a teoria objetiva tenha tudo para se expandir ainda mais, a grande maioria dos autores defende a coexistência dentro de um mesmo sistema jurídico da responsabilidade subjetiva e objetiva. Nesta seara, portanto, parece-me correto que deve-se "manter no difícil meio termo - nem rastejar pelo solo, nem voar em vertiginosa altura"14. Em outras palavras, na maior parte dos casos há de prevalecer a teoria subjetiva como regra geral; nos casos previstos em lei e "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem", deve ser aplicada a teoria objetiva.

Por isso tem inteira cabida o pensamento de GUSTAVO TEPEDINO: "É de se ter presente que o sistema dualista de responsabilidade atende a um indeclinável dever de solidariedade social determinado pelo constituinte, que não se restringe à relação entre o cidadão e o Estado e cuja efetividade se revela indispensável a sua incidência, em igual medida, sobre as relações de direito público e de direito privado"15.

Entre tantas outras observações a respeito do assunto, merece destaque a de ORLANDO GOMES que assim se expressava: "A teoria da responsabilidade objetiva tem criado situações excessivamente onerosas para os que são obrigados a indenizar"16.

Nesta ordem de ideias, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA já previa que "o princípio da responsabilidade civil subjetiva subsistirá no direito brasileiro. O comportamento do agente continuará como fator etiológico da reparação do dano, não obstante a provável aceitação paralela da doutrina do risco. A pessoa do agente estará no centro da responsabilidade civil. O prejuízo será indenizável não como dano em si mesmo, porém na razão de ter sido causado pelo comportamento do ofensor"17.

Volvendo à letra b, acima - Segunda parte do Parágrafo Único do art. 927 - ("ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.") constitui o que legislador do novo código denomina de norma genérica ou cláusula geral, eis que nela não há "preocupação de excessivo rigorismo conceitual, a fim de possibilitar a criação de modelos jurídicos hermenêuticos, quer pelos advogados, quer pelos juízes, para contínua atualização dos preceitos legais"18,19.

Por conseguinte, é o conjunto dos militantes do direito, em especial o Judiciário, que estabelecerá qual a atividade normalmente desenvolvida que, por sua natureza, implique risco para os direitos de outrem.

O novo código parece ter adotado neste particular a teoria do risco criado, "pela qual o dever de reparar o dano surge da atividade normalmente exercida pelo agente, que cria risco a direitos ou interesses alheios. Nesta teoria não se cogita de proveito ou vantagem para aquele que exerce a atividade, mas da atividade em si mesma que é potencialmente geradora de risco a terceiros, segundo explica a Prof.ª REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA20.

Além da previsão expressa à teoria objetiva, o Novo Código estabeleceu em seu art. 928 a responsabilidade dos incapazes, nos quais se incluem os amentais. Confira-se:

"Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.

Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem."

Observe-se que o referido art. 928 está em conflito com o art. 942 que trata da responsabilidade solidária dos incapazes e das pessoas designadas no art. 932 (pais e filhos, tutor e tutelado, curador e curatelado).

No art. 931 é tratada a responsabilidade objetiva das empresas pelos produtos postos em circulação. Esse artigo, cuja redação passou a vigorar somente em 2003, é absolutamente inócuo ante as normas especiais e preponderantes do Código de Defesa de Consumidor e que tratam com riqueza de detalhes sobre o assunto.

No mais, o Novo Código manteve as vigas mestras da responsabilidade civil presentes no Código de 1916, quais sejam: a responsabilidade por ato próprio (arts. 186 e 927), a responsabilidade por fato de terceiro (art. 932) e a responsabilidade em decorrência do dano causado por coisa (art. 937 e 938) ou animal (art. 936).

Uma questão, entretanto, vem despertando críticas para uns e aplausos para outros. Refiro-me à conciliação entre a responsabilidade objetiva (art. 927) e o art. 944, parágrafo único, do Novo Código Civil. Confira-se:

"Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização."

O caput do referido dispositivo não traz maiores dificuldades, eis que o Brasil não levava em consideração os graus de culpa. Em outras palavras, o dano causado deve ser reparado integralmente, quer tenha sido oriundo de dolo, quer com culpa levíssima.

A propósito, ensina WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, que a "culpa lata ou grave é a falta imprópria ao comum dos homens, é a modalidade que mais se avizinha do dolo. Culpa leve é a falta evitável com atenção ordinária. Culpa levíssima é a falta só evitável com atenção extraordinária, com especial habilidade ou conhecimento singular"21.

Acontece que o seu parágrafo único estabelece que "se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização."

Autores como MARIA HELENA DINIZ22 e SÍLVIO RODRIGUES, aplaudem a inovação constante do parágrafo único do art. 944. Confira-se, por exemplo, a manifestação do Prof. SÍLVIO RODRIGUES:

"Com efeito, de acordo com o princípio tradicional, como indenizar significa tornar indene, devolvendo a vítima, dentro do possível, ao estado em que anteriormente se encontrava, impõe-se ao agente causador do dano o mister de repará-lo por inteiro, compondo todo o prejuízo por ela experimentado, a despeito de o ato ilícito que o gerou ter sido decorrente de culpa de grau menor.

Todavia, o parágrafo único, contemplando a hipótese de uma enorme indenização, a ser paga por quem atuou com culpa levíssima, confere ao juiz o poder de agir equitativamente e de assim reduzir a indenização, quando houver inescondível desproporção entre o montante desta e o grau de culpa do responsável. Muito aplauso merece a inovação"23.

Autores há, entretanto, que o criticam em virtude de que o mesmo, adotando a gradação da culpa, rompe, por assim dizer, com o ressarcimento integral da vítima24.

Para esses estudiosos do assunto, não haveria como conciliar o parágrafo único do art. 944 com os casos de responsabilidade objetiva, nos quais não há perquirição do elemento culpa do agente causador do dano.

Neste particular, entendo não haver, ante tudo o que foi aqui tratado, como conciliar o parágrafo único do art. 944 com os casos de responsabilidade objetiva. Penso que o referido dispositivo só se aplicaria para os casos de responsabilidade subjetiva.

Acontece, entretanto, que o Novo Código não faz qualquer restrição a respeito de sua aplicação quanto à teoria objetiva e aí, por certo, poderão aparecer as mais variadas interpretações, dentre as quais até mesmo a que propugnará, na estipulação do quantum indenizatório, o exame do grau de culpa do agente para os casos de responsabilidade objetiva, o que, data venia, seria um contra-senso, na exata medida em que nessas hipóteses não há exame de culpa do causador do dano.

É aí que aparecerá o papel decisivo da jurisprudência e de toda a comunidade jurídica no correto caminho a ser seguido na interpretação de tão intrincada norma.

5 - CONCLUSÃO

Diante de tudo que afirmei neste trabalho, posso concluir que:

a) mesmo com a previsão expressa à responsabilidade objetiva (art. 927) e com a possibilidade de sua ampliação, a responsabilidade subjetiva continuará sendo a regra da qual a responsabilidade objetiva será a exceção, devendo esta somente ser aplicada quando houver previsão legal ou segundo a cláusula geral prevista no parágrafo único do art. 927 ("ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.").

b) a redução equitativa do quantum indenizatório prevista no parágrafo único do art. 944 ("Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização") só deverá ser aplicada para os casos de responsabilidade subjetiva, por absoluta e manifesta contradição com os principados da responsabilidade objetiva.

Finalizando, gostaria de agradecer a atenção com que fui ouvido e manifestar a minha alegria de falar para os universitários do Estado do Amapá.

Aproveito para exteriorizar a satisfação de ser Professor universitário, pois, na Universidade tenho a impressão de que não só repasso meus conhecimentos, mas também aprendo cada dia que compareço à sala de aula.

Neste particular as palavras de GUIMARÃES ROSA nunca me pareceram tão verdadeiras: "MESTRE NÃO É QUEM SEMPRE ENSINA, MAS QUEM DE REPENTE APRENDE."

Muito obrigado.

Obs.: a presente palestra foi formulada com adaptações para o 1º Seminário Jurídico da UNIFAP a partir da publicação da conferência "O Regime de Responsabilidade Civil no Novo Código Civil", de minha autoria, nos Anais da XVIII Conferência Nacional dos Advogados, pp. 1567/1577, realizada em Salvador-Bahia no período de 11 a 15 de novembro de 2002.

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________________

1 KOOGAN e HOUAISS, "Enciclopédia e Dicionário Ilustrado", Edições Delta, 1997, p. 1361.

2 JOSSERAND apud WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, "Curso de Direito Civil", 5.º Vol., 20.ª ed., Ed. Saraiva, 1985, p. 391.

3 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, "Responsabilidade Civil", Ed. Forense, 9.ª ed., Ed. Forense, 2002, p.263.

4 MARIA HELENA DINIZ, "Curso de Direito Civil Brasileiro", 7.º vol., 16ª ed., Saraiva, 2002, p. 10.

5 MARIA HELENA DINIZ, op. cit., p. 10.

6 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, op. cit., p.23/24.

7 Cf. SÍLVIO RODRIGUES, "Direito Civil Brasileiro", Vol. 4, 11ª ed., Saraiva, 1987, p. 7.

8 Cf. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, op. cit., p.247.

9 Cf. RUI STOCO, "Responsabilidade Civil", 2.ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 51.

10 SÍLVIO RODRIGUES, op. cit., p. 10.

11 SÍLVIO RODRIGUES, op. cit., p. 10.

12 Cf. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, op. cit., p.23.

13 REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA, "Novo Código Civil Comentado", Coordenação de Ricardo Fiuza, Ed. Saraiva, 2002, p.820.

14 BIAGIO BRUGI apud CARLOS MAXIMILIANO, "Hermenêutica e Aplicação do Direito", 13.ª ed., Ed. Forense, 1993, p. 101.

15 GUSTAVO TEPEDINO, "Temas de Direito Civil", Ed Renovar, 1999, p. 177.

16 ORLANDO GOMES, "Obrigações", Ed. Forense, 8.ª ed., 1992, p. 343

17 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, op. cit., 35.

18 MIGUEL REALE, In "Novo Código Civil Brasileiro", Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. XIII.

19 Sobre o assunto, confira-se o excelente artigo de ANDRÉ OSÓRIO GODINHO "Codificação e Cláusulas Gerais", in Revista Trimestral de Direito Civil, Vol. 2, Padma Ed., 2000, pp. 3/25.

20 REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA, op. cit., p.820.

21 WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, "Curso de Direito Civil ", 5.º Vol., 20ª, ed., Saraiva, 1985, p. 393.

22 MARIA HELENA DINIZ, op. cit., p. 42.

23 SÍLVIO RODRIGUES, op. cit., p. 10.

24 RUI STOCO, "Tratado de Responsabilidade Civil - Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, 5.ª, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 13 e PABLO STOLZE GAGLIANO, "A Responsabilidade Extracontratual no Novo Código civil e o Surpreendente Tratamento da Atividade de Risco", in Repertório IOB de Jurisprudência, n.º 19/2002-Caderno 3.

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*Advogado do escritório Porpino Nunes Advogados Associados e professor Adjunto III de Direito Civil da UNIFAP

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