MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O DPVAT não acompanha mais o Brasil

O DPVAT não acompanha mais o Brasil

Mateus Milhomem de Sousa e Áureo do Brasil Cunha

Ao traçar paralelos com outros países, os autores propõem que o seguro cubra todo e qualquer tipo de dano em favor de terceiro, inclusive moral e patrimonial.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Atualizado em 3 de novembro de 2011 10:46

Mateus Milhomem de Sousa

Áureo do Brasil Cunha

O DPVAT não acompanha mais o Brasil

ORIGEM

Criado pela lei Federal 6.194 (clique aqui), de 19 de dezembro de 1974, que dispõe sobre o seguro obrigatório de danos, o DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres) foi instituído em âmbito nacional e vem contemplando milhares de segurados, apesar de uma gama de entraves e deficiências, que pioram a cada ano.

O referido seguro abrange apenas danos pessoais, deixando de lado prejuízos morais e patrimoniais. Com isso, apresenta-se muito pouco eficiente no aspecto de minorar os danos e desafogar a Justiça, embora a preocupação com aspectos pessoais seja mesmo prioritária em cotejo a outros.

PROBLEMÁTICA ATUAL

Entretanto, a maioria das ocorrências de acidentes automobilísticos redundam em consequências patrimoniais, desta forma e pelas razões acima, não são tratadas como deveriam.

Não raro, ocorrem atos de violência e sobrecarrega-se a Justiça, que muitas vezes também não consegue resolver o problema, na ausência de uma política eficiente de perícias públicas e falta de infraestrutura legal, na hipótese muito frequente do causador do acidente não possuir nenhum bem penhorável.

O sistema atual de seguro obrigatório mostra-se também ineficiente quanto ao valor das indenizações, muito abaixo do ideal, tanto em relação às ocorrências com morte, quanto em se tratando de lesões corporais, não obstante o alto valor pago pelos usuários brasileiros, isso sem falar nos outros impostos que atingem o proprietário de veículo automotor.

Outro ponto negativo do seguro em tela diz respeito à balbúrdia no momento do seu requerimento ou recebimento do prêmio, dando ensejo a ações de aproveitadores e estelionatários, com sérios prejuízos às partes verdadeiramente interessadas. De outra sorte é bom salientar que, por vezes, faltam melhores esclarecimentos à população sobre os termos do presente instituto (seguro), dando azo às intempéries acima mencionadas. Hoje, o órgão administrativo que analisa os casos de recebimento é a superlotada Justiça, que tenta em vão fazer funcionar este entrave ao progresso nacional.

O pleito do aludido prêmio, a princípio, é anunciado como célere e simples, mas, na prática, é de difícil manuseio, repleto de reflexos negativos como os já citados acima, sendo quase sempre necessário o ingresso na Justiça para dirimir questões pertinentes ao DPVAT, mesmo porque, na fase da conciliação, muitas vezes a parte interessada aceita receber menos para fugir da burocracia.

O DPVAT, hoje, transformou-se mais em um imposto da saúde pública do que em uma garantia do cidadão que está exposto ao trânsito brasileiro, apesar de arrecadar-se anualmente bem mais de um bilhão de reais. Do bolo total, recebe o Sistema Único de Saúde 45%, Denatran 5%, os outros 50% são divididos entre as planilhas de seguro, e entidades como a Fundação Escola Nacional de Seguros, o Sindicato dos Corretores e pagamento de corretagem.

Isso sem falar no relacionamento estranho que existe entre o governo brasileiro e as companhias de seguros privadas, que saem mutuamente beneficiadas no ambiente monopolista, sem concorrência e lucrativo, onde operam por meio de consórcio e recebem corretagem de algo obrigatório.

O DPVAT é uma criação mista ineficaz de prêmio de seguro simbólico e elevado imposto, e que vem atingir em cheio novamente a classe média, que, além da saúde, educação, transporte, segurança, arca em dobro com mais este tributo, por não existir isenção do DPVAT para quem já possui seguro.

COMPARATIVO COM OUTROS PAÍSES

Nos EUA, para efeito de análise do tema em terras alienígenas, o seguro de automóveis é obrigatório, com uma cobertura mínima. Ponto interessante é que este mesmo seguro pode ser adquirido mediante uma apólice contendo outras opções, além das previstas como obrigatórias, englobando riscos patrimoniais, pessoais ou morais, ou seja, a exigência estatal é a de que o cidadão tenha pelo menos um mínimo em termos de seguro, restando-lhe a faculdade de contratar coberturas mais complexas.

Mas surpreendente mesmo é que países como GUIANA FRANCESA, VENEZUELA, SURINAME e GUIANA estejam muito na frente do país que abarca a segunda maior frota de veículos da América. Nestes países, vigora o regime lógico da responsabilidade civil obrigatória de veículos em favor de terceiros, em ambiente privado, capitalista e competitivo, que abarca não apenas morte e deficiência, mas qualquer dano originado de um acidente. Penaliza-se com prisão quem utilizar o veículo sem estar coberto pela apólice.

FIM DO DPVAT. REFORMA TRIBUTÁRIA. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EM FAVOR DE TERCEIROS. AMBIENTE COMPETITIVO. CRIAÇÃO DE TIPO PENAL.

Seria de bom alvitre que em nosso sistema pátrio o seguro continue tendo o caráter da obrigatoriedade em seus patamares mínimos, com exceção daqueles que já possuem seguros em valores iguais ou superiores ao exigido, os quais ficam isentos do pagamento duplo, adquirindo esta novidade também o caráter de reforma tributária; e, mesmo porque, pode-se criar a cobertura do tratamento médico mínimo, o que aliviaria o peso sobre o sistema hospitalar e aumentaria a circulação da economia, inclusive gerando novos impostos por parte do sistema de saúde particular.

As diferenças de veículos e perfis de condutores servirão apenas para cálculo dos valores mínimos, pois o que se busca prevenir é a possibilidade de um causador de acidente arcar com seu problema na linha divisória entre a impunidade e o justo, mas podendo preservar-se alíquotas diferenciadas onde esta individualização apresentar-se necessária. Este novo seguro poderá, inclusive, ter a amplitude necessária para alcançar todas as formas de locomoção, inclusive aérea e náutica.

Mas sempre deixando a cargo do interessado a pesquisa de mercado para eleger a seguradora que melhor lhe convier, inclusive estrangeiras, e que o seguro cubra todo e qualquer tipo de dano em favor de terceiro, inclusive moral e patrimonial, sendo que, ao invés de um consórcio, ficariam todas no ambiente saudável da competição capitalista.

Aliás, a competição entre as empresas, e o fato de que todo veículo deverá ter seu seguro (redução do risco), fará com que o valor aproxime-se bastante do que já é recolhido no momento, mas com valores de pagamento bem maiores e que alcancem todos os tipos de problema que cotidianamente os brasileiros enfrentam em uma nação que, até hoje, não possui uma política de transporte público eficiente. Ao invés de fugir, irritar-se, brigar, o motorista calmamente irá socorrer-se de seu seguro, e o mau motorista, será penalizado com o acréscimo no valor de seu prêmio nos anos subsequentes, o que é um critério mais correto do que o mesmo valor para todos.

Falta também a infraestrutura legal, devendo erigir-se à categoria de infração penal o ato de dirigir sem seguro, para ganhar a necessária ênfase e poder alcançar melhor os seus objetivos perante a sociedade, pois é um tipo de crime de perigo.

A frota de veículos automotores brasileira é gigantesca, a questão securitária, por tal motivo, deve ser enfrentada com a devida seriedade, e não apenas sob o prisma do aumento da arrecadação tributária, mormente em tempos de acréscimo considerável da frota, para que, a exemplo de várias nações, o seguro mantenha-se legalmente obrigatório e contemple muito além dos itens e opções do velho e desgastado DPVAT.

__________

*Mateus Milhomem de Sousa é juiz de Direito do 1º Juizado Criminal de Anápolis/GO e Áureo do Brasil Cunha é servidor da Justiça



 

 

__________

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca