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Observações jurisprudenciais sobre o interesse de agir nas ações coletivas versando sobre direitos individuais homogêneos

Eduardo Nobre e Bruno Molina Meles

Os advogados fazem observações sobre o interesse de agir nas ações coletivas versando sobre direitos individuais homogêneos.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Atualizado em 4 de maio de 2012 16:09

1. Introdução

Muito tem se discutido hodiernamente acerca do interesse de agir, atribuível ao Ministério Público, para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Isso porque, em que pese referida discussão tenha se iniciado sobre a legitimidade do parquet, novos caminhos estão sendo traçados para a distribuição de Ações Coletivas lato sensu, de modo a ser objeto de interessantes observações realizadas pela jurisprudência, devidamente tratadas nas presentes notas.

2. Da legitimidade ativa

A primeira discussão objeto de análise pelo Poder Judiciário, limitou-se a discorrer sobre a legitimidade ativa do parquet para tutelar esses interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Assim, tendo em vista que a questão ainda é conflituosa pela jurisprudência, torna-se necessário realizar uma breve explanação sobre a legitimidade ativa, vez que prejudicial ao próprio interesse de agir que será tratado no próximo tópico.

Vejamos, o Código de Defesa do Consumidor, ao estabelecer a competência do Ministério Público, diziam os defensores dessa posição, acabou por ampliar as funções institucionais do parquet inicialmente previstas no exaustivo artigo 129 da Constituição Federal, que havia permitido somente a legitimidade para a tutela de interesses difusos e coletivos, excluindo de suas funções institucionais, portanto, os direitos individuais homogêneos.

Desta forma, ao se interpretar o artigo 127 da Carta Magna, se poderia concluir que eventual tutela limitar-se-ia a direitos individuais indisponíveis, o que afastaria a legitimidade do Ministério Público para os demais direitos individuais disponíveis, mesmo que fossem individuais homogêneos.

Todavia, ao analisar essa questão, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, entendeu de forma unanime por considerar que os direitos individuais homogêneos são subespécies de interesses coletivos e que, por tal razão, seria legítima a tutela destes direitos pelo parquet, consoante voto condutor prolatado pelo eminente Ministro Relator Maurício Corrêa abaixo:

Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos.

(RE 163231, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ. 29/6/2001)

Referida decisão, foi prolatada nos autos do RE 163.231-3 que analisou a legitimidade do Ministério Público para discutir sobre suposta abusividade no reajuste de mensalidades escolares, matéria eminentemente afeta aos Direitos dos Consumidores.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, entendia que teria o Ministério Público legitimidade quando a tutela dos direitos individuais fosse acerca de direitos indisponíveis, consoante disciplina o art. 127 da Constituição Federal, abaixo:

O Ministério Público possui legitimidade para defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada. 2. O artigo 127 da Constituição, que atribui ao Ministério Público a incumbência de defender interesses individuais indisponíveis, contém norma auto-aplicável, inclusive no que se refere à legitimação para atuar em juízo. (...) A legitimidade ativa, portanto, se afirma, não por se tratar de tutela de direitos individuais homogêneos, mas sim por se tratar de interesses individuais indisponíveis. Precedentes

(EREsp 819.010/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Seção, DJe 29/09/2008)

Não se verificou a época, pelo Superior Tribunal de Justiça, a questão dos direitos individuais homogêneos, sendo recentemente decidida pela C. Corte o reconhecimento desta legitimidade de forma condicionada.

Em outras palavras, entendeu o STJ que a legitimação do Ministério Público para a tutela dos direitos individuais homogêneos encontra-se condicionada à dimensão coletiva daqueles direitos ou sua relevância social, conforme transcrição dos recentes julgados abaixo:

O Ministério Público está legitimado a promover judicialmente a defesa de direitos dos consumidores, inclusive os individuais homogêneos, quando a lesão deles, visualizada em sua dimensão coletiva, pode comprometer interesses sociais relevantes. Aplicação dos artigos 127 e 129, III, da Constituição da República, e 81 e 82, I, do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes.

(REsp. 984.005/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJe 26/10/2011)

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal também chegou a entender sobre a necessária relevância social, apta a conceder a legitimidade do Ministério Público, conforme abaixo:

O Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos, quando presente evidente relevo social, independentemente de os potenciais titulares terem a possibilidade de declinar a fruição do direito afirmado na ação.

(AgRg no AI 516.419/PR, 2ª Turma, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 30/11/2010).

A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública na defesa de direitos coletivos, relativos a pessoas determináveis, e individuais homogêneos socialmente relevantes. Precedentes.

(AI 781029 Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma DJ. 06.09/2011).

Entretanto, igualmente existem decisões de ambas as cortes que conferem ao Ministério Público legitimidade plena sem qualquer restrição, ainda que para a defesa dos direitos individuais homogêneos, abaixo:

O Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos (CF/88, arts. 127, § 1º, e 129, II e III). Precedente do Plenário: RE 163.231/SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 29/6/2001.

(RE 514023 Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ. 05/02/2010).

As ações que versam acerca de interesses individuais homogêneos participam da ideologia das ações difusas, como a ação civil pública. A despersonalização desses interesses ocorre na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a um direito individual, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais. 3. O Ministério Público possui, como função institucional, a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos (...).

(AgRg no Ag 1249559/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, DJe 2/2/2012)

Assim, verifica-se que ainda não existe uma plena pacificação da jurisprudência, vez que a legitimidade do Ministério Público tem sido analisada de forma casuística.

De toda forma, entende-se, com a devida vênia àqueles que possuem posicionamento contrário, que a legitimidade do Ministério Público deve sim, ser condicionada a relevância social do direito individual homogêneo que se pretende defender judicialmente.

Isso porque, sendo a legitimidade do Ministério Público, para esse tipo de ações, realizada por meio de substituição processual, deve existir uma mínima relevância social na ação tratada.

Veja que os casos acima trazidos, foram concedidos para que o parquet defendesse questões socialmente relevantes, tais como previdenciárias, de saúde, tratamento discriminatório, atividade ilegal da administração pública, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e faturas de consumo de energia.

De certo que todas essas questões possuem uma notável relevância e quantidade de indivíduos potencialmente prejudicados, caso em que se estaria presente à legitimidade do Ministério Público para defendê-los.

Entretanto, o mesmo não se pode dizer para os casos de menor importância tais como a oferta de produtos realizados por uma pequena empresa ou, ainda, a negativa na devolução de um produto adquirido por um consumidor.

Nesses casos, com a devida vênia, não existiria relevância social, vez que sequer existem uma gama de consumidores prejudicados, mas tão somente a prática de atos individuais que não ensejariam a atuação do Ministério Público.

Deste modo, partindo deste pressuposto, o Superior Tribunal de Justiça, em excelente interpretação da legislação em vigor, acabou por determinar, além da necessária legitimidade ativa do Ministério Público, a comprovação também de seu interesse de agir.

3. Do interesse de agir

Inicialmente, podemos entender a presença do interesse de agir quando aquele que provoca o judiciário possui o binômio necessidade-utilidade, presente sempre que a parte tenha a necessidade de exercer o direito de ação para alcançar o resultado que pretende, relativamente à sua pretensão e, ainda mais, sempre que aquilo que se pede no processo seja útil sob o aspecto prático1.

No caso das Ações Coletivas, o interesse a ser demonstrado, ou seja, o binômio necessidade-utilidade a ser caracterizado, deve ser demonstrado pela sociedade, por meio de um interesse individual homogêneo que se pretende resguardar.

Em outras palavras, o parquet não poderá ingressar com uma Ação Civil Pública porque o representante do Ministério Público entendeu que determinada conduta violaria algum direito individual homogêneo, essa demonstração deve ser clara e possuir supedâneo em reclamações e inconformismo da própria sociedade.

Neste sentido, partindo de uma conclusão óbvia, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que o Ministério Público, sendo representante da sociedade e visando defender os interesses de pessoas determináveis decorrentes de uma origem comum (direitos individuais homogêneos), deve, ao menos, demonstrar o interesse destes na prestação jurisdicional.

Assim, em que pese se entenda pela desnecessidade de instauração de Inquérito Civil prévio pelo Ministério Público, de certo que este deve colacionar reclamações e inconformismos de pessoas cujo interesse pretende defender.

Neste sentido, importante transcrever recente julgado proferido pelo Ministro Raul Araújo da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça abaixo:

(...) Nas ações em que se pretende a defesa de direitos individuais homogêneos, não obstante os sujeitos possam ser determináveis na fase de conhecimento (exigindo-se estejam determinados apenas na liquidação de sentença ou na execução), não se pode admitir seu ajuizamento sem que haja, ao menos, indícios de que a situação a ser tutelada é pertinente a um número razoável de consumidores. O promovente da ação civil pública deve demonstrar que diversos sujeitos, e não apenas um ou dois, estão sendo possivelmente lesados pelo fato de "origem comum", sob pena de não ficar caracterizada a homogeneidade do interesse individual a ser protegido. (...)

(REsp 823063/PR, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, DJe 22/2/2012).

Referido entendimento, já vinha sendo aplicado por outros julgadores da C. Corte Superior, mas sob o aspecto da legitimidade, vez que não estaria presente a defesa de direitos coletivos, conforme abaixo:

(...) 3. O Ministério Público não tem legitimidade ativa para propor ação civil pública na qual busca a suposta defesa de um pequeno grupo de pessoas - no caso, dos associados de um clube, numa óptica predominantemente individual.

4. A proteção a um grupo isolado de pessoas, ainda que consumidores, não se confunde com a defesa coletiva de seus interesses. Esta, ao contrário da primeira, é sempre impessoal e tem como objetivo beneficiar a sociedade em sentido amplo. Desse modo, não se aplica à hipótese o disposto nos artigos 81 e 82, I, do CDC.

5. No caso, descabe cogitar, até mesmo, de interesses individuais homogêneos, isso porque a pleiteada proclamação da nulidade beneficiaria esse pequeno grupo de associados de maneira igual. Além disso, para a proteção dos interesses individuais homogêneos, seria imprescindível a relevância social, o que não está configurada na espécie.

6. Recurso especial provido.

(REsp 1109335/SE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 1/8/2011)

- A pertinência subjetiva da entidade associativa de defesa do consumidor para ajuizar ação coletiva se manifesta pela natureza dos interesses e direitos tutelados - individuais homogêneos.

- Os direitos individuais homogêneos referem-se a um número de pessoas ainda não identificadas, mas passível de ser determinado em um momento posterior, e derivam de uma origem comum, do que decorre a sua homogeneidade.

(REsp 987.382/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ. 9/12/09).

1. Na ação civil pública, atua o parquet como substituto processual da sociedade e, como tal, pode defender o interesse de todas as crianças do Estado de terem assistência médico-hospitalar.

2. Ilegitimidade que se configura a partir da escolha de apenas um menor para proteger, assumindo o Ministério Público papel de representante e não de substituto processual.

3. Recurso especial improvido.

(REsp 682823/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ 18/4/2005)

Em ambas as óticas (legitimidade ativa ou ausência de interesse de agir) facilmente se conclui que o Ministério Público, bem como as demais Associações Civis devem demonstrar, no momento do ajuizamento da demanda coletiva, a presença destes dois requisitos.

O primeiro deve se caracterizar pela presença dos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos de relevância social que se pretende defender; o segundo, por sua vez, caracteriza-se pela demonstração de que a prestação jurisdicional envolve uma quantidade relevante de indivíduos trazendo utilidade ao provimento judicial que se espera.

4. Conclusão

Diante do acima exposto, em razão das recentes decisões judiciais neste sentido, verifica-se que a C. Corte Superior possui maior rigidez na análise dos requisitos processuais intrínsecos para o ajuizamento de Ação Coletiva, traduzindo-se como certa tendência.

Referida interpretação, a nosso ver, encontra respaldo legal na medida em que não são raros os casos em que são ajuizadas Ações Civis Públicas para a tutela de pequenos grupos de consumidores, membros ou associados, que seriam facilmente tuteláveis em uma única ação individual com pluralidade de autores.

Veja que a provocação do Poder Judiciário e uso da máquina pública (no caso do Ministério Público) para tutelar direitos notoriamente individuais acarreta em flagrante desvirtuamento dos objetivos propostos pelas Ações Coletivas.

Assim, temos que medidas são necessárias para regular o correto ajuizamento de ações neste sentido, ou seja, se determinada conduta não é apurada por meio de Inquérito Civil, ao fornecedor não é dada a possibilidade de reparação desta conduta, sequer sugerida a celebração de um TAC, qual seria o interesse no ajuizamento da demanda coletiva?

Na mesma conclusão se pode chegar naquelas demandas coletivas em que não se verifica uma única reclamação ou inconformismo por parte da sociedade, neste caso, teria interesse o Ministério Público ou Associações Civis para o ingresso de uma Ação Coletiva? Penso que não.

Especificamente quanto à defesa dos direitos dos consumidores uma maior atenção é necessária, pois o interesse de agir somente surgirá com a clara demonstração da relevância da infração no que tange ao número de eventuais consumidores potencialmente lesados. O MP e as associações legitimadas não tem interesse para a defesa de um pequeno grupo (frente ao número total de potenciais lesados) de consumidores, ou mesmo pela defesa de reclamações isoladas. Nestas situações o importante sistema processual de defesa coletiva não pode ser utilizado, sob pena de seu total desvirtuamento. E essa demonstração do número de potencialmente lesados pode ser feita por diversas formas, como por exemplo, pela análise do número de reclamação que o fornecedor tem sobre o tema nos diversos órgãos de defesa do consumidor.

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1 WAMBIER. Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 1. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 9ª Ed. RT. 2007. pág. 137.

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* Eduardo Nobre é sócio do escritório Leite, Tosto e Barros - Advogados Associados

* Bruno Molina Meles é advogado associado do escritório Leite, Tosto e Barros - Advogados Associados

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