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A ditadura do Judiciário

Nestes estranhos tempos, resta esperar que não haja outras rebeliões dentro dos verdadeiros canis que são nossas prisões, e que a decisão soberana do Pleno do Pretório Excelso restaure a ordem constitucional.

quinta-feira, 15 de março de 2018

Atualizado em 14 de março de 2018 16:59

Quando, há alguns anos, ouvi essa expressão de um jovem e talentoso criminalista, ela me pareceu absurda.

Afinal, só conhecemos um tipo de ditadura: a do Executivo, seja de direita, como já ocorreu em nosso país, seja de esquerda, que até hoje felizmente não tivemos.

Atualmente, embora aquela expressão continue para mim descabida, outra não me soa de todo inadequada: o autoritarismo do Judiciário.

Como advertiu o eminente ministro Celso de Mello, decano do STF e grande constitucionalista, ''a Constituição está sendo reescrita de uma maneira que vai restringir o direito básico de qualquer pessoa'' (apud Janio de Freitas, artigo ''Amanhã ou depois'', Folha, 11/3/18, p. A10).

A Constituição de 88, chamada de ''Constituição Cidadã'' pelo saudoso deputado federal Ulysses Guimarães, pondo um ponto final ao período militar, manteve a tradicional tripartição dos poderes, idealizada por Montesquieu e sempre presente nos Estados Democráticos de Direito.

O Legislativo elabora as leis, o Executivo as executa e o Judiciário dirime os conflitos entre ambos, ou entre qualquer deles e outra pessoa jurídica ou física.

Por isso mesmo, a Magna Carta, em seu Título IV - Da Organização dos Poderes (arts. 43/135), divide estes em três capítulos: capítulo I - Do Poder Legislativo (arts. 43/75), capítulo II - Do Poder Executivo (arts. 76 a 91) e capítulo III - Do Poder Judiciário (arts. 92/126).

Na Seção II do capítulo II - Das Atribuições do Presidente da República, dispõe o art. 84 - ''Compete privativamente ao Presidente da República: I - nomear e exonerar os ministros de Estado; ... XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei''.

O termo empregado - ''privativamente'' - não deixa qualquer dúvida tratar-se de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo.

Igualmente a concessão de indulto, para o qual a ''audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei'', não implica, por óbvio, seja ela imprescindível, muito menos que seus pareceres sejam de atendimento obrigatório.

No momento punitivo e de excessiva judicialização que vivemos - resultantes da revolta contra a endêmica corrupção descoberta e redescoberta -, temos visto recentemente decisões do Judiciário contestando a competência privativa do presidente da República.

Dois episódios exigem reflexão.

O primeiro diz respeito à nomeação de uma deputada federal para o cargo de ministra do Trabalho. Ajuizada ação contra o ato presidencial, várias instâncias judiciais federais obstaram a nomeação por entender que ela feriria a moralidade pública. Isto porque a parlamentar teria sofrido duas condenações na Justiça do Trabalho em processos movidos por dois ex-motoristas particulares, sendo que em um deles foi julgada a revelia e, no outro, fez um acordo com o reclamante que foi homologado.

Fácil perceber a inexistência de qualquer ofensa à moralidade pública em virtude dessas duas ações. Mas, devido ao desgaste político, antes que a demanda chegasse à Suprema Corte, a presidência desistiu da nomeação.

O segundo episódio - a meu ver mais grave - se refere ao último indulto de natal, tradicionalmente concedido em todos os finais de ano aos presos primários, autores de crimes praticados sem violência ou grave ameaça a pessoa que já tivesse cumprido 1/4 (um quarto) da pena, como ocorreu em 2016.

Justamente preocupado com a vergonhosa e medieval situação da imensa maioria dos presídios brasileiros, o Presidente da República, por razões de política criminal, reduziu esse prazo para 1/5 (um quinto).

Foi o bastante para operadores do direito de índole punitiva e parte da mídia desprovida de sensibilidade social, protestarem e a ilustre Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, arguir a inconstitucionalidade parcial do decreto presidencial.

A ínclita presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, optou por suspendê-lo por inteiro, deixando presos mesmo aqueles que já houvessem cumprido 1/4 (um quarto) da pena. Já o preclaro relator, ministro Luís Roberto Barroso, ao rever parcialmente a decisão da presidente, agravou ainda mais o indulto, decidindo, em liminar, que ele não se aplica aos crimes de corrupção e de associação criminosa. Isto quando o art. 5º, LXIII, da CF não considera tais delitos insuscetíveis de graça ou anistia, nem de indulto, e a lei penal não os classifica como hediondos (art. 1º, I a VII-B, da lei 8.072/90). Quanto aos demais crimes, decidiu, também monocraticamente, que ele só beneficiaria aos que tivessem cumprido 1/3 (um terço) da pena.

Agora, nestes estranhos tempos, resta esperar que não haja outras rebeliões dentro dos verdadeiros canis que são nossas prisões, e que a decisão soberana do Pleno do Pretório Excelso restaure a ordem constitucional.

Enquanto isso, vale lembrar os belos versos do poeta Walter Augusto:

''A chama da vela... balouça,

tremula, oscila, quase se apaga,

porém, em seguida,

reaviva-se forte e rutilante''

(artigo ''Feliz Natal'', Suplemento Cultural 297 da APM - Academia de Medicina de São Paulo).

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*Roberto Delmanto é advogado.

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