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Todas as "bagagens" oriundas do exterior devem ser tributadas?

Bruno Zanim

Em 3/8 foi publicada no DOU, a IN da RF do Brasil, 1.059, a qual regulamentou os procedimentos de controle aduaneiro e o tratamento tributário aos quais estão submetidos os bens do viajante procedente do exterior, a ele destinado ou em trânsito de saída ou chegada ao país.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Atualizado em 28 de setembro de 2010 13:33


Todas as "bagagens" oriundas do exterior devem ser tributadas?

Bruno Zanim*

Em 3/8/2010 foi publicada no Diário Oficial da União, a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil, 1.059, a qual regulamentou os procedimentos de controle aduaneiro e o tratamento tributário aos quais estão submetidos os bens do viajante procedente do exterior, a ele destinado ou em trânsito de saída ou chegada ao país.

Nos termos do art. 2º, dessa IN temos, bagagem é:

"Art. 2º Para os efeitos desta Instrução Normativa, entende-se por:

I - bens de viajante: os bens portados por viajante ou que, em razão da sua viagem, sejam para ele encaminhados ao País ou por ele remetidos ao exterior, ainda que em trânsito pelo território aduaneiro, por qualquer meio de transporte;

II - bagagem: os bens novos ou usados que um viajante, em compatibilidade com as circunstâncias de sua viagem, puder destinar para seu uso ou consumo pessoal, bem como para presentear, sempre que, pela sua quantidade, natureza ou variedade, não permitirem presumir importação ou exportação com fins comerciais ou industriais;

(...)

§ 3º Não se enquadram no conceito de bagagem:

I - veículos automotores em geral, motocicletas, motonetas, bicicletas com motor, motores para embarcação, motos aquáticas e similares, casas rodantes (motor homes), aeronaves e embarcações de todo tipo; e

II - partes e peças dos bens relacionados no inciso I, exceto os bens unitários, de valor inferior aos limites de isenção, relacionados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB)."

Ora, o referido §3º deve ser analisado com total cautela. Vejamos os motivos:

Desta forma, essa análise deve partir da Constituição Federal, especificamente, dos Direitos Sociais, como também do Direito Desportivo, os quais asseguram ao cidadão o direito ao lazer.

O termo "lazer", como bem define o saudoso lexicógrafo AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, em seu "Novo Dicionário da Língua Portuguesa", Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2ª ed.:

"Lazer (ê). [Do lat. Licere, 'ser lícito', atr. Do arc. lezer], S. m. 1. Ócio, descanso, folga, vagar: "'Conversa mole', 'conversa fiada', 'papo', implicam desocupação, lazer, sendo do prazer e da volúpia" (Gilberto Amado), Sabor do Brasil, p. 31). 2. Tempo que se pode livremente dispor, uma vez cumpridos os afazeres habituais. 3. Atividade praticada nesse tempo; divertimento, entretenimento, distração, recreio."

Foi nesse exato sentido que o legislador da Carta Maior protegeu o lazer como o sendo direito social, vide o disposto no artigo 6º, da Constituição Federal, verbis:

"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

A doutrina, fonte da ciência do Direito, define os direitos sociais como os sendo direitos fundamentais do homem. Esse é o posicionamento do Distinto Doutor em Direito do Estado ALEXANDRE DE MORAES, exposto em sua obra "Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional", São Paulo: Atlas, 4ª ed., pág. 471, ipsis litteris:

"Direitos sociais são direito fundamentais do homem, que se caracterizam como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo artigo 1º, IV, da Constituição Federal."

Ademais, os direitos sociais são normas de ordem publica com característica de serem imperativas e invioláveis por parte do Estado Maior. Aliás, essa é a conclusão do ilustre ARNALDO SÜSSEKIND em sua obra "Comentários a Constituição brasileira", Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989, v. 1.

O legislador constitucional, com vistas ao bem-estar dos cidadãos dessa República Federativa do Brasil, consagrou como dever do Estado o fomento de práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, determinando ao Poder Público, a obrigatoriedade de incentivar o lazer, como forma de promoção social.

Nesse sentido é o disposto no artigo 217, da Constituição Federal de 1988, o qual assevera:

"Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados:

(...)

§ 3º O poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social."

O direito constitucional do incentivo ao lazer está co-relacionado ao direito a vida, a saúde, em busca da efetivação do bem estar de todos os cidadãos.

Tal conexão de direitos sociais e culturais, intrínsecos à vida em sociedade é ressaltada por CANOTILHO e VITAL MOREIRA, quando afirmam:

"O direito à cultura e ao desporto articula-se com outros direitos como, por exemplo, o direito à proteção da saúde (art. 64º- 2), os direitos da juventude (art. 70º-1/c), o direito à educação (art. 73º) e o direito ao ensino (art. 74º). A imbricação destes direitos com o direito ao desporto aponta para a idéia de desenvolvimento integral das pessoas (art. 69º-1). Por outro lado, o desporto reabilitador dos jogos tradicionais articula-se com a proteção do patrimônio cultural (art. 78º-2/c). Finalmente, o direito ao desporto interpenetra-se como os direitos dos trabalhadores como elemento da sua realização pessoal (art. 59º-1/b) e da efetivação do direito ao lazer (art. 59º-1/d)."

Desse modo, conforme restou demonstrado, qualquer ato que iniba a prática do lazer, vai de encontro à Constituição Federal.

Desta forma, parece-me que a aplicação da Instrução Normativa, ora analisada, ou seja, especificamente o inciso I, do §3, deve levar em consideração se o bem advindo do exterior é destinado ao lazer ou mesmo a prática esportiva.

De maneira que um motor não será consideração bagagem na hipótese de o viajante, cidadão brasileiro, possuir autorização do IBAMA para prática esportiva, outro exemplo, se a bicicleta será utilizada não só para competições - atleta federado - mas, inclusive para o lazer.

Outro ponto que dever ser levado em consideração é o Decreto lei 2.120/1984, o qual define o conceito de bagagem como sendo: "o conjunto de bens do viajante que, pela quantidade ou qualidade não revele destinação comercial."

A corroborar com o Decreto lei é o disposto no próprio Regulamento Aduaneiro (91.030/85, art. 228, §§1º e 2), o qual prevê a isenção de tributos aos bens integrantes da bagagem do viajante, sendo considerada bagagem, para efeitos fiscais, o conjunto de bens do viajante que, pela quantidade ou qualidade, não revele destinação comercial.

Assim, inaplicável, portanto, a retenção daqueles bens mencionados acima, para aquela situação, ou seja, se devidamente adquiridos para prática do lazer ou esporte e, que não revele fins comerciais, de maneira que se não liberado dentro do cronograma legal, caracterizar-se-á verdadeira APROPRIAÇÃO INDÉBITA.

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*Advogado do escritório Mesquita Pereira, Marcelino, Almeida, Esteves Advogados

 

 

 

 

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