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Lacrimosa primavera

Nesta lacrimosa primavera de 2010, não para de chover, e José Serra não para de perder suas melhores oportunidades políticas. Antes de analisar a conduta de Serra nas disputas eleitorais, caberia dizer que na presente conjuntura nenhum candidato da oposição ganharia de Dilma, ou de outro em seu lugar, apoiado, empresariado, promovido por Lula.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Atualizado em 8 de novembro de 2010 11:03


Lacrimosa primavera

Gilberto de Mello Kujawski*

Nesta lacrimosa primavera de 2010, não para de chover, e José Serra não para de perder suas melhores oportunidades políticas.

Antes de analisar a conduta de Serra nas disputas eleitorais, caberia dizer que na presente conjuntura nenhum candidato da oposição ganharia de Dilma, ou de outro em seu lugar, apoiado, empresariado, promovido por Lula. Porque ninguém ganha eleição contra a corrente maciça da opinião coletiva, e a hora, agora, ainda é de Lula, com seus propalados 80% de popularidade, endeusado por todas as classes como o herói supremo da nacionalidade. O país está com água pelo nariz nas águas turvas da unanimidade pró-Lula. Só o tempo e a dialética da mudança social, cultural e histórica podem quebrar tão sólida unanimidade. É cedo para mudança. Até que o país amadureça teremos que engolir a força tudo o que o Guia nos impõe, inclusive a nova presidente.

Isto posto, vejamos a parte que coube ao candidato do PSDB no seu insucesso. José Serra parece abrigar dentro dele algum quebranto que trabalha contra tudo o que ele faz para ganhar a presidência da República.

Homem público de grande porte, inteligente, experiente, capacidade de trabalho fora do comum, energia inesgotável, o que há de errado em sua pessoa? Talvez o ponto fraco resida em seu processo decisório quando se avizinha a hora de traçar uma grande estratégia visando transpor a distância que o separa de seu maior objetivo - a conquista do Planalto.

Como é que o prócer do PSDB amadurece sua decisão para materializar o maior sonho de todo político? Serra é muito, muitíssimo escrupuloso. Não quer deixar de fora nenhuma circunstância, nenhum fator, por insignificante que pareça que sirva de base para sua decisão final. Ele pretende abarcar todos os elementos, reais ou virtuais, que integram sua situação, para poder decidir com segurança.

A questão é que, de hora em hora, dia a dia, semana a semana, mês a mês, o tempo passa e a oportunidade certa para a decisão se evapora. A política, já dizia Aristóteles, é ciência cairológica (de khairos, oportunidade). A política é ciência e prática oportunista, (no bom e no mau sentido). O político que perde a oportunidade, que só passa uma vez à sua frente, está ele próprio perdido.

Sim, Serra é um perfeccionista. Os perfeccionistas sofrem do defeito de suas qualidades. Buscar a perfeição é sempre uma grande qualidade. Perder seu objetivo por causa de um detalhe inacessível qualquer, é um defeito que pode ser fatal para nossas aspirações.

Mas Serra, além de perfeccionista, é tremendamente teimoso. O que fez ele antes de declarar-se candidato à presidência? Deixou passar meses até anunciar sua decisão. Resultado: sua candidatura esfriou.

O segundo fator que atrapalhou o ex-governador de São Paulo foi a falta de foco na campanha. Falava só de generalidades, algumas impostas pela mídia, outras para responder à candidata do PT, mas em nenhum momento identificou-se com um tema que fosse para ele como que sua marca carimbada. Sua campanha se fragmentou e se pulverizou em picuinhas.

Um foco de poder magnético, irresistível, seria a situação da juventude, essa juventude órfã, vivendo às cegas entre as baladas, as drogas, a TV e o computador, esses jovens que não são degenerados nem perversos, mas, antes de tudo desorientados, hipnotizados pela magia dos meios e perdidos dos fins.

A classe dos trabalhadores já não constitui a mais necessitada e carente. Os trabalhadores estão entrando para a classe média, com aumento de renda e de crédito, consumindo como nunca antes nesse país. O segmento social mais carente é hoje a juventude, à espera de uma palavra que não ouvem dos pais, nem dos mestres, da TV, do computador, e nem dos políticos que se propõem a descobrir um norte para o país.

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*Ex-Promotor de Justiça. Filósofo e ensaísta





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