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Breve consideração acerca da alienação fiduciária de bens imóveis no mercado recessivo

Fernando Dias

À partir da edição da lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, passou a ser possível, no Brasil, a utilização da alienação fiduciária de bens imóveis, para garantia de débitos civis.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Atualizado em 15 de julho de 2011 13:10


Breve consideração acerca da alienação fiduciária de bens imóveis no mercado recessivo

Fernando Dias*

À partir da edição da lei 9.514 (clique aqui), de 20 de novembro de 1997, passou a ser possível, no Brasil, a utilização da alienação fiduciária de bens imóveis, para garantia de débitos civis. Após pouco mais de dez anos, esta modalidade de garantia vem sendo largamente utilizada, principalmente no mercado imobiliário brasileiro, hoje um dos mais aquecidos do mundo. Apesar das inúmeras vantagens que este tipo contratual oferece, em comparação à tradicional hipoteca, o diploma legal traz inovação que, se não analisada com atenção, pode se tornar crítica em uma eventual deflação no mercado.

A alienação fiduciária se caracteriza pela transferência, ao credor, da propriedade do bem garantidor, ficando o devedor com a simples posse direta, ou seja, o contato e a utilização direta do bem. Na prática, o devedor continua utilizando um bem que não mais lhe pertence. Uma vez paga a dívida, o devedor, automaticamente, volta ser o proprietário da garantia. Na hipótese de não pagamento do débito, o credor, titular do bem, poderá, rapidamente, reaver a posse direta das mãos do devedor e efetuar a execução da garantia, alienando-a.

Na alienação fiduciária de bens imóveis, normalmente utilizada no mercado imobiliário, embora não exclusiva, o adquirente do bem transfere a sua propriedade ao agente financeiro, pelo período que durar o financiamento. O termo de quitação da dívida, conforme previsto expressamente no artigo 25, § 2o, da lei 9.514/97 (clique aqui), poderá ser levado diretamente ao Registro Imobiliário, a fim de cancelar a alienação fiduciária e consolidar, de forma plena, a propriedade do bem na pessoa do adquirente.

A grande vantagem deste tipo de garantia, em comparação à hipoteca, garantia, até então, mais utilizada no mercado imobiliário, é a agilidade na execução do bem, pois todo o procedimento se desenrola perante o Cartório Imobiliário (Registro de Imóveis), sendo desnecessária a ida ao Judiciário. De fato, será o agente notarial quem notificará o devedor, constituindo-o em mora, e, persistindo a inadimplência pelo prazo de 15 dias, consolidará a propriedade do bem em prol do credor.

Além da sua maior agilidade, a popularidade da alienação fiduciária foi incentivada pela consolidação, nos tribunais brasileiros, do entendimento acerca da ineficácia da hipoteca firmada entre o incorporador e o agente financeiro, especificamente em relação aos adquirentes do bem. A jurisprudência, consubstanciada no enunciado 308, da súmula do STJ, tem nítido cunho social, protegendo os adquirentes de bens imóveis, ante a falta de repasse dos pagamentos aos financiadores da incorporação. Na alienação fiduciária, no entanto, o vínculo jurídico, em regra, é celebrado diretamente pelos compradores, o que os impede de arguir a ineficácia do contrato.

A lei 9.514, ao regular a alienação fiduciária de bens imóveis, traz uma grande novidade no tocante à superveniência de débito, após a execução do bem, algo ainda desconhecido, mesmo para quem já vem utilizando o instituto. Consolidada a propriedade com o credor, face a inadimplência do devedor, o mesmo fica vinculado a, no prazo de 30 dias, realizar a venda do imóvel, através de leilão público (a legislação brasileira segue a tradição de vedar a cláusula comissiva). Com o fruto da venda, o credor quita o débito e restitui, ao devedor, o restante.

Não havendo lance que alcance o valor do bem, sendo este livremente fixado pelas partes no contrato de alienação fiduciária, sem prejuízo de possível revisão por grave distorção, o credor deverá proceder uma segunda oferta pública, nos quinze dias seguintes. Neste segundo leilão, será aceito o maior lance ofertado, desde que igual ou superior ao valor da dívida. Não há mais referência ao preço do imóvel, bastando que o interesse do credor seja satisfeito.

Mas a maior novidade está na hipótese de não se alcançar, sequer, o valor da dívida, no segundo leilão. Enquanto que, pelo sistema tradicional, o devedor continuava obrigado pelo saldo remanescente, a lei 9.514/97, no artigo 27, §§ 5º e 6º, prevê, diferentemente, que o débito estará automaticamente quitado e o imóvel continuará no patrimônio do credor. Em suma, caso se enfrente situação de considerável recessão, com deflação nos preços dos imóveis, o débito se resolverá pela adjudicação da garantia, sendo o credor obrigado a realizar os prejuízos daí advindos.

A alienação fiduciária de bens imóveis, efetivamente, apresenta grandes vantagens, que não podem ser descartadas. No entanto, o instituto ainda não foi avaliado em momento de recessão, quando a relevância das garantias contratuais é realçada, na medida em que o mercado imobiliário brasileiro passou ao largo da crise econômica dos últimos anos. O grande número de empreendimentos imobiliários e os novos fundos de investimentos de direitos creditórios, voltados para o mercado incorporador, impõem uma precisa análise de riscos, mediante pleno conhecimento das informações disponíveis. Neste contexto, a possível resolução do débito, com a consolidação da propriedade do imóvel, prevista no artigo 27, da lei 9514/97, deve ser mensurada, jurídica e economicamente, para adoção, se for o caso, de soluções alternativas que mitiguem o risco negocial.

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*Advogado do escritório Arruda Dias Lemos

 

 

 

 

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