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Ainda o Antiprojeto de Código Comercial

O advogado faz críticas a artigos que violam a segurança jurídica.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Atualizado às 08:43

Faço referência aqui ao excelente artigo do eminente Prof. Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, publicado neste jornal eletrônico em 19.11 p.p., intitulado "A inefável função social do contrato e o projeto de Código Comercial".

Nesse artigo, o ilustre comercialista chama a atenção, inicialmente, para o fato de que, sob os auspícios do Conselho da Justiça Federal, foram elaborados 57 enunciados sobre as mais diversas áreas de Direito Comercial, entre os quais o enunciado n. 26, do seguinte teor: "O contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial".

Observou o Prof. Verçosa, muito a propósito, que tal enunciado, no evento realizado em Brasília, estava "dentro do campo das obrigações empresariais, contratos e títulos de crédito, cujo coordenador científico foi o Prof. Fábio Ulhôa Coelho", e que o referido enunciado nada mais é do que "a reprodução pura e simples do art. 316, parágrafo único do anteprojeto solitário daquele mesmo autor"1.

E realçou a seguir "a situação de conflito de interesses em que ele tem sistematicamente se colocado desde a elaboração do seu texto, sua apropriação pelo Ministério da Justiça e subsequente transformação em projeto de lei de Código Comercial, como agora ocorreu em relação à Jornada de que se trata".

Aqui não só concordo com o citado mestre, mas acrescento algo mais: a situação é despudoradamente conflitante, na medida em que o autor do Antiprojeto preside - preside, note-se bem! - a Comissão de Juristas que assessora a Comissão Especial da Câmara dos Deputados encarregada de apreciar ... a obra do presidente da Comissão de Juristas que a assessora!

Mas, vamos ao mérito.

Um dos objetivos declarados do Antiprojeto é proporcionar segurança aos empresários.

Como se sabe, porém, "função social do contrato" é um conceito jurídico indeterminado sobre cujo conteúdo reina enorme controvérsia.

Por isso, pondera o Prof. Verçosa: "Segue-se a necessidade da interpretação daquele enunciado, dentro de um significativo âmbito de conceitos abertos, sempre imprecisos (e consequentemente de aplicação insegura), que passa pelo conteúdo do contrato empresarial; de que tipo de prejuízo ele se refere; de quais seriam esses direitos ou interesses, difusos ou coletivos ali referidos; e quem seriam os sujeitos não participantes da relação negocial. Trabalho para mais de metro, como diria alguém".

E, mais adiante: "Pior de tudo, essa nova figura de responsabilidade que o malfadado projeto de Código Comercial pretende impingir à atividade empresarial, se por acaso vier a ser aprovado, se intrometerá indevidamente em áreas do direito que já são devidamente tuteladas, quando se pensa na ocorrência de externalidades negativas e de efeitos de segunda ordem, decorrentes da atividade empresarial. Porque, afinal de contas, é disto de que se trata". Com efeito, diz ele, "... as externalidades negativas e os efeitos de segunda ordem originados da atividade empresarial já são objeto de tutela jurídica plenamente adequada, o que se faz por meio de micro sistemas próprios, como acontece com o do meio ambiente e o do direito do consumidor. Assim, se pergunta, o que mais restaria proteger, a título de descumprimento da função social do contrato, que pudesse ser passível de alcançar terceiros estranhos às relações negociais do empresário?"

Tudo isso para concluir que "neste plano, falar de função social do contrato implica em criar mais um ônus claramente indevido para o empresário, diante de um universo desconhecido de titulares dos direitos decorrentes da imposição daquela, frente a uma penalização que pode se revelar em um montante impossível de pagar senão à custa da vida da própria empresa e, aí sim, é que terá sido detonada a sua função social".

Mas o que escapou ao ilustre Prof. Verçosa foi o que dispõe o art. 317 do Antiprojeto: "O Ministério Público e os demais legitimados podem pleitear a anulação do negócio jurídico, provando o descumprimento da função social"! Vejam a segurança jurídica que se quer "outorgar" ao empresário! O Ministério Público legitimado a requerer a anulação do negócio por descumprimento do nebuloso e impreciso conceito de função social!

Em matéria de segurança aos empresários, porém, o Antiprojeto não para por aí.

Além do absurdo art. 277 - que analisei em artigo publicado neste jornal eletrônico em 3.5.12 e que autoriza cumular, "independentemente da opção do credor entre exigir o cumprimento da obrigação em juízo ou apenas demandar perdas e danos": "I - o valor da obrigação acrescido de correção monetária; II - juros; III - indenização pelas perdas e danos derivados da mora; IV - cláusula penal; e V - honorários de advogado, quando for o caso", o art. 289 ainda prevê: "O juiz poderá condenar o empresário ao pagamento de razoável indenização punitiva, como desestímulo ao descumprimento do dever de boa fé". O que significa "razoável indenização punitiva"? Mais uma fluida indeterminação a pairar sobre a cabeça do empresário.

Relembre-se, também, que o Antiprojeto consagra a possibilidade de o indivíduo gravar as próprias quotas com cláusula de impenhorabilidade no contrato social (art. 180). É o máximo da segurança jurídica!

Isso tudo sem falar na edificante figura do "facilitador"2, prevista no art. 657, que vai auxiliar o juiz em processos com mais de quinhentas páginas, ficando o magistrado autorizado a "determinar a juntada aos autos do relatório do facilitador, hipótese em que fica dispensado de relatar o processo na sentença"! Imagine-se a segurança do empresário: seu processo será julgado por quem não o leu!

Aproveitando o ensejo, porém, sinto-me no dever de trazer uma outra novidade do Antiprojeto (a cada vez que o leio, descubro mais uma pérola sob os escombros).

Além das extraordinárias novidades no campo jurídico ("Art. 276. Em caso de inadimplemento, o empresário credor pode exigir judicialmente o cumprimento da obrigação", "Art. 303. São princípios do direito contratual empresarial: (...) II - plena vinculação dos contratantes ao contrato), o Antiprojeto também traz inovações na área das ciências exatas!

Confira-se o que diz o art. 291:

"Art. 291. Prescreve:

I - em um ano, a pretensão:

a) contra os peritos e subscritores do capital, para deles haver reparação civil pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade empresária, contado da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo ou, no caso de não ser a realização desta obrigatória, da data do instrumento de contrato social ou de alteração contratual;

... (omissis)...

II - em três anos, a pretensão:

a) para cobrar dividendos ou qualquer outra forma de participação nos resultados da sociedade empresária, contados da data em que tenham sido postos à disposição do sócio

...(omissis)...

III - Em um ano, a pretensão:

a) de executar os endossantes e o sacador de letra de câmbio, a contar do protesto feito em tempo útil ou, no caso da cláusula ?sem despesas?, do vencimento;

...(omissis)...

IV - Em seis meses, a pretensão do endossante de letra de câmbio de executar os demais endossantes ou o sacador, a contar do dia em que ele pagou a letra ou em que ele próprio foi acionado".

Os leitores perceberam?

Quando eu aprendi a contar, na infância, depois de três anos seguiam-se quatro anos, cinco anos e assim por diante. Mas para o Antiprojeto, após três anos, retorna-se para um ano e daí para seis meses, num movimento de retrocesso mental! Não é uma extraordinária inovação no campo da aritmética?3

Retorno ao campo da segurança jurídica, para finalizar este artigo com chave de ouro.

O Antiprojeto revoga, irresponsavelmente, no art. 669, inciso I, o Código Comercial vigente (Parte Segunda - Do Comércio Marítimo). E, como diz jovem e querido jurista amigo meu, "para naufragar de vez o direito comercial marítimo, não coloca nada em troca!"

Será simplesmente abolido o direito empresarial marítimo no País! Não é o cúmulo da segurança jurídica?!

Encerro este artigo (outros virão!), parafraseando o fecho de uma sentença prolatada por um polêmico juiz e grande cronista que passou por São Paulo:

Publique-se. Registre-se. Lamente-se!4

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1 Aqui divirjo do eminente Prof. Verçosa porque entendo que se trata verdadeiramente de um Antiprojeto (com "A" maiúsculo) - e não de um anteprojeto propriamente dito, que nunca existiu. O soi disant projeto foi arremessado desde logo contra o Congresso Nacional.

2 A expressão facilitador não poderia ser mais expressiva do cuidado com que foi elaborado o Antiprojeto. O que significa em direito? Para não ir muito a fundo, veja-se a definição do Aulete digital sobre facilitação: "4. Jur. Ajuda dada por alguém que facilita a prática ou execução de um ato: crime de facilitação ao contrabando".

3 Como se vê, o Antiprojeto, redigido aos trambolhões para aproveitar um momento político, desponta no horizonte jurídico nacional, por esse e por outros dispositivos já por mim indicados, como uma obra-prima do desleixo e do descaso!

4 A frase é do Dr. Dácio Aranha de Arruda Campos, o conhecido Matias Arrudão, do Estadão. O processo versava sobre um vergonhoso caso de crime eleitoral (ocasião propícia, não?).

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*Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França não é jurista; É advogado em São Paulo e Professor Associado do Departamento de Direito Comercial da USP.




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