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Da ilegalidade das obrigações impostas pela resolução 13/12 do Senado Federal e Ajuste SINIEF 19/12

João Victor Pedro Maluf

É ilegal a obrigação acessória que impõe a necessidade de o importador publicar o valor de custo das mercadorias a serem comercializadas.

sábado, 11 de maio de 2013

Atualizado em 10 de maio de 2013 13:33

Em tempos que a competitividade dos produtos nacionais está mais do que nunca em voga, as empresas importadoras com sede no Brasil já sofrem com a concorrência muitas vezes desleal dos fabricantes locais, os quais gozam de diversos incentivos governamentais protecionistas.

Com a vigência da resolução 13/12 do Senado Federal, houve o teórico fim da chamada "Guerra dos Portos", onde as diferenças de alíquotas do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intemunicipal e de Comunicação (ICMS) permitiam aos Estados conceder benefícios fiscais para as empresas que importassem produtos pelos seus portos. Ao instituir, em seu artigo 1º, a alíquota única de 4% para bens advindos do exterior, houve o fim desta discussão e o início de outra, relativa às obrigações impelidas pelo consequente Ajuste SINIEF 19/2012, sobre as notas fiscais emitidas pelas pessoas jurídicas.

O supracitado ajuste do Sistema Nacional de Informações Econômicas e Fiscais, o qual foi instituído com a finalidade de definir os procedimentos a serem adotados pelas empresas em vista da resolução 13/12, prevê, em sua cláusula segunda, inciso II, a seguinte condição para uso da alíquota única:

"Cláusula segunda A alíquota do ICMS de 4% (quatro por cento) aplica-se nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior que, após o desembaraço aduaneiro:

I - não tenham sido submetidos a processo de industrialização;

II - ainda que submetidos a processo de transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento, reacondicionamento renovação ou recondicionamento, resultem em mercadorias ou bens com Conteúdo de Importação superior a 40% (quarenta por cento)." (grifos meus).

Há portanto, duas condicionantes para esse privilégio, o produto não ter sido industrializado ou o Conteúdo de Importação (percentual correspondente ao quociente entre o valor da parcela importada e o valor total da operação de saída interestadual da mercadoria) ter sido superior a 40%.

Mas como comprovar que o conteúdo de importação é ou não superior a 40%?

O legislador encontrou a seguinte solução, descrita na Cláusula Sétima do mesmo documento:

"Cláusula sétima Deverá ser informado em campo próprio da Nota Fiscal Eletrônica - NF-e:

I - o valor da parcela importada do exterior, o número da FCI e o Conteúdo de Importação expresso percentualmente, calculado nos termos da cláusula quarta, no caso de bens ou mercadorias importados que tenham sido submetidos a processo de industrialização no estabelecimento do emitente;

II - o valor da importação, no caso de bens ou mercadorias importados que não tenham sido submetidos a processo de industrialização no estabelecimento do emitente." (grifos meus).

É pacífico e remansoso que ao adimplir esta obrigação acessória, o importador incorre em conduta extremamente danosa para as suas atividades comerciais. Seria o mesmo que revelar sua margem de lucro.

A obrigação instituída pelo Confaz no referido Ajuste, em decorrência da resolução do Senado Federal, implica em claro caso de violação aos princípios constitucionais, no caso em comento, da Livre Iniciativa e Livre Concorrência, previstos respectivamente no artigo 1º, inciso IV e 170, inciso IV da Carta Magna Pátria:

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;[...]

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[...]

IV - livre concorrência;" (grifos meus).

Todos os princípios elencados no artigo 170 acima transcrito são, na verdade, uma forma de refletir a Livre Iniciativa.

Inicialmente, a proteção à Livre Iniciativa surgiu dentro do modelo econômico neoliberal, modernização do modelo liberal clássico, o qual foi utilizado como justificativa do modelo capitalista vigente início do século passado, que restou abalado pela crise de 1929.

Após 1929, o neoliberalismo, que previa a não interferência do Estado na economia, sob nenhuma hipótese, foi substituído por um modelo em que a máquina governamental teria o poder de "dirigir" a economia, mas sem interferência direta.

Contudo, a partir da década de 70, ainda durante o período da Guerra Fria, o sentido do Neoliberalismo se viu modificado novamente, buscando sua origem, ou seja, a diminuição da interferência estatal como forma de justificar o modelo capitalista da época.

Portanto, temos, na verdade, dois conceitos de Neoliberalismo, o anterior aos anos 70, que pregava o Welfare State (Estado protetor e organizador da economia) e após este período, em que o conceito retornou às origens, com a absoluta não interferência estatal.

Atualmente, no Brasil, o modelo seguido se utiliza de preceitos neoliberais, mas emprega um intervencionismo regulatório do governo, mais parecido com a política econômica defendida por John Maynard Keynes. Fábio Ulhoa Coelho, em sua obra Curso de Direito Comercial1 conceitua o Neoliberalismo brasileiro como fundado na Livre Iniciativa:

"O modelo econômico definido na Constituição que se funda na livre iniciativa, mas consagra também outros valores com os quais aquela deve se compatibilizar". (grifos meus)

O princípio da Livre Iniciativa, ao ser definido na Constituição Federal, teve, na verdade, o intuito de estabelecer que este seja tão fundamental quanto os outros preceitos, como por exemplo, a Defesa do Consumidor e a Proteção ao Meio Ambiente. José Afonso da Silva em sua obra "Direito Constitucional Positivo"2 define o comentado ensinamento da seguinte forma:

"[...]a liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato.".

Este conceito, conforme expus acima, está inserido como fundamento da ordem econômica atual, a violação dele, portanto, implicaria na proibição de explorar as atividades empresariais.

O que se vê com esta obrigação instituída pelos normativos acima é a imposição pelo estado de uma concorrência claramente desleal entre o fabricante nacional e o importador, visto que a impossibilidade de competição causada pela obrigação de se revelar o preço de custo do bem importado.

Trata-se de clara intervenção estatal na economia, afrontando o sistema econômico neoliberal, por meio de medida protecionista.

O protecionismo é ainda hoje amplamente utilizado pelos países para "defender" a economia local, mesmo que esta não esteja fragilizada. Surgido na Idade Média como maneira de as políticas absolutistas forçarem a produção interna dos bens e, com isto, aumentarem a arrecadação de tributos, o protecionismo acentuou-se mesmo após o fim da Segunda Guerra Mundial e, contraditoriamente, com a ocorrência, em 1944, da Conferência de Bretton-Woods. Esta tinha o objetivo de reconstruir as nações destruídas pela guerra. Na ocasião, foram definidas regras e procedimentos, como por exemplo o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) com a finalidade de aumentar o comércio entre os países e regulamentar as políticas mercantis, bem como criadas instituições como o BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, posteriormente bipartido em Banco Mundial e Banco para Investimentos Internacionais) e o FMI. Porém, o que se viu, até pela fragilidade econômica dos países, foi a ineficiência do sistema definido no referido encontro de nações, que não garantiu o investimento necessário para a reconstrução europeia, criando uma onda de barreiras tarifárias para produtos estrangeiros, especialmente advindos dos EUA, com o intuito de estimular a indústria local.

No entanto, essa política protecionista exacerbada não se justifica atualmente, em um mundo globalizado e no contexto de uma economia forte como a brasileira.

É notório que o objetivo do empresário, ao exercer a atividade econômica, está no lucro que se poderá auferir pela exploração do bem comercializado. Ou seja, o fato de que, para ter o benefício da alíquota única, o empresário tenha de revelar seu preço de custo e, consequentemente, a margem de lucro, obrigaria este a produzir o item no Brasil, o que fatalmente geraria um custo muito maior, muitas vezes inviabilizando o negócio. Há, portanto, a deslealdade na competição, pois tal exigência impede que haja igualdade de condições entre importador e o produtor brasileiro, que não possui esta obrigatoriedade, motivo que, por si só, bastaria para a invalidação dessa norma.

Argumentar que o produtor nacional gera empregos e internaliza os investimentos e devido a isto faz jus a ser beneficiado pelo intervencionismo estatal é olvidar que as empresas que importam produtos também contratam mão de obra nacional e pagam tributos pela atividade, gerando recursos e dessa forma, colaborando para a prosperidade da economia brasileira.

Já existem decisões, em caráter liminar, que suportam a não necessidade de informar o valor da importação na Nota Fiscal, não havendo, dessa maneira, a obrigatoriedade de o comerciante informar sua margem de lucro na negociação.

Pode-se citar, por exemplo a decisão acerca do Mandado de Segurança 2013.005180-1/0000-00, publicada no dia 05/03/2013 no Diário da Justiça Eletrônico nº 1582, do Poder Judiciário de Santa Catarina:

"Sendo, como é, vedada a divulgação, pela Fazenda Pública, de informações referentes aos negócios do sujeito passivo da obrigação tributária, informações estas que não devem cair no domínio público, dado que se constituem em sobrelevante elemento econômico para a competitividade no mercado, defiro a liminar para exonerar a impetrante da obrigação prevista na cláusula sétima do do Ajuste SINIEF 19/2012, ratificado pelo decreto estadual 1.319/2012." (DJe n. 1559, 29-1-13, p. 82/84) Por esses motivos, concedo a liminar, afastando, por ora, a obrigação imposta pela Cláusula Sétima do Ajuste Sinief 19/12, ratificado pelo decreto estadual 1.319, de 20/12/12. As informações e a manifestação do Representante Judicial do Estado já estão nos autos."

Ainda, faz-se necessário ressaltar que o ato de diferenciar os produtos provenientes de produção interna dos advindos do exterior é inconstitucional.

A Assembleia Estadual do Espirito Santo, ao ingressar com ADIn 4858, com o fito de combater o disposto na resolução 13/2012, argumentou no sentido de que é vedada pela própria Carta Magna brasileira a diferenciação de tratamento tributário entre contribuintes "que se encontrem em situação equivalente", conforme disposto no artigo 150, inciso II desta:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:[...]

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;[...]" (grifos meus)

Igualmente, alega ainda que o artigo 152 da CF/88 prevê impedimento aos Estados, Distrito Federal e Municípios de estabelecer diferenças tributárias para os produtos importados:

"Art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino."

Ora, se é vedada aos supramencionados entes federativos esta distinção, porque ao Senado Federal seria permitido?

Essa competência extrapola os limites estabelecidos pelo artigo 155, parágrafo 2º, incisos IV e V da carta pátria, o qual institui tão somente que o Senado tem o poder de definir as alíquotas aplicáveis em operações e prestações interestaduais e de exportação. Não permite a esta instituição que imponha obrigações que diferenciem produtos importados e nacionais.

Esta preocupação na distinção do tratamento tributário entre os diferentes tipos de produtos é antiga. Ainda na vigência da Constituição Federal de 1979, foi promulgada a súmula 575 do Supremo Tribunal Federal, qual impõe que não é permitido tratamento tributário diferenciado para produtos importados de membros do GATT:

"SÚMULA Nº 575

À mercadoria importada de país signatário do (gatt), ou membro da (alalc), estende-se a isenção do imposto de circulação de mercadorias concedida a similar nacional."

Diante do exposto, portanto, há de se concluir que é ilegal a obrigação acessória que impõe a necessidade de o importador publicar o valor de custo das mercadorias a serem comercializadas, o que impediria o exercício do princípio fomentador da atividade comercial global, a liberdade de concorrência.

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1 COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial, Volume 1, 7ª Edição, Editora Saraiva, pág. 180.

2 DA SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, 17ª Edição, Editora Melhoramentos, pág. 767

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Bibliografia

PESQUISA & DEBATE, SP, volume 19, número 2 (34) pp. 195-219, 2008;

SÍTIO ELETRÔNICO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=575.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas

SÍTIO ELETRÔNICO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

https://www.stj.jus.br

SÍTIO ELETRÔNICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA:

https://app.tjsc.jus.br/consultadje/visualizapagina.action?nudocto=1582&nuano=2013&nupagina=157

COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial, Volume 1, 7ª Edição, Editora Saraiva, 1998, São Paulo;

DA SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, 17ª Edição, Editora Melhoramentos;

REQUIÃO, Rubens, Curso de Direito Comercial, 1º volume, 21ª Edição, Editora Saraiva.

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* João Victor Pedro Maluf é sócio do escritório Pittelli Advogados Associados.

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