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O GPS e a perseguição virtual

A localização por satélite, sem dúvida, corresponde a uma longa manus do Estado em sua função persecutória. Irá proporcionar a localização precisa do infrator e a realização de uma justiça mais condizente com a realidade.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Atualizado em 9 de setembro de 2013 13:21

A evolução da tecnologia acarreta, obrigatoriamente, uma revisão de muitos procedimentos descritos nas legislações. Principalmente as mais envelhecidas e que carregam um arsenal de exigências desproporcionais com os novos tempos. Ubi societas, ibi jus determina que o Direito deve pensar e projetar todas as transformações sociais.

O heroico Código de Processo Penal Brasileiro, editado no governo de Getúlio Vargas em 1941, vem se arrastando ainda com muito esforço e pouco fôlego para sustentar os novos procedimentos. O dinamismo da sociedade, as novas formas de se praticar delitos, as exigências de uma Justiça mais célere, as prisões com todas suas variações deixam enrubescidas as páginas do estatuto processual. Apenas reformas pontuais foram introduzidas paulatinamente procurando ajustar rapidamente condutas que fazem parte da realidade brasileira. Daí a necessidade de, urgentemente, promover as reformas do Código Penal e Processo Penal. A própria Constituição Federal sofreu remodelação geral e, mesmo assim, para atender muitos de seus objetivos, continua a receber sucessivas emendas.

Pois bem, feita a introdução, apresento para análise um fato que é corriqueiro em nosso cotidiano. Imagine que quatro ladrões encapuzados invadam um estabelecimento e, mediante emprego de arma de fogo, subtraiam valores e pertences do proprietário e frequentadores. Colocam-se em fuga com a utilização do carro de uma das vítimas. Mais adiante, seguindo um plano adredemente concebido, abandonam o veículo da fuga e apoderam-se do próprio para chegar ao destino pretendido. Sem deixar qualquer pista.

Não houve tempo para iniciar a perseguição e totalmente desconhecida a autoria.

Ocorre que, de uma das vítimas foi roubado um celular, equipado com o aplicativo do GPS (global posicionning system) e, ao ser acionado, enviou a informação precisa a respeito da localização dos roubadores que, imediatamente, sem qualquer desconfiança a respeito da operação policial, foram presos e autuados em flagrante delito, numa conexão temporal que corresponda a uma perseguição contínua e ininterrupta, aquela que é recomendada pelos doutrinadores.

A prisão flagrancial exige a concorrência de pelo menos uma das modalidades previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal, resumidamente: a) quem está cometendo ou acaba de cometer a infração penal; b) for perseguido, logo após; c) for encontrado, logo depois. Percebe-se claramente que a premissa do legislador vem elencada em escala valorativa decrescente de credibilidade: aponta os casos de verdadeiros flagrantes nas duas primeiras situações, quer dizer não há nenhuma dúvida com relação à certeza visual do cometimento do crime; já nas duas outras elege o quase-flagrante ou flagrante presumido para dar validade ao ato coercitivo.

Ora, no caso sub studio, é certo que ausentes os requisitos das duas primeiras hipóteses. Mas não tem cabimento a perseguição virtual logo após a prática do crime para justificar a prisão flagrancial?

De forma induvidosa nosso legislador concebeu a perseguição como sendo um ato realizado pela autoridade, pela vítima ou qualquer pessoa do povo, no sentido de seguir os passos de alguém, ir atrás de, desde que seja logo após o delito. Marques, com toda autoridade, afirma que "o início da perseguição tem de ser imediato: praticado o crime, é preciso que in incontinenti passe o réu a ser perseguido. E a perseguição deve ser mantida sem solução de continuidade até o instante de prender-se o autor da infração penal".1

Mas, lançando mão da interpretação evolutiva, pode se dar equivalência outra a uma determinação pretérita evoluindo-se até nossos dias, com a aplicação dos arsenais que são colocados à disposição da segurança do homem. Desta forma, razoável a interpretação que ocorreu uma perseguição, num lapso temporal recomendado, coordenada por satélites e que substitui com sobras o trabalho de ir ao encalço de alguém, com a utilização de um veículo. Nesta mesma linha de pensamento trilhou o governo brasileiro quando estabeleceu a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta de presos monitorados por pulseiras e tornozeleiras eletrônicas, tanto na saída temporária em regime semiaberto como na decretação de prisão domiciliar.2

Ora, mesmo em se tratando de prisão com menos rigor técnico, não se pode descartar sua validade flagrancial. Acredita-se que o legislador processual da época tenha se valido da interpretação do princípio in dubio pro societate, pois ao praticar um crime o delinquente encontra o Estado, como é comum acontecer, em desvantagem, desprovido da proteção preventiva específica, em desigualdade de condições e, portanto, concede a ele um tempo maior para recuperação e início de suas atividades persecutórias, com a elasticidade do tempo flagrancial.

A localização por satélite, sem dúvida, corresponde a uma longa manus do Estado em sua função persecutória. Irá proporcionar a localização precisa do infrator e a realização de uma Justiça mais condizente com a realidade e, sobretudo, conferir a segurança que tanto a população reclama.

Os chineses inventaram a bússola, como um aparelho que traz uma agulha magnetizada alinhada na direção norte-sul com a finalidade de permitir à pessoa encontrar determinada direção. Hoje, com a evolução tecnológica, você encontra a pessoa e a bússola em qualquer lugar do mundo.

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1Marques, José Frederico. Elementos de direito processual penal, vol. IV. Campinas: Bookseller, 1997, p. 78.

2Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e advogado; Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é advogado.

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