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A penhora dos planos de previdência privada

Estudo hermenêutico apresenta um papel fundamental, dado que carecem os jurisdicionados e operadores do Direito de regras objetivas acerca do tema.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Atualizado em 22 de janeiro de 2015 10:26

O TJ/SP tem se deparado com inúmeros recursos questionando a penhorabilidade dos saldos de previdência privada (PGBL e VGBL). Em sua análise, os desembargadores têm levado em consideração fatores como a natureza de tais valores (alimentar ou não), a finalidade da acumulação do capital (aplicação financeira ou natureza previdenciária), a eventual diferença no tratamento entre a parcela mensal resgatada e o capital investido, sua similitude com a poupança, o montante investido (se substancial ou não), dentre outros. Diante de todos esses pontos, o estudo hermenêutico apresenta um papel fundamental, dado que carecem os jurisdicionados e operadores do Direito de regras objetivas e positivadas acerca do tema.

O artigo 649 do CPC apresenta um amplo rol de bens e recursos tidos como "absolutamente impenhoráveis". A proteção legal inclui "pensões, pecúlios e montepios" (incisivo IV), dentre outros. Nesse entendimento, muitas instituições financeiras têm "vendido" produtos de previdência privada como estratégia perfeita de investimento e sucessão, somado a "blindagem" patrimonial (dada à suposta intocabilidade de tais recursos).

Com todo o respeito ao entendimento de que os recursos aplicados em PGBL e VGBL teriam natureza previdenciária (o que por nomenclatura legal têm, vide LC 109/01), nos parece que a interpretação de sua impenhorabilidade estaria equivocada. Os recursos são geralmente aplicados em fundos e visam logicamente à remuneração do capital. Constituem aplicação financeira como qualquer outra, com a possibilidade de resgate dos valores investidos a qualquer momento, como expressamente prevê a LC 109/01. Com efeito, se diferenciam no trato tributário, o que não afasta seu caráter essencial. É um investimento, visando acúmulo de capital. Considerar tais valores como impenhoráveis por visarem (em tese) uma "aposentadoria" seria chancelar que qualquer acúmulo de capital por pessoa física seria inatingível, o que, convenhamos, poderia vir a frustrar por completo as chances de recuperação de créditos perante tais devedores.

Nesse sentido, em grande maioria das decisões do Tribunal de São Paulo, tem se reconhecido que tais valores consistiriam em "investimento" ou "aplicação", e não "pecúlio" (Agravo de Instrumento n. 2140514-81.2014, Rel. Des. Israel Góes dos Anjos, j. 16.09.2014; AI n. 0228850-66.2012, Rel. Des. Jacob Valente, j. 30.01.2013; dentre outros). Em outra decisão, a Corte bandeirante entendeu que mesmo iniciado o período de benefício, tais valores "não detém caráter alimentar" (AI n. 2064769-95.2014, Rel. Des. Carlos Alberto de Salles, j. 03.06.2014). Em decisão da 30ª câmara de Direito Privado, entendeu-se que pelo decurso do tempo, tais fundos adquiririam a característica de investimento, o que os tornaria penhoráveis (AI n. 0109196-51.2013, Rel. Des. Andrade Neto, j. 23.10.13). Mas ressalva-se: há alguns entendimentos da Corte no sentido de que a rentabilidade mensal, sendo qualificável como "aposentadoria complementar" (e dependendo do seu valor), poderia ser enquadrada no rol de impenhorabilidade do artigo 649, IV do CPC (Agravo Regimental n. 0118699-33.2012, Rel. Des. Itamar Gaino, j. 17.09.2012).

O STJ tem entendido de forma diversa. Em importante decisão, os ministros revisaram entendimentos anteriores, considerando no caso tais valores (aplicados em PGBL) como impenhoráveis. Ao que se depreende, a decisão se deu à luz de elementos específicos do caso concreto (EREsp 1121719/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 2ª Seção, j. 12/02/2014), ficando ressalvada claramente a necessidade de aferição casuística. Ou seja, de fato ainda não há entendimento dominante, permeando a diversidade de decisões e a insegurança jurídica.

Em tempo: em decisão recente os ministros chancelaram o entendimento de que quaisquer valores investidos em aplicação financeira, até quarenta salários mínimos, seriam impenhoráveis (REsp 1230060/PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, j. 13/08/2014). Aqui consignamos que a decisão, que aparentemente coloca uma resolve a questão no que tange às aplicações aqui analisadas de até R$ 30 mil, pode levar, mais uma vez, a uma proteção exacerbada dos devedores, em detrimento dos direitos dos credores.

Esta situação parece ser uma realidade enraizada no nosso Judiciário. Já o Poder Legislativo, por seu turno, diante da atual oportunidade de reformular o extenso rol de bens impenhoráveis, não parece intentar fazê-lo, dado que o dispositivo que arrola os bens tidos "impenhoráveis" aparentemente será mantido no novo CPC, com pequenas alterações e sem adentrar na questão em tela, com exceção apenas em se tratando de execução de prestações alimentícias ou valores mensais superiores a cinquenta salários mínimos (vide PL 8.046/10, recentemente aprovado pelo Senado Federal e pendente de sanção presidencial). Seria de boa hora o debate e comparação entre as parcas prerrogativas dos credores-exequentes no Judiciário brasileiro e a histórica exacerbada proteção aos devedores no nosso sistema.

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*Eduardo Chulam é mestrando pela USP e sócio do escritório Chulam Advogados.

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