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O Imposto Sobre a Renda na atividade rural no contrato de arrendamento rural

Jayme da Silva Neves Neto

A preocupação do legislador com o setor rural foi tamanha, que ao disciplinar os contratos agrários, especialmente o arrendamento e a parceria rural, estabeleceu normas irrenunciáveis, diminuindo a margem da autonomia da vontade dos contratantes.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Atualizado às 13:55

O contrato de arrendamento rural é, juntamente com a parceria rural, um dos contratos agrários típicos, como prescreve o artigo 92 do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504, de 1964).

A preocupação do legislador com o setor rural foi tamanha, que ao disciplinar os contratos agrários, especialmente o arrendamento e a parceria rural, estabeleceu normas irrenunciáveis, diminuindo a margem da autonomia da vontade dos contratantes.

Assim, diferentemente do que ocorre na maioria das demais relações contratuais privadas, nos contratos agrários, há de se respeitar no contrato determinadas normas veiculadas pelo Estatuto da Terra, que dentre outras questões fixa margem mínima de prazo contratual, margem máxima de preço pelo uso da terra, etc., como se observa no texto do artigo 95 do Estatuto da Terra, que disciplina o contrato de arrendamento rural.

Esse regime jurídico criado pelo Estatuto da Terra para os contratos agrários, deve ser obrigatoriamente observado pelos pactuantes, sob pena de as cláusulas contratuais serem nulas de pleno direito e de nenhum efeito, nos termos do artigo 13, §1° da Lei n. 4.947, de 1966, que Fixa Normas de Direito Agrário, Dispõe sobre o Sistema de Organização e Funcionamento do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, e dá outras Providências, e do artigo 2°, parágrafo único, do Decreto Federal n. 59.566, de 1966, que regulamentou o Estatuto da Terra.

Assim, o proprietário do imóvel rural (arrendador) pode optar por arrendá-lo a terceiro(a), pessoa física ou jurídica, que irá explorar atividade rural em suas terras (arrendatário), devendo a avença observar os critérios legais que limitam a autonomia da vontade em diversos pontos.

Como esse(a) terceiro(a) (arrendatário), possivelmente, desenvolverá uma atividade rural nas terras arrendadas, surge à dúvida sobre qual o regime tributário de imposto sobre a renda incidirá nas rendas originadas nessa relação contratual.

A reposta a essa dúvida será obtida mediante a identificação de qual é a atividade desempenhada por cada uma das partes da relação contratual no arrendamento rural: se a atividade for considerada rural, o regime jurídico a ser aplicável será o instituído pela Lei n. 8.023, de 1990, onde há um tratamento manifestamente favorecido ao contribuinte, com a permissão, por exemplo, da opção pela base de cálculo presumida de 20% da receita bruta. Do contrário, não será esse o regime a ser aplicado, sendo o contribuinte tributado pelo regime normal, sem as benesses do regime mencionado.

Para saber qual o papel desenvolvido por cada parte no contrato de arrendamento rural, é necessário dar um passo atrás, para, primeiro, definir qual o objeto deste contrato. Saber no que consiste esse tipo de contrato agrário, e quais são suas principais características.

Como prescreve o artigo 3°, do Decreto n. 59.566, de 1966, que regulamentou o Estatuto da Terra, o arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.

Interpretando o dispositivo transcrito, podemos dizer que três são as características marcantes deste tipo de relação contratual agrária: primeiro, o fato de o objeto contratual ser a cedência onerosa de imóvel rural a terceiro que irá explorar atividade rural; segundo, o preço contratual será sempre um valor fixo (mediante certa retribuição ou aluguel), seja fixado em espécie ou em frutos; e, terceiro, até por decorrência do recebimento de um preço fixo, que independe do resultado do negócio, não há compartilhamento dos riscos do negócio entre as partes contratuais.

Desta feita, no contrato de arrendamento, duas são as partes contratuais: i) arrendador, que é àquele que cede o imóvel rural ou o aluga; e, ii) arrendatário, que é àquele que toma o imóvel rural por aluguel.

No caso do arrendador, que apenas cede imóvel rural para uso de outrem, recebendo um valor fixo por isso, é certo que este não explora nenhuma atividade rural, que é àquela consistente na extração ou exploração de qualquer tipo de vegetal ou animal, não sendo, portanto, aplicável o regime jurídico de tributação da renda especial desta atividade, previsto nas Leis 8.023, de 1990 e Lei 9.250, de 1995.

Assim, concordamos com o entendimento consolidado da doutrina2 e jurisprudência administrativa3 de que o arrendador exerce apenas uma atividade de locação de imóvel, que não consiste em atividade rural, cuja renda deve ser tributada como se fosse um aluguel comum, nos termos do artigo 49, I e II do Regulamento do Imposto Sobre a Renda (RIR/99).

Já o arrendatário, de outro lado, em tese3, exerce diretamente atividade rural no imóvel rural que tomou, sendo que por isso, ou seja, pelo fato de a atividade exercida se ajustar ao conceito de "atividade rural", deverá ser beneficiado com a tributação da renda no regime diferenciado e favorecido da Lei 8.023, de 1990.

Ademais, o artigo 13 da Lei 8.023, de 1990, é expresso ao prescrever que os arrendatários na exploração da atividade rural, comprovada a situação documentalmente, pagarão o imposto de conformidade com o disposto nesta lei.

A nosso ver, o uso do termo arrendatários pelo legislador no dispositivo legal mencionado tem duas implicações: de um lado, a de excluir os arrendadores, e, de outro, contemplar os arrendatários.

Além disso, entendemos que o dispositivo legal mencionado tenta criar uma espécie de condição para que o contribuinte goze da tributação em estudo, que é a condição de a relação contratual estar comprovada documentalmente, ou seja: segundo a norma, para pagamento do imposto nessas condições, obrigatoriamente, as relações contratuais mencionadas, devem estar formalizadas documentalmente.

A respeito disso, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) já decidiu, outrora, até mesmo que além de ser escrito, o contrato deveria ser registrado em cartório de títulos e documentos, o que, a nosso ver, sequer consta no texto do dispositivo legal4.

Não temos dúvida de que a atitude do contribuinte em formalização de um instrumento de contrato e buscar um meio de lhe dar publicidade, seja através do seu registro, seja através de um simples reconhecimento de firma, é de extrema importância prática, sendo que este documento servirá para refutar qualquer interpretação equivocada do fisco, como a hipótese de se tributar um arrendatário como se sua renda tivesse outra qualquer origem, e por isso não se aplicaria o regime jurídico tributário da atividade rural, o que elevaria consideravelmente a carga tributária.

Mas isso deve ser interpretado com a devida parcimônia. O que a norma requer, a nosso ver, é apenas uma prova documental de que àqueles contribuintes que, embora não sejam proprietários do imóvel rural, ali desenvolvem atividade rural.

Não há, no enunciado legal, qualquer menção a instrumento contratual, mas tão somente de que comprovada a situação documentalmente5.

Essa comprovação documental pode se dar de diversos modos, que não pelo instrumento contratual, como é o caso, na pecuária, de documentos que comprovem a compra dos semoventes pelo arrendatário, as respectivas notas fiscais de movimentação deste gado, e-mails trocados entre as partes contratuais demonstrando os ajustes, enfim, qualquer documento que prove a situação fática.

Válido assinar também que, como há significativa diferença entre a carga tributária aplicada ao arrendador e ao arrendatário, determinados contribuintes, não obstante imbuídos do manifesto propósito de arrendar e não exercer atividade rural, formalizam simuladamente contratos com outras denominações, em especial de parceria rural, a fim de diminuir a carga tributária do arrendador, que como vimos, não tem o direito de que sua renda seja tributada no regime da atividade rural.

Nessas hipóteses, quando não obstante a essência do que fora contratado seja de arrendamento rural, mas as partes denominam o contrato de parceria rural, há conflito entre a forma e a substância, devendo a última prevalecer, podendo o Fisco ao tomar conhecimento da fraude, desconsiderar o negócio jurídico indevidamente nominado de parceria rural, considerando-o como arrendamento rural, com a consequente autuação do contribuinte arrendador para que recolha a diferença de imposto sobre a renda a ser apurada, com as penalidades legais6.

De tal modo, no contrato de arrendamento rural, apenas o arrendatário exerce atividade rural, e terá a renda daí originada tributada pelo regime jurídico tributário diferenciado mencionado, podendo, se optar pela apuração do resultado real da atividade rural, deduzir todas as despesas e investimentos da receita bruta auferida, inclusive deduzir o gasto com o aluguel do imóvel rural.

______________

1 Sobre o assunto, discorreu Florence Haret: "O arrendamento rural é tratado pela Lei e pelo Fisco como uma espécie de "aluguel de terras", sendo previsto na Lei n° 4.504/1964 (Estatuto da Terra), em seu artigo 95. Traduz uma relação entre proprietário do bem imóvel e o agricultor ou sociedade agrícola cuja característica é a certeza do quantum da remuneração. Mediante o contrato de arrendamento, instrumentalizam-se, entre arrendador e arrendatário, prazos, formas e valores fixos pela utilização da terra na atividade rural. O arrendador não se envolve na atividade rural, sendo esta organizada e desenvolvida exclusivamente pelo arrendatário". HARET, Florence. Planejamento Tributário nos Contratos de Agronegócio. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 234, Março de 2015, p. 46.

2 Já decidiu o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF): "ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA IRPF. PARCERIA RURAL x ARRENDAMENTO RURAL. DISTINÇÃO. FORMA DE TRIBUTAÇÃO. A diferença intrínseca entre os contratos de parceira rural e de arrendamento rural é que os primeiros caracterizam-se pelo fato de o proprietário da terra assumir os riscos inerentes à exploração da atividade e partilhar os frutos ou os lucros na proporção que houver sido previamente estipulada, enquanto que nos segundos não há assunção dos riscos por parte do arrendador que recebe uma retribuição fixa pelo arrendamento das terras. O pagamento em quantidade fixa de produto, por si só, não descaracteriza o arrendamento e, muito menos, permite enquadrar o contrato como parceria rural, visto que a essência da parceria rural está no compartilhamento do risco, que deve ser comprovado documental. No caso de contrato de arrendamento, o rendimento recebido pelo proprietário dos bens rurais cedidos é tributado como se fosse um aluguel comum, enquanto que no contrato de parceria, as duas partes são tributadas como atividade rural na proporção que couber a cada uma delas". CARF, 2ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, Acórdão n. 2202-002.706, Rel. Cons. Antonio Lopo Martinez, julgado em 16 de Julho de 2014.

3 Dizemos, em tese, pois pode ocorrer de o arrendatário de um imóvel rural não explorar atividade rural no mesmo, optando por desenvolver outra atividade que não rural, como por exemplo prestar serviços de hotelaria rural.

4 Neste sentido: "IRPF. ATIVIDADE RURAL. PARCERIA. O resultado da atividade rural somente pode ser apurado separadamente na proporção dos rendimentos e despesas que couber a cada parceiro, quando essa condição for comprovada mediante contrato escrito registrado em cartório de títulos e documentos (Lei n° 8.023/90, arts. 13 e 21 c/c IN SRF 138/90, item 18). Recurso negado (Acórdão 102-42604, de 7.1.1998)". PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coordenador). Regulamento do Imposto de Renda Anotado e Comentado. 8ª Ed. São Paulo: MP Editora, 2014, p. 248.

5 E nem poderia haver, pois o Estatuto da Terra (Lei n. 4.504, de 1964), prescreve no artigo 92, §8°, que Para prova dos contratos previstos neste artigo, será permitida a produção de testemunhas. A ausência de contrato não poderá elidir a aplicação dos princípios estabelecidos neste Capítulo e nas normas regulamentares.

6 Como sustenta Florence Haret: "Haja vista as inúmeras vantagens da parceria em detrimento do arrendamento, muitos agricultores buscavam rotular seus contratos como parceria agrícola, ainda que na prática atuassem desprovidos das características materiais desse tipo contratual. A jurisprudência administrativa e judicial, de há muito, já assentou o entendimento de que o regime de tributação aplicado independe do nome do contrato mas, sim e principalmente, da essência da relação jurídica estabelecida entre as partes. Inexistindo risco e remuneração variável, não há parceria rural e, logo, é inaplicável o regime tributário mais benéfico. Enquadramentos forçados de relações outras no âmbito da normativa da parceria têm sido objeto de desconsideração do negócio jurídico pela Autoridade Administrativa com base no parágrafo único do art. 116 do CTN. HARET, Florence. Planejamento Tributário nos Contratos de Agronegócio. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 234, Março de 2015, p. 51.

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*Jayme da Silva Neves Neto é advogado, mestrando em Direito Tributário pela PUC/SP.

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