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1° de maio e a nova ordem jurídicaTrabalhista brasileira - o início de uma nova sociedade?

Faz-se necessário em nosso País debruçar sobre a evolução da economia e dos mercados para que se possa propor uma tutela eficiente e efetiva às relações de trabalho e não especificamente ao trabalhador subordinado.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Atualizado às 08:13

Muito se tem discutido sobre a proposta da reforma trabalhista e vozes respeitadas têm se levantado contra ela. Todavia, mais por questões isoladas e privadas do que com objetivo coletivo.

Tenho insistido que não se pode opinar sobre a oportunidade ou não de uma reforma, sem que se volte os olhos para questões internacionais e, principalmente para os programas da OIT sobre o trabalho decente e a globalização equitativa, ratificados pelo Brasil.

Desde a Constituição de 1988, houve a necessidade de se implementar uma reforma de fundo e estrutural nas relações de trabalho. O Brasil abriu-se definitivamente para o cenário internacional; é o principal parceiro do MERCOSUL. Na economia mundial, deixou de ser o 7° País de maior peso, passando a 9° colocação e com sérios riscos de cair ainda mais uma vez que as perspectivas para 2017 e 2018 são pessimistas em termos mundiais e não só nacionais. Sem a concretização de mudanças e a continuar com a cultura individualista, egoísta e fundada nos interesses pessoais de cada um, o País jamais conseguirá melhorar os níveis de vida e de emprego da população com a redução das desigualdades sociais.

É inconcebível tratar de uma reforma legislativa trabalhista fora do contexto econômico, social e global. Faz-se necessário em nosso País debruçar sobre a evolução da economia e dos mercados para que se possa propor uma tutela eficiente e efetiva às relações de trabalho e não especificamente ao trabalhador subordinado. O modelo celetista de trabalhador coincide com o típico proletário da sociedade do século XVIII, produto da revolução industrial; tipo subordinado e sobre o qual se pautou toda a reforma legislativa até aqui. Todavia, há vários outros tipos de relações de trabalho oriundos das mudanças sociais que encontram-se marginalizados da tutela estatal. A grande maioria pertencente a nova classe média nascida da inclusão social promovida nos últimos anos. Exemplo típico é do trabalhador intermitente, a que se refere a proposta legislativa e a outros tipos que seguem marginalizados pela lei, como os trabalhadores do UBER, caso em que já se tem quatro sentenças proferidas nas Varas do Trabalho de São Paulo e Minas Gerais: duas entendem que são empregados da empresa e as outras duas que são autônomos.

O que tem causado a crise mundial de desemprego e desigualdades sociais é a desregulamentação da economia e a hegemonia econômica e política imposta pelo neoliberalismo. São estes sistemas que financiam economia global. A conclusão é que, se quisermos uma proteção efetiva ao trabalhador e a sociedade, necessariamente, deve-se considerar em qualquer reforma o plano global a fim de se proteger, por via transversal, o mercado interno com a redução das desigualdades sociais e a proteção ao trabalhador.

A reforma aprovada pela Câmara dos Deputados, embora tenha provocada muitas críticas, certamente não é conhecida da maioria das vozes que foram às ruas e se levantaram contra ela. O Brasil tem grandes desigualdades sociais econômicas e culturais. Além disso, temos a cultura enraizada do individualismo, coronelismo e corporativismo. Temos que aprender a ser democráticos e a pensar e agir coletivamente.

A produção e as relações comerciais deixaram a zona interna para alcançar o comércio internacional. A crise da representatividade sindical está se dando nos diversos países que adotaram plenamente o princípio da liberdade sindical e que garante que a entidade não sofra qualquer ingerência do Estado.

Enquanto isso, no Brasil, um dos pontos mais rechaçados pelos sindicatos na questionada reforma, é a manutenção do imposto sindical, o que quer dizer: os sindicatos não admitem o cumprimento do princípio fundamental da OIT relativo a liberdade sindical, pois isso implicaria na ratificação da convenção 87 da OIT a qual garante a absoluta ausência de ingerência do Estado na vida sindical. Mas, para ratificá-la há uma contrapartida: é necessário que se garanta, de verdade, o direito do trabalhador se associar ao sindicato que entende que legitimamente o representa. Isto significa a morte do sindicato por categoria, fim da pluralidade sindical e a contribuição sindical obrigatória.

O sistema sindical brasileiro mostra-se inadequado e insuficiente para os novos tempos e insustentável diante das necessidades dos próprios trabalhadores. Resulta ainda, na peculiaridade de que a crise sindical nacional se dá intrinsicamente, isto é, "de dentro para fora" e não de "fora para dentro". Some-se a isso o perverso ingrediente de que já vem sofrendo os impactos dos movimentos internacionais, sociais e econômicos, para os quais os sindicatos não estão preparados.

É evidente que o trabalhador gostaria de ver melhoradas suas condições de vida e trabalho. Mas como viabilizar isso se a maioria dos convênios coletivos que hoje vigoram garante tão somente, ou pouco mais, do que aquilo que já prevê a CLT? Por outras palavras, nossos sindicatos terão que aprender a negociar em parâmetros muito mais extensos e detalhados do que fizeram até hoje; terão que efetivamente aprender a representar o interesse do grupo de trabalhadores que se propõe a defender. Haverá a necessidade de entenderem que as greves são um meio legítimo de pressão, mas que perdem sua legitimidade a partir do momento que descumprem a necessidade de manter o funcionamento mínimo dos serviços essenciais à população ou que violem decisões judiciais enfraquecendo a aparente segurança jurídica que o Judiciário pode conferir a população.

Os sindicatos brasileiros devem entender as crises de representatividade e criar formas alternativas, como vem fazendo todos os sindicatos de países com economias fortes, como Alemanha, Inglaterra e França, que se alinham ao movimento das entidades supranacionais, situação esta que muitos desconhecem existir e que representam o objetivo dos organismos internacionais: para problemas globais e necessário soluções do mesmo padrão.

Outro ponto importante da reforma proposta é a determinação de que o Judiciário não poderá criar leis. Parece um paradoxo ter que legislar em termos infraconstitucionais sobre tal tema. Todavia, isso é necessário em razão de várias decisões que chocam, seja pelo elemento surpresa, seja pela absoluta insegurança jurídica que causa. Há que se reconhecer que vários pontos propostos na reforma regulam situações jurídicas que estão sendo discutidas no Judiciário trabalhista e são decididas de diversos modos e até de forma contrária a previsão legal sob o fundamento de proteção ao trabalhador. Há súmulas oriundas do Tribunal Superior do Trabalho que acabam por causar uma verdadeira discriminação na busca do pleno emprego e no princípio Constitucional da liberdade de emprego e ocupação.

Cito dois exemplos: Súmula 342 que dispõe ser inválida a cláusula normativa relativa a redução do intervalo para refeição e descanso, mas considera válida a mesma determinação se estabelecia pelo Ministério do Trabalho. Se o entendimento é que de não se pode negociar cláusula que o TST entende indisponível por referir-se a saúde e segurança do trabalhador, porque o seria se determinado pelo Ministério do Trabalho? O órgão estatal teria mais legitimidade que os sindicatos?

Outro caso é da Súmula 244 do TST que trata da garantia de emprego à gestante nos contratos firmados por prazo determinado. Se o contrato é por termo certo e já se sabe de antemão quando inicia e quando termina, como explicar a estabilidade no emprego da gestante? É um contrassenso com o próprio instituto que acaba por causar uma discriminação na contratação de mulheres.

E o que dizer das várias ações individuais em que não se respeito as normas negociadas em acordos e convenções coletivas ou proferidas em sentenças normativas.

Portanto, a reforme proposta não vem somente para modernizar as relações do trabalho como se está tentando dizer. O estudo do que foi aprovado na Câmara tenta resolver uma questão muito mais complexa e profunda: a segurança jurídica e o fim de abusos que são cometidos em pelas instituições, sob diversos aspectos e fundamentos. Várias audiências públicas e discussões foram realizadas naquela casa, abrindo-se espaço para todas as opiniões e manifestações, pós e contra reformas.

Antes de se fazer tantas críticas e movimentos sociais, está a necessidade de se conhecer a realidade das relações do trabalho em concreto e como se dão no Brasil. É chegada a hora de colocar um fim no estrabismo e de, efetivamente, garantir segurança jurídica ao trabalhador e ao empregador. Permitir a inclusão de vários trabalhadores que estão marginalizados e são ignorados pelo sistema jurídico (autônomos, semi-dependentes, domésticos diaristas, trabalhadores com altos salários, expatriados, empregados diretores de empresas entre outros).

Há que considerar que não iniciamos a reforma das relações dentro dos vários segmentos públicos entre eles o Judiciário, onde o corporativismo e as relações de poder são profundas, vivendo à sombra contida dos sofrimentos dos diversos graus de servidores, inibidas pela administração dos senhores de casa grande e senzala. Quiçá o início desta nova era nacional possa servir para uma verdadeira passagem do Brasil para um momento mais democrático e o final da era dos benefícios injustificados e de uma luta pelo objetivo do bem comum e do final das desigualdades sociais.

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*Thereza Christina Nahas é professora, Doutora em Direito Internacional e em Direito do Trabalho, autora de Reflexões sobre o Capital Globalizado nas Relações de Trabalho-especial referência a União Europeia e Mercosul e Juiza do Trabalho.

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