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O confisco do dinheiro dos jurisdicionados e dos advogados do Estado de Minas Gerais através da lei Estadual 21.720/15

A Ouvidoria do Alvará criada pela OAB/MG, no mês de março, em menos de 20 (vinte) dias, reuniu mais de 700 denúncias de alvarás não pagos totalizando aproximadamente 11,5 milhões de reais.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Atualizado às 07:28

No Estado de Minas Gerais, está-se diante de uma situação antijurídica sem precedentes, em que os protagonistas desse disparate se digladiam entre si, como se ninguém fosse responsável pela apropriação indevida dos valores pertencentes ao jurisdicionado e aos advogados, depositados nas contas judiciais junto ao Tribunal de Justiça do Estado.

A
lei Estadual 21.720/15, de autoria conjunta do governador Fernando Pimentel e do TJ/MG, destinou valores relativos a depósitos judiciais vinculados ao TJ do Estado de Minas Gerais, para conta específica do Poder Executivo desse Estado, o qual poderia dispor de tais importâncias para custeio da previdência social, pagamento de precatórios, despesas com assistência judiciária e amortização de dívida para com a União.

Ao se ater ao art. 1º, § 4º, da lei 21.720/15, se vê bem que os depósitos a serem levantados devem ser garantidos pelo fundo de reserva ali previsto, constituído, no primeiro ano, por 25% do montante de depósitos judiciais, e, nos anos seguintes, 30%.

Assim, o Estado de Minas Gerais se apossou de 75% dos depósitos judiciais, ou seja, cerca de 8 bilhões de reais advindos dos processos mineiros, sendo que aproximadamente 6,5 bilhões são de ações que envolvem apenas particulares1.

Sabe-se que os depósitos judiciais têm por característica intrínseca a garantia, conferida ao depositante, de dispor, imediatamente, do valor depositado, desde que autorizado pelo Juízo competente para o processamento e julgamento da respectiva demanda, nos termos do artigo 1058 do
CPC/15 (artigo 1219 do CPC/73).

E não poderia ser diferente considerando que o contrato de depósito tem como principal escopo a guarda da coisa alheia, se aperfeiçoando com a entrega desta a quem de direito, quando lhe for exigido o aludido bem.

A apropriação desses depósitos, que não pertencem ao TJ do Estado e muito menos ao Estado de Minas Gerais, caracteriza, sem sobra de dúvidas, verdadeiro confisco e infringem o direito de propriedade dos titulares dos valores depositados, passível de ressarcimento e reparação.

O TJ/MG tem dever de custódia frente a todos os depósitos judiciais realizados - não se pode negar tal fato. Não poderia e não pode praticar qualquer ato de disposição desses valores, muito menos "emprestar", via "termo de compromisso", para custear despesas públicas.

Outra questão importante é que a própria lei reconhece a possibilidade de oscilações no saldo do fundo, nos termos do artigo 4º, § 1º, incisos I a III, considerando que prevê a recomposição do saldo do fundo pelo Tesouro Estadual, ou seja, reconhece, implicitamente, a possibilidade de que não haja valores depositados para saldar o devido....o que é inadmissível em um contrato de depósito!!

E mais: a lei possui nuances de puerilidade, ao prever que o Tesouro Estadual recomporá o fundo quando não atingir os percentuais legais, bem como o TJ/MG comunicará ao Poder Executivo caso esse fundo de reserva não seja suficiente para pagamento dos depósitos judiciais...

Ora, é uma autêntica tragédia anunciada, pois se sabe, e muito bem, a real condição financeira das unidades federativas desse país!!!!

Tudo como dantes no quartel de Abrantes!

Como não recordar aqueles dias, há trinta anos, em que todo o Brasil acordou e se deparou com a torpe realidade de que, por dezoito meses, o Estado bloquearia todos os suados valores que excedessem 50 mil cruzados novos, depositados na nossa Caderneta de Poupança (todo brasileiro era titular de uma), para depois devolver em "suaves prestações".

E aí o advogado, ao explicar a situação ao seu cliente/autor, vencedor da demanda, tendo em mãos o respectivo alvará judicial:

- Sabe aquele depósito que o Réu realizou e informei ao Senhor que ficasse tranquilo, pois o dinheiro que lhe pertencia de direito se encontrava seguro, depositado em juízo? Sabe o que aconteceu com ele? Sumiu...ninguém sabe...ninguém viu...

Quem vai indenizar o jurisdicionado que deixou de realizar algum negócio jurídico por causa da ausência de pagamento do alvará judicial?

E aquele que contraiu empréstimo sabendo que se avizinhava o fato de que, enfim, após anos e anos, iria receber o que lhe cabia de direito?

Valores de aluguéis, ressarcimento de danos materiais, reparação de danos morais, créditos devidos em razão de descumprimento de obrigação (inclusive alimentar), honorários de sucumbência... Tudo pertencente a quem? Ao particular, que tem direito a receber de imediato o que lhe cabe de direito.

A título de ilustração, no que tange à situação alarmante dos jurisdicionados no Estado de Minas Gerais, a Ouvidoria do Alvará criada pela OAB/MG, no mês de março, em menos de 20 (vinte) dias, reuniu mais de
700 denúncias de alvarás não pagos totalizando aproximadamente 11,5 milhões de reais.

E isso é apenas a ponta do iceberg...

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1
Deputados em MG entram com representação contra lei sobre depósitos judiciais.

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*Ana Cláudia Gomes é sócia da Ney Campos Advogados.


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