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Negociar moeda estrangeira com conhecimento de fato privilegiado é crime financeiro

Como moeda estrangeira não está prevista taxativamente como valor imobiliário na lei 6.385, de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários, existem interpretações restritivas que entendem não ter havido delito.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Atualizado às 09:05

A JBS, maior produtora de carnes do mundo, comprou uma quantidade anormal de dólares americanos, segundo o jornal O Globo, na véspera do anúncio da delação premiada de seu CEO contra o atual presidente da república, Michel Temer, e o Senador Aécio Neves, lucrando mais de 10% com a valorização da moeda estrangeira em somente uma tarde.

Como moeda estrangeira não está prevista taxativamente como valor imobiliário na lei 6.385, de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários, existem interpretações restritivas que entendem não ter havido delito.

Contudo, o artigo 2º traz em seu inciso VIII traz um critério residual do conceito de valor mobiliário quando inclui "outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes" e para tanto é importante entender que contratos derivativos são Instrumentos financeiros cujo preço de mercado deriva (daí o nome) do preço de mercado de um bem ou de outro instrumento financeiro.

Esse critério residual, incorporado pela lei
10.303 de 2001, foi uma das muitas alterações que visou atualizar o mercado acionário e a legislação societária no Brasil, prevendo, justamente, que o Mercado de Valores Mobiliários necessita sim estar atento a novos comportamentos fraudulentos que visam o desequilíbrio artificial do mercado, a fim de obter lucro de maneira indevida.

Ora, a aquisição de uma quantidade significativa de ativos financeiros com flutuação constante, grande volatilidade e alta sensibilidade à fatores políticos é por definição conceitual, crime financeiro, tal qual definido na lei 7.492/86, que equipara à instituição financeira pessoas jurídicas ("JBS") que capte ("compre") ou administre câmbio ("dólares americanos"), ainda que de maneira acessória e eventual.

A conjunção de ambas leis, 6.385/76 e 7.249/86 resulta em um entendimento sistêmico e teleológico de crime financeiro praticado de maneira premeditada e dolosa, cabendo ao Ministério Público Federal proceder com a promoção da ação penal pública, com assistência da Comissão de Valores Mobiliários.

Não obstante o entendimento claro da aplicação de leis específicas, o mesmo resultado pode ser alcançado pela aplicação do Código Civil vigente pela aplicação do seu artigo 884, que define que aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. E a ausência da justa causa, vem, novamente, da legislação de mercado de capitais, através do instituto do Insider Trading, vez que o artigo 27-D da lei 6.385 define como crime o uso indevido de informação privilegiada "utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários".

Desnecessário se aprofundar na vantagem obtida pela empresa em questão, lembrando de passagem que as negociações realizadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque envolvendo o setor aéreo às vésperas do ataque de 11 de Setembro também foram considerados irregulares pela SEC, o órgão que desempenha as funções da CVM nos Estados Unidos.

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*Benedito Villela é gestor Jurídico, professor, palestrante e sócio de SRC Advogados.

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