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A tutela do consumidor em face à aplicação da Convenção de Montreal

Natália Brotto e Kamila Okonski Mariano

Em decisão recente do STF, foi colocada em voga a utilização das regras de regulação do DIPr em casos de transporte aéreo internacional, que segundo entendimento do Supremo devem ser regulados de acordo com as regras da Convenção de Montreal.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Atualizado às 08:40

Apesar da infinidade de leis e mandamentos jurídicos que nosso Estado possui, a cada ano mais normas integram o ordenamento jurídico, de forma a acompanhar a complexificação das relações que compõe a nossa sociedade. Diante de tantas normas, o aplicador do direito se encontra muitas vezes diante de casos concretos que se subordinam a mais de um mandamento, de forma a ser necessária a utilização de diversas técnicas do direito moderno para a verificação de qual lei será aplicada.

Quando o caso concreto envolve situações fáticas que são normatizadas pelo Direito Internacional Privado, a aplicação da norma se torna ainda mais complexa. Em decisão recente do STF1, foi colocada em voga a utilização das regras de regulação do DIPr em casos de transporte aéreo internacional, que segundo entendimento do Supremo devem ser regulados de acordo com as regras da Convenção de Montreal.

A problemática da decisão se encontra no fato de que a Convenção em seu texto permite ao consumidor o ressarcimento referente aos danos patrimoniais sofridos em uma relação de consumo de transporte aéreo internacional, mas não possibilita o pedido de danos morais, bem como veda a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a tais casos, posição que causa de forma evidente danos ao polo mais vulnerável da relação - o consumidor.

A Corte baseou seu posicionamento em uma interpretação extensiva do art. 178 da Constituição, que postula:

"A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade."

Observar os Tratados Internacionais, não significa aplicá-los sem a devida cautela. Em uma pluralidade de normas que podem abranger um único caso, é necessário modernizar a aplicação legislativa e buscar, assim como diversos países do mundo, a integração do sistema, de forma que observar a Convenção não significa a não aplicação do CDC, mas sim a conversação entre os dois textos legais e a eleição de qual é a mais aplicável ao caso concreto.

A necessidade da revisão de posicionamento se encontra na própria Carta Magna, tendo em vista que os esforços internacionais para a efetiva proteção do consumidor, elo mais vulnerável da economia, culminaram na disposição do art. 5°, inciso XXXII da CF: "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". Tal norma Constitucional é classificada tanto na doutrina quanto em decisões anteriores da Suprema Corte2, como clausula pétrea, não podendo ser alterada pelo legislador, muito menos pelo Judiciário.

Verifica-se que a Convenção, enquanto Tratado Internacional que não trata sobre Direitos Humanos, subordina-se a norma Constitucional supracitada, o que evidencia a imprecisão da Corte no tratamento do tema, que com a decisão passou a privilegiar de forma discrepante as empresas fornecedoras de transporte aéreo internacional, que são alvo de milhares de reclamações e ações anualmente por falhas na prestação de serviços.

Tal decisão configura, portanto, um retrocesso nas conquistas que foram alcançadas pelo consumidor nas ultimas décadas, tendo em vista que até mesmo o principio da aplicação da norma mais favorável seria afastado nestes casos, gerando onerosidade excessiva ao polo mais vulnerável da relação de consumo.

É necessário, portanto, para a modernização do direito em todas suas esferas, decisões que prezem pelo dialogo entre normas divergentes, de forma a não comprometer a unidade do sistema jurídico brasileiro, e proporcionar segurança jurídica aos polos de uma relação, principalmente em se tratando de relações de consumo que compõe papel central no desenvolvimento econômico do país.

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1. RE 636.311 e AgRE 766.618.

2. HC 90.450/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO

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GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. "Tratados Internacionais: valor legal, supralegal, constitucional ou supraconstitucional?". (Revista de Direito, Vol. XII, N°15, Ano 2009). São Paulo: Anhanguera S.A

RAMOS, Fabiana D'Andressa. Normas de transporte aéreo devem favorecer vulneráveis, 2017.

MARQUES, Claudia Lima; SQUEFF, Tatiana de A.F.R. Cardoso. As regras da Convenção de Montreal e o necessário diálogo das fontes com o CDC, 2017.

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*Natália Brotto é advogada com atuação nas áreas de direito Cível, Empresarial, Contratual e sócia fundadora do escritório Brotto Advogados.

*Kamila Okonski Mariano é colaboradora do escritório Brotto Advogados.

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