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A necessidade de atuação efetiva dos credores no processo de recuperação judicial

Os credores devem estar atentos às tentativas de imposição de percentuais abusivos de deságios, prazos de carência elásticos demais e parcelamentos extremamente longos no plano de recuperação judicial.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Atualizado às 07:51

Em momentos de crise, como os atualmente vividos pela economia brasileira, o número de pedidos de recuperação judicial cresce de forma expressiva, muitas vezes porque o empresário, acuado pelas ocorrências naturais dos períodos de recessão econômica (redução do faturamento, crédito caro e de difícil acesso etc.), vislumbra nessa medida a derradeira chance de salvamento de sua atividade empresarial.

Ocorre que, há pedidos de recuperação judicial que escondem propósitos duvidosos dos devedores, razão pela qual a atuação efetiva dos credores nos processos mostra-se imprescindível para que tal instituto não seja desvirtuado e os prejudique, mas sim que cumpra seu papel, de manutenção da atividade empresarial, sem perder de vista a proteção dos credores.

A recuperação judicial de empresas, atualmente regida pela lei 11.101/05, tem como principal objetivo promover a reorganização da empresa em dificuldade econômico-financeira, com vistas ao princípio da sua preservação, entendida como uma atividade social geradora de riquezas, empregos, arrecadação fiscal e outros.

Em relação à lei anterior, o instituto da recuperação judicial representou uma grande flexibilização dos mecanismos para a busca de soluções de mercado destinadas à efetiva recuperação da empresa, especialmente pela possibilidade de ampla negociação entre a empresa em crise e seus credores.

A ideia inicial era que tal flexibilização favorecesse os credores, já que na lei anterior estes eram relegados a meros expectadores do processo falimentar e concordatário.

Com o advento da lei de recuperação judicial, possibilitou-se significativo incremento não só de acesso ao processo pelos credores, como também no poder de negociar e tomar decisões, especialmente quando reunidos em comitê, com poder de voto, fiscalização e decisão no desenrolar do processo de recuperação da empresa devedora.

Entretanto, o instituto da recuperação judicial vem sendo utilizado ocasionalmente de forma desvirtuada, o que tem gerado consequências preocupantes, que precisam ser combatidas, sob pena de levar o instituto ao descrédito total.

Neste ponto, a atuação dos advogados dos credores torna-se imprescindível para a fiscalização e o controle do processo de recuperação judicial, a fim de evitar-se fraudes que resultem em prejuízo não só para os credores, mas para a sociedade como um todo.

A análise minuciosa do pedido de recuperação judicial, em especial da relação de credores e classificação dos créditos, mostra-se fundamental para a detecção de eventuais fraudes. Não raro, identificam-se lançamentos de créditos duvidosos no rol de credores, com objetivo apenas de formar maioria em determinadas classes de credores. Há casos em que foi detectada a inserção de créditos fictícios, especialmente nas classes de credores trabalhistas e de microempresas ou empresas de pequeno porte, com o objetivo de facilitar a aprovação do plano de recuperação judicial.

Portanto, os credores devem estar atentos a tais manobras. A consulta ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego (CAGED/MTE) é uma ferramenta muito útil para avaliação da veracidade dos créditos trabalhistas apresentados pela empresa devedora.

Além disso, é possível obter, por meio do administrador judicial, todas as informações e documentos representativos dos créditos lançados no rol apresentado pelo devedor. A análise dessas informações e documentos, assim como a realização de perícias e auditorias são ferramentas importantes para a aferição da lisura da relação de credores.

Outro ponto de suma importância é a análise dos aspectos contábeis da empresa devedora, com enfoque no período que antecedeu o pedido de recuperação judicial, a fim de averiguar-se a existência ou não de movimentação operacional e/ou financeira incompatível com o seu histórico. Tais movimentações atípicas podem revelar indícios de endividamento temerário e o intuito de prejudicar credores.

Sem dúvida, a adoção de tais medidas pelos credores, além de facilitar a defesa dos seus créditos, irá contribuir para o uso racional do instituto da recuperação judicial, bem como seu fortalecimento e maior credibilidade.

Superada essa fase, os credores devem fazer judiciosa análise do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor. Não se pode perder de vista que o princípio da manutenção da atividade empresarial deve caminhar ao lado da preservação do interesse dos credores, de forma que o plano apresentado não pode se mostrar simplesmente como uma mera renegociação de dívidas.

Os credores devem estar atentos às tentativas de imposição de percentuais abusivos de deságios, prazos de carência elásticos demais e parcelamentos extremamente longos no plano de recuperação judicial. Neste ponto, a análise contábil do plano apresentado se mostra, mais uma vez, essencial para a averiguação da sua viabilidade e sustentação.

O plano de recuperação é um dos pontos nevrálgicos do processo de recuperação judicial, justamente porque é nele que o devedor indica como pretende alcançar o objetivo da lei e por meio de quais instrumentos isso será efetivado. O plano deve ser consistente e pautar-se na probidade e boa-fé, refletindo a seriedade do empresário-devedor; o devedor deve demonstrar que os sacrifícios que pretende impor aos seus credores irão atingi-lo da mesma forma, sem o que a recuperação judicial não se justifica.

Não se pode negar a evidente função social da empresa, que no desenvolvimento de sua atividade produz riquezas, gera empregos, paga tributos e contribui para o desenvolvimento da sociedade. Da mesma forma, é inegável o interesse social na manutenção da atividade empresarial daqueles que, sem culpa ou dolo, se veem em situação difícil. Nesse contexto, e com a mesma importância, a empresa deve pagar seus credores, já que estes confiaram nela e contribuíram com seu desenvolvimento.

Assim, o plano de recuperação judicial não pode ser temerário, nem impor sacrifícios em demasia para os credores. Deságios excessivos, prazos de carência demasiadamente extensos e parcelamentos longos revelam-se extremamente gravosos aos credores e devem ser combatidos com veemência. O plano deve conter a demonstração da gravidade da situação econômico-financeira do devedor a ponto de justificar a proposta apresentada.

Avaliado o plano, a atuação dos credores deve prosseguir na assembleia de credores, contemplando a fiscalização e controle da atuação do administrador judicial, com ênfase aos aspectos formais, tais como a verificação da presença dos credores, exame da documentação dos representantes legais das pessoas jurídicas, poderes outorgados pelos credores para os eventuais procuradores, se o procurador representa mais de um credor, apuração do quórum, quais credores tem direito a voto, quais estão impedidos de votar. Todos esses aspectos são importantes porque podem impactar no resultado da aprovação ou não do plano apresentado pelo devedor.

Em todo o processo de recuperação judicial, há necessidade de que os credores atuem de forma articulada, quer sejam da mesma classe ou não, defendendo não só seus interesses individuais, como também os interesses conjuntos, evitando a imposição, pelo devedor, de um plano gravoso demais aos credores.

Uma vez aprovado o plano, não podem os credores se descuidar da fiscalização e controle, agora, quanto ao cumprimento do que foi deliberado na assembleia. Cada vez mais se vê credores criarem grupos de trabalho multidisciplinares com objetivo de acompanhar o cumprimento dos planos de recuperação judicial, o que se mostra salutar.

Não se pode esquecer que, dada à situação da empresa devedora, esta deve facilitar ao máximo o acesso dos credores às informações relativas ao andamento do plano de recuperação judicial, até mesmo por uma questão de transparência. A falta do diálogo com os credores normalmente torna todo o processo de reestruturação da empresa em crise mais difícil. A aproximação entre devedor e credores, além de reforçar a confiança destes últimos, facilita a solução do impasse. O mínimo que se espera de uma empresa em recuperação judicial é que a mesma se conduza de maneira transparente no processo.

Certamente o instituto da recuperação judicial pode funcionar como importante alternativa para a solução da crise empresarial. Entretanto, o uso indevido e até mesmo fraudulento desse importante instituto deve ser fortemente combatido, já que a credibilidade da recuperação judicial interessa às empresas em crise, à sociedade e aos credores. E justamente os credores tem um papel importantíssimo na fiscalização e controle do uso desse instituto.

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*Ussiel Tavares da Silva Filho é advogado e sócio da Tavares, Morgado, Furlan, Pires, Wahlbrink e Romani Advogados Associados e coordenador do Núcleo de Estudos de Defesa dos Direitos dos Credores nas Recuperações Judiciais.

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