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O que a OAB e os advogados dizem ao Brasil?

Neste momento em que os advogados e advogadas brasileiros estão sendo chamados a escolher seus "novos" dirigentes, talvez estas questões, junto com outras mais fundamentais, pudessem entrar na ordem do dia e com elas a advocacia possa reafirmar seu compromisso com o Brasil demonstrando, mais uma vez, porque somos indispensáveis à administração da Justiça.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Atualizado em 27 de setembro de 2019 17:24

Sou advogado desde meados dos anos 80. Tive o privilégio de vivenciar as grandes lutas democráticas pelo retorno ao Estado de Direito, pelas Diretas Já, por justiça social, e tantas outras, nas quais se destacavam as advogadas e os advogados. À frente estava a Ordem apontando o caminho. Por isto sempre tive muito orgulho de pertencer aos quadros da OAB.

Um dos maiores legados daquele período foi a Constituição de 88. Conquistada esta, o passo seguinte foi na direção da consolidação, no dia a dia, nas mais diversas frentes e em todos os rincões do país, dos direitos e garantias nela previstos, procurando, dentro de nossa realidade, "pôr as condições para uma mais ampla e escrupulosa realização dos direitos proclamados"1. Foi natural que neste processo também nos voltássemos para as questões internas.

Mas no mesmo período também aconteceu, em escala mundial, o processo de competição globalizada no qual o motor da história deixou de estar associado a ideais superiores visando interferir em nosso destino para dirigi-lo rumo ao melhor, restando apenas a competição pela competição, desprovida de qualquer propósito. Junto sobreveio a sociedade de mercado na qual as relações sociais são formatadas à imagem do mercado, que permeia cada aspecto da atividade humana.

Portanto, não é sem motivo que cada vez mais é direito é considerado uma "tecnociência", i. é, uma ciência frequentemente mais preocupada com os resultados concretos, econômicos e comerciais do que com questões fundamentais. É a tecnociência que produz os sensacionais "operadores do direito".

De outro lado ao voltarmo-nos para questões internas, na minha visão outsider, ocorreu uma verticalização e burocratização da Ordem que contribuiu para o seu apequenamento e o de nossa profissão.

As questões interna corporis centraram-se sobretudo na defesa das prerrogativas. A estas dá-se tal relevância na corporação que hoje até mesmo faz parte do programa (se não for todo o programa) de algumas chapas que disputam eleições na ordem. Embora a defesa de prerrogativas seja de fato importante a ponto de, por vezes e em certo sentido implicar na defesa da ordem democrática e/ou do Estado de Direito, não deve ser objeto de "programa de governo". Ela é dever de todos os advogados, é da essência ou ínsito a qualquer órgão de classe que se preze.

Nos apequenamos também com a verticalização da Ordem. O excesso de burocracia, a remessa às comissões (que muitas vezes fazem a função de verdadeiros lobby), afastam a participação dos advogados e das advogadas nas definições dos rumos e das lutas, que ficam restritas aos grupos mandatários e seus satélites.

Se estou certo na minha percepção, o antídoto contra a competição globalizada, contra a verticalização e a burocracia na Ordem seria o chamamento dos advogados e advogadas à efetiva participação em grandes discussões a respeito dos rumos e das lutas políticas e sociais da instituição e do país.

O professor da Harvard Michael J. Sandel lembra que Jean-Jacques Rousseau já apontava este caminho ao expressar em seu Contrato Social que "Numa cidade bem organizada, todo homem acorre às assembleias." Sob um mau governo, ninguém participa da vida pública, "porque ninguém está interessado no que acontece nela" e, as "preocupações domésticas concentram toda a atenção." A virtude cívica não é desgastada, mas intensificada, pelo exercício zeloso da cidadania."2

Neste sentido creio que uma grande discussão nacional acerca dos critérios para indicação, escolha e impeachment dos membros das Cortes Superiores e para o quinto constitucional poderia ser encampada pela OAB e pelos advogados(as) junto a sociedade.

Hoje a população percebe e sente claramente o quanto as questões judiciais interferem e fazem parte do seu dia a dia. Não poucas vezes ficamos todos estarrecidos e pessoalmente envergonhados com o baixo nível de algumas discussões travadas em nossa Corte Suprema e que, por vezes, desandam em acusações e ataques pessoais como é de conhecimento público. Diante disso, chegamos mesmo a nos perguntar se alguns de seus componentes têm a estatura moral e a reputação ilibada que se exige para tão alta magistratura e para decidir sobre questões que afetam ao país e a nós de forma tão visceral.

Na esteira dessa discussão vem a do quinto. São bem conhecidas as interferências partidárias e as indigestas brigas internas para a indicação dos candidatos, com resultados fatais para a unidade e a independência da corporação. Ora, a composição do quinto exige maior, se não total, comprometimento com a sociedade que ao fim e ao cabo será diretamente atingida pelas decisões dos escolhidos e bem por isso deveria ser ouvida acerca dos critérios de indicação e escolha daqueles a quem será conferido o poder de dizer o direito para esta mesma sociedade.

Neste momento em que os advogados e advogadas brasileiros estão sendo chamados a escolher seus "novos" dirigentes, talvez estas questões, junto com outras mais fundamentais, pudessem entrar na ordem do dia e com elas a advocacia possa reafirmar seu compromisso com o Brasil demonstrando, mais uma vez, porque somos indispensáveis à administração da Justiça.

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1 Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos, Ed. Campus, 2004, p. 43.

 

2 Sandel, Michael J. O que o Dinheiro Não Compra, Civ. Brasileira, 2.017, p. 127.

 

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*Emilson R. Ribeiro é advogado em Florianópolis.

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