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Patrimônio virtual

César Moreno e Ana Lúcia Tolentino

Apesar da legislação pátria ainda não estar na mesma velocidade das tecnologias e inovações virtuais, temos de nos adaptar e respeitar as regras e às leis atuais, para chegar ao fim pretendido. Saber utilizar as ferramentas e mecanismos jurídicos é fundamental para proteger um patrimônio valioso e garantir que fortunas virtuais não se percam.

sexta-feira, 1 de março de 2019

Atualizado em 27 de fevereiro de 2019 15:07

Proprietários de vibrantes perfis de diversas redes sociais, como Instagram, Twitter, Facebook, Tumblr, canais do YouTube, carteiras de criptomoedas, milhas, "tokens", canais de recursos utilizados em games, dentre outros acervos digitais, já estão se preocupando em como garantir o seu legado. Demorou, mas os acervos digitais começam a ser encarados como patrimônio e, portanto, precisam ser protegidos.

Se o acervo digital assume status de patrimônio, o caminho natural seria tratá-lo como um bem de valor. Mas como fazer isso? Um tema que vem ganhando espaço no mundo jurídico são os testamentos de bens digitais. Essa discussão é um reflexo do tempo em que vivemos, no qual expressiva parcela da população tem uma vida online, o que não era realidade há alguns anos.

Muitas redes sociais já analisam o que fazer no caso de falecimento do usuário. Essa preocupação motivou a criação de ferramentas para que o usuário indique a pessoa que poderá ter acesso a sua conta em caso de falecimento. Mas é preciso pensar além. As perguntas que surgem são: Quem poderá acessar essas mídias? Como acessá-las? E se tiver valor monetário, para quem ficará? Essas são apenas algumas perguntas que muitos proprietários de bens digitais devem começar a se fazer, pois o patrimônio virtual só tende a aumentar e poderá se perder, caso não seja tratado como um bem de fato.

Há cinco anos, essa discussão ganhou repercussão depois que a professora Karen Willians abriu uma ação judicial contra o Facebook para manter o perfil de seu filho, Loren, no ar, após sua morte prematura, aos 22 anos. A questão do patrimônio digital tende a estar relacionada ao falecimento de pessoas mais jovens, por ser esse o público mais voltado à utilização dessas tecnologias.

O patrimônio digital do usuário muitas vezes não é conhecido por sua família ou, mesmo que seja conhecido, pode ser que o desejo do proprietário dos bens digitais seja deixá-los apenas para uma pessoa específica ao invés dos seus parentes mais próximos. Por esse e outros motivos, a elaboração de um testamento pode ser uma boa alternativa. No Brasil, existem dois tipos de testamentos que podem ser usados para esses casos.

Um deles é o testamento particular. É indicado se o testador - em outras palavras, o dono do testamento - tiver parentes ou amigos de muita confiança, pois a única exigência deste modelo é que deve ele ser lido e assinado na presença de ao menos três testemunhas, que o devem subscrever, dispensando a presença de um tabelião.

Outra opção é o testamento cerrado, ideal para senhas secretas e conteúdos que não devem ser revelados em vida. Isso porque é escrito diretamente pelo testador ou por outra pessoa a seu rogo, desde que assinado em todas as páginas pelo testador e submetido à aprovação do tabelião na presença de duas testemunhas.

Analisar o tipo de patrimônio virtual em questão é o primeiro passo para identificar o melhor tipo de testamento. O segundo passo é garantir a transmissão dos bens digitais a quem de desejo e, por fim, é necessário manter a privacidade e a segurança das informações colocadas em testamento pelo testador.

Pensar no destino do espólio digital é uma necessidade, principalmente para aqueles que obtêm renda a partir de trabalho no meio digital, como é o caso dos youtubers, figuras públicas que criam conteúdo em vídeo para a internet e que, em alguns casos, vivem apenas dos lucros obtidos por esse trabalho.

Atualmente, o YouTube paga pelas visualizações dos vídeos postados, desde que sejam cumpridas algumas regras. Ao definir o destino de suas contas, o testador define quem ficará com os lucros dos seus vídeos. Ele pode até mesmo definir quais vídeos, imagens e fotos poderão ser publicados após o seu falecimento, se assim desejar. Por se tratar de um repositório de memórias, a família tem a possibilidade de fazer uma cópia dos vídeos. Porém, o direito autoral sobre a produção do canal sem dúvida permanecerá com os herdeiros.

O Legislativo brasileiro também começa a se atentar para o tema, ainda que com morosidade. Há em tramitação no Senado o projeto de lei 4.099/12, que pretende alterar o art. 1.788 do Código Civil para incluir os conteúdos de contas ou arquivos digitais do falecido na relação dos bens que serão passados aos herdeiros. O problema está no direito à privacidade do dono dos bens, na medida em que pode haver conteúdos que ele não queira que sejam compartilhados com sua família.

Apesar da legislação pátria ainda não estar na mesma velocidade das tecnologias e inovações virtuais, temos de nos adaptar e respeitar as regras e às leis atuais, para chegar ao fim pretendido. Saber utilizar as ferramentas e mecanismos jurídicos é fundamental para proteger um patrimônio valioso e garantir que fortunas virtuais não se percam.

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*César Moreno é advogado do escritório Braga & Moreno Consultores e Advogados.

*Ana Lúcia Tolentino é advogada do escritório Braga & Moreno Consultores e Advogados.

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