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Prisão preventiva e a pseudotutela do futuro

Infelizmente, a despeito de sua evidente inconstitucionalidade, a pseudotutela do futuro para fundamentar a prisão preventiva ainda continuará sendo muito utilizada pelos tribunais de nosso Brasil.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Atualizado em 28 de agosto de 2019 13:34

Em minha ainda curta carreira de advogado criminalista, tenho me deparado com juízes e desembargadores que possuem quase que uma compulsão obsessiva para com a prisão preventiva.

Em um dos casos que tenho trabalhado, apesar da ré ser estudante de psicologia (com apenas duas faltas no último semestre cursado), possuir endereço fixo, não ter nada em sua folha de antecedentes etc., foi presa preventivamente, sem nenhuma demonstração de necessidade dessa "extrema ratio da última ratio".

Um caso corriqueiro para nós, advogados criminalistas, que lutamos contra a reiterada banalização da prisão preventiva que, infelizmente, tem virado sinônimo de pena antecipada.

Entretanto, quero chamar a atenção para uma parte da fundamentação utilizada pela juíza da audiência de custódia, que respaldou sua argumentação no risco da reiteração delitiva:

"Ademais, a quantidade de droga apreendida permite concluir pelo intenso envolvimento na traficância, havendo risco concreto de reiteração delitiva."

Temos aqui uma tutela do direito penal a um acontecimento que pode ou não ocorrer, uma pseudotutela do futuro.

O Judiciário, tomando para si os dotes de um profeta, prende antecipadamente uma pessoa para preservar a ordem pública pelo risco de ela cometer outros crimes.

Trata-se, portanto, de uma falsa tutela, pois sabemos que os juízes ainda não estão equipados com bolas de cristais para que possam visualizar o que vai ou não ocorrer.

Uma pergunta deve ser feita: como a defesa pode provar que caso sua cliente tenha sua prisão revogada ela não cometerá mais crimes? Não pode, é uma defesa impossível de ser realizada.

Por isso, esse argumento acusatório é nefasto, cerceador do direito de defesa e fere notoriamente o princípio da presunção de inocência, tão esquecido em nossos dias.

Outro não é o entendimento de Aury Lopes Jr, que inclusive cita um neologismo feito por Zaffaroni:

"Nem o direito penal, menos ainda o processo, está legitimado à pseudotutela do futuro (que é aberto, indeterminado, imprevisível). Além de inexistir um periculosômetro (tomando emprestada a expressão de Zaffaroni), é um argumento inquisitório, pois irrefutável. Como provar que amanhã, se permanecer solto, não cometerei um crime? Uma prova impossível de ser feita, tão impossível como a afirmação de que amanhã eu o praticarei. Trata-se de recusar o papel de juízes videntes, pois ainda não equiparamos foros brasileiros com bolas de cristal...".1

Infelizmente, a despeito de sua evidente inconstitucionalidade, a pseudotutela do futuro para fundamentar a prisão preventiva ainda continuará sendo muito utilizada pelos tribunais de nosso Brasil; entretanto, como advogados criminalistas, não devemos deixar de bradar contra esse absurdo enquanto tivermos força.

 

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1 In Jr, Aury Lopes. Direito Processual Penal, 16ª edição, p. 653.

 

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*Matheus Leite dos Santos é advogado criminalista.

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