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O Direito do Trabalho e a revolução industrial 4.0

Atualmente vivemos uma grande revolução tecnológica, que tem despertado o surgimento de novas formas de trabalho, além de provocar significativa alteração nas modalidades já existentes.

quarta-feira, 11 de março de 2020

Atualizado às 10:59

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A Revolução Industrial foi um processo de transformação ocorrido entre a segunda metade do século XVIII e o início do século XIX, com o surgimento de máquinas a vapor, substituindo a manufatura pela maquinofatura, implicando em uma exploração exacerbada da mão-de-obra e representando o início da consolidação do capitalismo.

Esse avanço tecnológico provocou grandes transformações na sociedade da época, acelerando o processo produtivo, aumentando a exploração e a degradação do meio ambiente, além de ter causado grande impacto nas relações de trabalho.

Com o surgimento de máquinas capazes de produzir mais e em menos tempo que um ser humano, os operários se viram obrigados a lidar com salários muito baixos e jornadas de trabalho elastecidas, que chegavam a até 16 horas por dia.

A acelerada exploração e o malbaratamento da mão-de-obra desencadearam uma série de mobilizações da classe trabalhadora, exigindo uma intervenção estatal, a fim de equilibrar a relação desigual que existia entre o empregado e o empregador. Por isso, boa parte da doutrina aponta o século XIX como marco do surgimento do Direito do Trabalho.

Atualmente vivemos uma grande revolução tecnológica, que tem despertado o surgimento de novas formas de trabalho, além de provocar significativa alteração nas modalidades já existentes. Este momento é chamado por alguns de Revolução Industrial 4.0.

Na lavoura os trabalhadores já foram substituídos por máquinas que plantam e colhem com mais eficiência; as montadoras de automóveis têm um processo quase que completamente robotizado e até os escritórios de advocacia usam robôs para redigir petições e promoverem consultas processuais.

Entretanto, os casos que mais chamam a atenção são dos aplicativos de transporte e entrega, como Uber, 99 táxi, Uber Eats, Ifood, dentre outros, onde a pessoa se cadastra e trabalha sem qualquer vínculo de emprego formal, são os chamados "parceiros".

A ausência de implementação de políticas públicas eficientes e capazes de gerar postos de trabalho formal, tem levado milhões de brasileiros a se submeterem a jornadas de trabalho extenuantes em condições sub-humanas, em favor de plataformas digitais.

Em estudo recente, foi divulgado que no Brasil, atualmente, existem mais de 38 (trinta e oito) milhões de pessoas trabalhando informalmente, sem carteira assinada, o que representa 41% do total da população economicamente ativa. Em alguns estados da Federação, a informalidade passou de 62%, como é o caso do Pará1.

A situação demanda uma forte intervenção do estado, a fim de regular as novas formas de trabalho e garantir a existência de direitos sociais mínimos aos trabalhadores ligados a essas relações de trabalho.

Contudo, no Brasil, caminha-se em sentido oposto ao que se seguiu no século XIX, adotando-se uma postura neoliberal, privilegiando-se o capital em detrimento dos trabalhadores, isto é, permitindo que milhões de pessoas trabalhem na informalidade, sem qualquer proteção social.

Não se pode tratar como "empreendedor" ou empresário o sujeito que se ativa entre 12h e 14h por dia, sete dias por semana, por intermédio de um aplicativo, seja dirigindo ou pedalando, em troca de uma remuneração ínfima, incapaz de satisfazer as suas necessidades mais básicas.

A consequência social disto é nefasta, traduzindo-se num quadro preocupante em que quase metade da população com ocupação financeira carece de proteção, trabalha sem jornada definida, sem direito à folga, sem férias e, principalmente, sem direito à remuneração em caso de doença ou acidente.

O Direito do Trabalho surgiu da concepção de que era necessário garantir, aos trabalhadores, o mínimo existencial, mas parece que, mesmo depois de dois séculos, ainda há muito o que se estudar sobre a matéria, tendo em vista que, até mesmo no meio jurídico, alguns enxergam o Direito do Trabalho como um obstáculo ao crescimento econômico.

Enquanto países da Europa, como Espanha e França, têm reconhecido os trabalhadores desses aplicativos como empregados, no Brasil, o TST decidiu que o motorista de Uber não possui vínculo de emprego com a empresa, atuando unicamente em regime de parceria2.

Aqui tramita, tardiamente, o PL 391/20, que visa obrigar que as empresas de entrega por aplicativo contratem seguro de acidentes pessoais em favor de seus "parceiros", que abranja o pagamento de despesas médicas, hospitalares, odontológicas, invalidez permanente total ou parcial e morte acidental.

Trata-se de medida importante, mas muito tímida, tendo em vista a necessidade de regulamentar, de forma mais detalhada, essas profissões, estabelecendo valores mínimos de remuneração e jornada máxima de trabalho.

O Direito a um trabalho digno foi objeto de regulamentação na Declaração Universal dos Direitos Humanos publicada pela ONU em 1948, além de ser um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro (art.1º, inciso IV, da CRFB/88).

Além disso, os direitos à previdência e à assistência social, foram inseridos no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição Federal de 1988, que impõe ao Estado o dever de garantir a todos a assistência necessária para a manutenção de uma vida digna. O Brasil de hoje tem sonegado esses direitos.

A excessiva desregulamentação estatal em matéria trabalhista é preocupante, pois, além de impactar de forma negativa a vida de milhões de trabalhadores brasileiros, tem construído uma péssima imagem do Brasil perante autoridades estrangeiras, levando à OIT a incluir o Estado Brasileiro na lista de países denunciados por violação das normas internacionais do trabalho3.

É difícil saber a dimensão dos problemas sociais causados pela excessiva informalidade, mas é certo dizer que, se não houver uma forte intervenção estatal a fim de regular as novas formas de trabalho, daqui a três ou quatro décadas teremos um país com a maior parte da população ocupando postos de trabalho informais, trabalhando até o fim da vida sem direito à aposentadoria. Com isso, estaremos retornando ao século XVIII.

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*Renan de Oliveira Viana é advogado. Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Padre Anchieta de Jundiaí, pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Legale. Experiência na área do Direito com ênfase em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário.

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