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Advogado: O primeiro mediador da causa

Conciliando em tempos de Covid-19

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Atualizado às 14:03

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Vivemos um momento crítico e aparentemente único na história da humanidade. Uma pandemia sem fronteiras e sem precedentes afeta trabalhadores do mundo todo e chega com força total ao nosso país.

Independentemente de sermos favoráveis ao isolamento vertical ou horizontal como medida mais adequada para conter a epidemia, do ponto de vista da saúde pública, é fato que os impactos no mundo do trabalho já podem ser vistos e sentidos.

Segundo notícia divulgada na página do IBGE no início deste ano, a taxa de desemprego era de 11,9% e a informalidade, a maior dos últimos quatro anos.(Clique aqui)

Com a crise sanitária e econômica que vivemos, diariamente somos alcançados por notícias vindas de todos os lados, sobre empresas que estão demitindo, outras fechando as portas, profissionais autônomos formais e informais com suas atividades inviabilizadas, enfim, um cenário que, parece, só fará agravar a situação retratada já no início deste ano.

As medidas governamentais adotadas no intuito de disciplinar as situações novas decorrentes do momento de crise que vivemos, em especial na esfera das relações de trabalho, já começam a suscitar debates entre os estudiosos do Direito e não tardará para que tais discussões, por ora mantidas no âmbito teórico, se materializem em litígios concretos, a demandar atuação direta do Poder Judiciário Trabalhista, somando-se aos já quase 3,5 milhões de novos casos noticiados no Relatório Justiça em Números 2019, do CNJ, ano base 2018.

É para este ponto que venho chamar a atenção dos advogados, a quem cabe o ofício de preparar e adequadamente propor tais medidas judiciais. Estamos em tempo de total quebra de paradigmas, tempo de verdadeira desconstrução de pilares que pareciam tão sólidos, tempo de repensar os meios, tempo de buscar novos horizontes, novas formas, novas soluções. Vemos diante de nós um momento mais que propício para trazermos à advocacia o mesmo olhar e, imbuídos do mesmo espírito, construirmos uma nova forma de ver e tratar os conflitos.

Se o Poder Judiciário já não era o único meio de solução dos conflitos antes da Covid-19, ouso afirmar, com muita tranquilidade, que menos ainda o será quando tudo isso passar.

Se, antes se dizia que o advogado é o primeiro juiz da causa, frase célebre atribuída a Francesco Carnelutti, afirmo que, em tempos de Covid-19, o advogado deve ser, sim, o primeiro mediador da causa.

Estudiosos da Teoria de Conflitos, como Remo F. Entelman, apropriando-se dos conceitos de Julien Freund, ao tratar da figura dos terceiros nos conflitos, os classifica em duas categorias: os terceiros que participam do conflito e os terceiros que intervêm na sua resolução.

Não tenho dúvidas de que os advogados são terceiros num conflito. E seu papel deve se enquadrar na segunda categoria, qual seja, a do terceiro que intervém para a solução.

Nada obstante, por força de um fenômeno chamado magnetismo conflitual, não raro ocorre que terceiros, antes não participantes da relação conflituosa, sejam para ela atraídos, mudando assim de categoria, deixando com isso de contribuir para a solução daquele conflito e passando, ao revés, a colaborar para sua escalada.

Se entendemos que a solução de um conflito não deve necessariamente ser monopólio do Estado, ou seja, estar restrita à solução judicial adjudicada, mas pode transitar pelo vasto campo das soluções adequadas de conflitos, penso que o papel do advogado é fundamental para levar a demanda a um bom termo.

A doutrina da Teoria Geral do Conflito sustenta que todas as formas adjudicadas de solução do conflito, incluída e especialmente a via judicial, são formas violentas de solução conflitual, as quais não contribuem, de forma eficaz, para o restabelecimento da verdadeira harmonia nas relações sociais por ela afetadas. Remo F. Entelman, ao lançar tal afirmativa, em sua obra "Teoría del Conflicto - Hacia un nuevo paradigma", assim explica:

Pero no es menos sorprendente la afirmación de que el sistema jurídico es un método violento y no pacífico de resolución de controversias. Violento, porque recurre al uso o a la amenaza de la fuerza...Es correcto sostener que el derecho genera paz social cuando monopoliza la fuerza y prohíbe a los particulares usarla en forma directa. Sin embargo, las relaciones entre los miembros de la sociedad son más armónicas y pacíficas si, para resolver sus conflictos, no recurren al uso o amenaza de la fuerza centralizada em el Juez por delegación de la comunidad. Para lo cual deben administrar y resolver buena parte de aquellos conflictos asumidos por el sistema jurídico utilizando otros métodos pacíficos, permitidos por el ordenamiento, pero no impuestos por éste

(Teoría del Conflicto - Hacia un nuevo paradigma, de Remo F. Entelman; pag. 60; Gedisa Editorial)

Seguindo tal linha de raciocínio e firmada na experiência de longos anos à frente de um trabalho sério voltado à mediação e conciliação, posso afirmar que apenas os métodos autocompositivos permitem a verdadeira pacificação do conflito como um todo, de forma abrangente e perene. A solução encontrada pelos próprios protagonistas - as partes - é a que melhor satisfaz aos seus interesses e melhor acomoda a situação para que os partícipes possam seguir adiante. A decisão adjudicada consegue solucionar apenas a questão fático-jurídica apresentada, embora nem sempre de forma satisfatória a ambos, haja vista a elevada taxa de recorribilidade das decisões, mas, ainda assim, deixa latente o conflito, sujeito a que ressurja a qualquer momento.

O advogado, como terceiro capaz de efetivamente intervir na solução no conflito, deve apropriar-se do amplo espectro de sua atuação, a iniciar pelo primeiro atendimento do cliente. Ele não há de ser aquele a sugerir única e exclusivamente este ou aquele tipo de medida judicial cabível ao caso, o que em geral já começa a permear seus pensamentos enquanto o cliente lhe apresenta os fatos. É natural e quase automático que seu mapa mental atue dessa maneira. O tratamento para o problema apresentado pelo cliente pode não recomendar, necessariamente, a medida judicial. Talvez o caminho seja a mediação, ou a conciliação, a arbitragem ou outra medida adequada de solução do conflito. Para cada doença o tratamento adequado, desde um simples repouso até uma intervenção cirúrgica. Não é assim que atuam os médicos? Pois assim também deve atuar o advogado.

O advogado deve agir como verdadeiro facilitador da comunicação entre os envolvidos no conflito, baixando o nível de desconfiança e ameaça que possa existir entre eles. A comunicação é um dos pilares da solução negociada dos conflitos. Se bem estabelecida, tudo flui, o diálogo é possível, coloca-se em prática a empatia e mais facilmente serão encontradas soluções que acomodem os interesses.

Quando se estuda a Teoria da Comunicação, percebe-se o quanto a retroalimentação exerce um papel determinante na qualidade do diálogo, a propiciar ou impedir a comunicação patológica, esta de efeitos nefastos sobre o objetivo que se pretende alcançar: a solução do conflito e estabilização daquela relação social.

Nesse sentido, o advogado deve atuar não apenas na comunicação não violenta dele próprio em relação aos demais envolvidos, mas também na vigilância da comunicação entre os demais atores do conflito, para que a retroalimentação das falas seja produtiva, clara, livre de julgamentos e elementos negativos, sempre prospectiva, voltada à construção de uma solução conjunta e eficiente para ambos os lados.

Ainda sobre o papel do advogado como facilitador da comunicação, permito-me destacar trecho da mesma obra já acima mencionada, "Teoría del Conflicto - Hacia un nuevo paradigma", de Remo F. Entelman:

En el caso de abogados que actúan como operadores de conflicto, debe enfatizarse la conveniencia de tratar de imitar el rol de tercero que posibilita las comunicaciones, aun cuando uno represente a una de las partes, desde una relación profesional independiente o bajo la relación de dependencia laboral. La posición social del abogado, el prestigio que su profesión tiene em la sociedad como una subélite estratégica em la terminología de Susan Keller, le permite auto otorgarse un cierto, aunque reducido, nivel de independencia desde el cual puede comunicarse, tanto con su parte como con la adversaria; intentando cumplir aquellos objetivos de reducir el nivel de amenaza, generar más confianza y facilitar así el manejo de propuestas, a través de una comunicación intermediaria que las partes no pueden suplir por el diálogo directo.

(Teoría del Conflicto - Hacia un nuevo paradigma, de Remo F. Entelman; pag. 142; Gedisa Editorial)

Para que o advogado participe do contexto como terceiro envolvido na solução do problema, livrando-se com isso da armadilha do magnetismo conflitual, lhe cabe também demonstrar ao cliente seu protagonismo nesse cenário. Ou seja, é preciso que o cliente saiba que a solução para o problema pode estar nas suas próprias mãos, que ele, assessorado pelo advogado, tem todos os recursos para isso e que todos os envolvidos são participantes em busca de um objetivo comum: resolverem juntos um problema que a todos eles pertence. Sempre que as partes se sentem envolvidas na solução de um problema comum, há maior comprometimento com o resultado.

Embora, a princípio, possa parecer que as partes possuem apenas interesses antagônicos, é certo que, no mínimo, um interesse comum os une, que é justamente a solução daquele problema.

Em parágrafo anterior mencionei que a parte tem os recursos necessários para solucionar o conflito. Uso a palavra recurso, aqui, não em seu sentido processual, ou seja, remédio jurídico que pode ser interposto contra uma decisão, mas sim como aquilo de que necessitam as partes para, conjugando interesses, alcançarem o fim do conflito. É o advogado quem lhes dará um dos recursos mais importantes: a informação. Deve o advogado informar a seu cliente todos os fatos que envolvem o processo, o momento em que se encontra, as possibilidades de êxito ou não, os próximos passos, as tendências jurisprudenciais, as possíveis medidas que a parte contrária adotará diante da estratégia escolhida. enfim tudo o que pode advir ao escolher o caminho 'solução negociada' ou o caminho 'solução adjudicada'. A decisão por um ou outro caminho caberá ao cliente, após devidamente informado e esclarecido por seu advogado.

A realidade atual tem trazido à tona muita reflexão em torno da solidariedade e do significado de comunidade, sustentando alguns que esses traços vinham sendo negligenciados por nossa sociedade. Já testemunhamos, e temos visto muitas notícias disso pela mídia, pessoas se unindo em torno de objetivos comuns, engajando-se em projetos solidários, voltando-se novamente para olhar, entender e sentir a necessidade do outro. Por que não resgatar esse sentimento de cooperação que temos visto ocorrer no seio das nossas estruturas sociais para dentro do processo? Sejamos mais colaborativos e menos competitivos, e estaremos mais próximos de solucionar os conflitos.

Em um momento no qual as medidas de isolamento impedem o atendimento presencial nas Varas do Trabalho e nos CEJUSCs, potencializa-se a importância do advogado como facilitador na solução do conflito.

Todo o Judiciário Trabalhista está trabalhando incansavelmente, de forma remota, na prolação de sentenças e tramitação dos processos, com boa vontade, dedicação e trabalho árduo de nossas equipes de servidores e magistrados.

Os prazos estão suspensos, em decorrência da resolução 313 do CNJ e demais normas regionais que a acompanharam. A duração das medidas é incerta, depende de questões sanitárias e de saúde pública, as quais fogem à liberdade de ação da administração de cada Tribunal.

Os CEJUSCs-JT do TRT 15 já lançaram campanha por realização de pautas virtuais. Novos arranjos estão se desenhando para permitir a realização das sessões, as quais já começam a ocorrer.

Pedidos de suspensão de acordos em andamento, ou de redução no valor das parcelas pactuadas antes da crise, têm sido cada dia mais recorrentes. E o melhor caminho, nesses casos é, de longe, que os envolvidos voltem a dialogar e estabelecer, juntos, alternativas que permitam a continuidade dos pagamentos, ainda que ajustadas à realidade momentânea. Acordos descumpridos, neste momento, é o que menos desejamos todos nós, Judiciário, jurisdicionados e advogados. A execução desses acordos descumpridos somente será possível após a suspensão dos prazos, em contexto econômico que ainda desconhecemos, mas que podemos vislumbrar, e com interpretações as mais variadas em relação à incidência ou não de multa por descumprimento, à vista do motivo de força maior. Nem sempre é possível ou conveniente se aguardar o retorno dos prazos.

Assim, conclamo-os a que conversem com seus clientes e iniciem tratativas de negociação com os advogados e partes contrárias. Busquem a solução consensual e negociada dos conflitos. A decisão adjudicada não é a única forma legítima de solução! Em tempos de Covid-19, é preciso quebrar paradigmas. Tomem a iniciativa. Assumam seu papel de terceiros atuantes na solução dos conflitos.

A recém-publicada Recomendação CSJT.GVP 01, de 25 de março de 2020, sensível ao momento vivenciado, recomendou aos Magistrados do Trabalho, em especial àqueles em exercício nos NUPEMECs e CEJUSCs, dentre outros esforços, que avaliem a conveniência e oportunidade de disponibilizarem mediação e conciliação para conflitos individuais inclusive no âmbito pré-processual, enquanto perdurar a situação excepcional da pandemia e no que diga respeito aos interesses do exercício de atividades laborativas e empresariais nesse mesmo contexto.

Reúnam-se remotamente por meio de ferramentas virtuais gratuitas disponíveis na rede mundial de computadores, dialoguem, troquem informações, coloquem-se no lugar do outro, pratiquem a escuta ativa, deem a seus clientes os recursos de que precisam para a solução de seus conflitos, sejam verdadeiros facilitadores dessa solução.

Os CEJUSCs do TRT da 15ª Região estão aparelhados e contam com mediadores altamente capacitados para contribuir na mediação dos conflitos pré-processuais, nos limites da Recomendação CSJT.GVP 01/20, nos acordos extrajudiciais a que alude o art. 855-B, da CLT, na repactuação de acordos, na intermediação de novos acordos em processos já judicializados, independentemente de sua fase, na análise e homologação de acordos a que chegarem as partes e seus advogados, protocolizados por petição nos autos, tudo no intuito de colaborar para a preservação das relações sociais saudáveis e a verdadeira pacificação ampla dos conflitos.

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*Kathleen Mecchi Zarins Stamato é juíza do Trabalho. Coordenadora do CEJUSC de 2º Grau do Tribunal Regional do Trabalho da 15a Região.

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