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Contratação emergencial e fast track licitatório em tempos de crise

No futuro, ultrapassado o momento de crise, revela-se conveniente a análise dos pontos positivos e negativos das referidas normas excepcionais, inclusive para nortear o aprimoramento da legislação aplicável às contratações públicas em situação de normalidade.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Atualizado às 10:36

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A pandemia do Covid-19, causada pelo novo coronavírus, tem apresentado inúmeros desafios para os diversos ramos do direito, especialmente a partir da constatação de que o ordenamento jurídico, muitas vezes, não possui ferramentas efetivas e adequadas para lidar com a excepcionalidade da situação de urgência na saúde pública global.1

No Brasil, proliferaram, nos últimos meses, diplomas normativos, em diferentes esferas federativas, com a fixação de normas temporárias e excepcionais para o enfrentamento da crise, destacando-se, para os fins do presente ensaio, regras especiais para contratações emergenciais pela Administração Pública.

Em situação de anormalidade, o próprio ordenamento jurídico reconhece, portanto, medidas excepcionais (legalidade extraordinária) para o atendimento do interesse público. Em razão das circunstâncias fáticas excepcionais, que demandam atuações estatais urgentes, admite-se, no "estado de necessidade administrativo", a preterição das regras que são aplicadas ordinariamente à Administração Pública, abrindo-se caminho para aplicação de uma legalidade excepcional ou alternativa.2

O estado de necessidade administrativo funciona como verdadeira causa de exclusão da ilicitude de uma atuação administrativa contra legem, tendo em vista que a atuação será submetida à uma "legalidade alternativa". A natureza contra legem da atividade administrativa relaciona-se com o seu "confronto face à legalidade jurídico-positiva que normalmente rege a Administração Pública, sabendo-se, no entanto, que a mesma é substituída, desde que se verifiquem os pressupostos do estado de necessidade administrativa, por uma legalidade excepcional".3

Nesse contexto, em razão da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, foi promulgada a Lei 13.979/20, alterada pela MP 926/20, para dispor sobre as medidas a serem adotadas para o enfrentamento da situação emergencial.4

Trata-se de lei temporária que tem a sua vigência restrita à duração do estado de emergência internacional pelo coronavírus responsável pelo surto de 2019, cabendo ao Ministério da Saúde a edição de atos normativos necessários à sua regulamentação e operacionalização (arts. 7º e 8º).

Além das medidas elencadas no art. 3º (isolamento; quarentena; realização compulsória de exames e testes; restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País; requisição de bens e serviços etc.),5 o legislador instituiu nova hipótese de dispensa de licitação e relativizou algumas exigências formais no certame e na própria contratação direta, naquilo que poderíamos denominar de "fast track licitatório", com a simplificação e abreviação do rito procedimental.   

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1 Sobre os remédios do Direito Administrativo no enfrentamento da pandemia, vide: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Direito Administrativo e coronavírus. Disponível em: ?https://genjuridico.com.br/2020/03/16/direito-administrativo-e-coronavirus/?Acesso em: 01/04/2020.

2 CORREIA, José Manuel Sérvulo. Revisitando o estado de necessidade. In: ATHAYDE, Augusto de; CAUPERS, João; GARCIA, Maria da Glória F.P.D. Em homenagem ao professor doutor Diogo Freitas do Amaral. Coimbra: Almedina, 2010, p. 733-738.

3 OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2003, p. 998.

4 O tema foi abordado em nossa recente do livro: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos, 9 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2020.

5 O § 1º do art. 3º da Lei 13.979/2020 dispõe que as medidas restritivas "somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública".

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*Rafael Carvalho Rezende Oliveira é pós-doutor pela Fordham University School of Law (New York). Doutor em Direito pela UVA-RJ. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RJ. Especialista em Direito do Estado pela UERJ. Membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (IDAERJ). Professor Titular de Direito Administrativo do IBMEC. Professor do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito - Mestrado e Doutorado do PPGD/UVA. Professor de Direito Administrativo da EMERJ e do CURSO FORUM. Professor dos cursos de Pós-Graduação da FGV e Cândido Mendes. Ex-Defensor Público Federal. Procurador do Município do Rio de Janeiro. Sócio-fundador do escritório Rafael Oliveira Advogados Associados. Árbitro e consultor jurídico. 

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