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Efeito Covid - Medidas e Impactos nos Contratos Bancários

O que se espera das partes envolvidas neste tempo de incertezas é que se tenha em mente a necessidade de aplicação dos princípios do direito obrigacional e contratual que norteiam a relação em sociedade em nosso país.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Atualizado às 11:09

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Com a declaração pela Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecendo o Coronavírus (Covid-19) como pandemia global, diante da rápida disseminação da doença e do aumento de casos em todo território nacional, as autoridades foram obrigadas a tomar medidas temporárias de prevenção ao contágio e tentar frear a expansão da doença.

Objetivando conter a disseminação do vírus, regras rígidas isolamento social foram adotadas, o que vem causando inevitáveis impactos na produção, consumo e investimentos, em razão da suspensão temporária de diversas atividades profissionais.

Cuida-se de uma situação excepcional, cujas repercussões sociais e econômicas bem como as restrições à liberdade e propriedade individual não encontram equivalente na história brasileira recente.

Atenta a esses acontecimentos, a Febraban divulgou no final de março de 2020 que os maiores Bancos atuantes no País (Bradesco, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco e Santander) estão dispostos em efetuar a prorrogação, por até 60 dias, dos vencimentos de dívidas que estejam vigentes e em dia, de pessoas físicas e micro e pequenas empresas.

Segundo a referida entidade, os bancos vêm discutindo propostas para amenizar os efeitos negativos da pandemia de Coronavírus no emprego e na renda. "Entendem que se trata de um choque profundo, mas de natureza essencialmente transitória. Os bancos estão engajados em continuar colaborando com o país com medidas de estímulo à economia", diz o comunicado divulgado pela federação. 

A fim de colocar em prática a proposição, cada banco definirá seus próprios critérios para a renegociação da dívida com os clientes que forem prejudicados com a disseminação do Coronavírus. As regras vão variar de acordo com cada modalidade de financiamento. Os bancos vão decidir quais produtos financeiros estarão sujeitos à prorrogação do prazo de pagamento, o que não será operado de forma automática. O interessado precisa solicitar possível adiamento com o seu banco.

Além das medidas acima citadas, vale destacar outras adotadas individualmente por cada entidade bancária, como é o caso do Bradesco, que virtude da redução da taxa Selic para 3,75% anunciou que também irá reduzir suas taxas de juros para clientes pessoas física e jurídica, repassando o corte de 0,50 ponto percentual da taxa básica de juros para as suas linhas de crédito.

Já a Caixa Econômica Federal concederá apoio às micro e pequenas empresas, com redução de juros de até 45% nas linhas de capital de giro, com taxas a partir de 0,57% a.m, além da disponibilização de linhas de crédito especiais, com até seis meses de carência, para empresas que atuam nos setores de comércio e prestação de serviços, mais afetadas pelo momento atual.

Vale aqui destacar que as aludidas medidas adotadas pelas instituições bancárias mostram-se oportunas diante do cenário posto, uma vez que amenizam os impactos da crise às pessoas e empresas, as quais já sofrem com a redução de suas rendas.

Por outro lado, sabe-se que independente das atitudes que sejam tomadas pelo Estado (em sentido amplo) e pelas empresas privadas de grande porte, tais como as instituições financeiras, induvidoso que o judiciário será acionado em grande escala para dirimir conflitos que vão se originar em decorrência do atual momento econômico, especialmente no que tange aos contratos obrigacionais, seja na esfera privada ou de direito do consumidor.

Alguns institutos no nosso direito tratam do problema da alteração superveniente das circunstâncias contratuais e seus efeitos sobre a relação contratual, como forma de minimizar a rigidez do princípio tradicional "pacta sunt servanda". Os princípios mais aplicados são o da teoria da imprevisão, onerosidade excessiva, caso fortuito e força maior.

Os aludidos princípios têm aplicação especialmente em relação aos contratos já celebrados, de trato sucessivo ou diferidos no tempo, questões relativas às dificuldades do seu cumprimento e danos daí resultantes. Todas essas situações vão exigir respostas do direito obrigacional, seja na esfera de aplicação no direito público ou privado, principalmente no que diz respeito à caracterização da pandemia como um acontecimento inserido no contexto de "força maior".

É sabido que doutrina e jurisprudência classificam força maior como um evento ou circunstância excepcional que: 1) está fora do controle das partes; (2) os contratantes não têm como prever o acontecimento e assim se preparar; (3) sua ocorrência não é atribuível a nenhum dos contratantes.

No que se refere aos contratos bancários, especialmente os de empréstimo e cédulas de crédito, a maior parte geralmente não prevê disposições específicas relativas à força maior e, por consequência, de exclusão de responsabilidade de tomadores e garantidores.

Desta forma, as obrigações inseridas nestes pactos têm caráter objetivo (ex. pagamento de valores em datas específicas e sujeitos a encargos definidos), que, em tese, não seriam afetadas por circunstâncias excepcionais, como a atual pandemia.

Com efeito, necessário que se tenha muita cautela ao decidir no caso concreto acerca da aplicação do instituto da força maior para readequação ou até mesmo resolução do contrato, eis que, da mesma forma que os indivíduos estão sofrendo as consequências econômicas da crise, as empresas, sejam elas de maior ou menor porte, estão suportando impactos financeiros relevantes.

Tomemos como exemplo recente decisão proferida em 08/04/2020 pelo Tribunal e Justiça de São Paulo, no Agravo de Instrumento 2065007-07.2020.8.26.0000. Trata-se de ação de busca e apreensão de veículo fundada em alienação fiduciária promovida por instituição financeira contra devedor, na qual o juízo singular havia suspendido a execução da medida liminar de retomada do automóvel, acolhendo a alegação do réu no sentido de que as parcelas do contrato não teriam sido quitadas em razão de dificuldades financeiras imprevisíveis, decorrentes da pandemia que assola o país.

Contra decisão interlocutória o banco interpôs Agravo de Instrumento, sendo provido o recurso para restabelecer a liminar, sob o principal argumento de que o devedor já estaria em débito desde o ano de 2018 em relação ao pagamento das prestações contratuais, razão pela qual não haveria que se falar em inadimplência em decorrência da crise causada pela pandemia. Vale a pena transcrever parte da fundamentação:

".... No entanto, o fato é que o devedor está a mora desde outubro de 2018, o que impõe reconhecer que sua persistente inadimplência não guarda relação com a crise econômica que se descortina pela quarentena motivada pela pandemia do COVID-19.

Ademais, nem se há de supor que justo agora o devedor iria quitar o débito - de lembrar que a essa altura já não caberia purgação da mora - mas já não poderá fazê-lo em razão da crise..."

Diante do exposto, o que se espera das partes envolvidas neste tempo de incertezas é que se tenha em mente a necessidade de aplicação dos princípios do direito obrigacional e contratual que norteiam a relação em sociedade em nosso país. São eles e mais importantes do que quaisquer outros: o princípio da boa-fé objetiva, da conservação dos contratos, da função social do contrato e do equilíbrio econômico.

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t*Leonardo Cuervo é sócio de Pellon & Associados Advocacia.

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