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Autocomposição no Direito Societário

A escolha dos métodos adequados de resolução de conflitos pelos litigantes tende a trazer benefícios para todos os envolvidos: as partes conseguem chegar a uma solução mais adequada, despendendo menos recursos e de maneira mais rápida.

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Atualizado às 07:57

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As estatísticas referentes ao desempenho do Poder Judiciário brasileiro são bastante desanimadoras. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano de 2018 foi ultrapassado o assombroso número de 80 milhões de processos que aguardam julgamento nos tribunais brasileiros. Essa movimentação processual custou R$ 90,8 bilhões aos cofres públicos, o que corresponde a 1,4% do PIB, ou um custo de R$ 437,47 por habitante. Esses números são reflexos de diversos problemas do Judiciário brasileiro e também da cultura litigante e demandista do país.

A preferência por soluções adjudicadas tem impactos diretos na eficiência do Judiciário, que atualmente se mostra lento, congestionado e caro. Para receber uma sentença, um processo em fase de conhecimento leva em média 1 ano e 4 meses. Terminada essa fase, o processo segue para a fase de execução e a demora aumenta ainda mais: 4 anos e 6 meses em média (CNJ, 2017, p. 133). Isso significa uma espera de quase 6 anos para ver um processo resolvido em primeira instância e, caso haja recurso, a espera é ainda maior. Já na arbitragem, o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá informa que a duração média dos procedimentos iniciados entre 2013 e 2015, naquela instituição, é de 15 meses e meio.

A fim de amenizar esses antigos e persistentes problemas do Judiciário, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe diversas inovações ao ordenamento jurídico nacional. Os chamados meios adequados de resolução de conflitos, a conciliação, a mediação e a negociação já existiam, porém, ocuparam lugar de destaque na redação do código, como em seu art. 334, que determina que, caso deferida a petição inicial, o juiz designe audiência de conciliação ou de mediação. Esses meios atendem à necessidade de pacificar com justiça e têm diversos pontos de destaque quando comparados ao processo judicial tradicional sem homologação de acordo, por exemplo.

As experiências colhidas no direito comparado corroboram a tese de que a autocomposição é de fato mais adequada para solucionar conflitos envolvendo direitos disponíveis que demandam uma solução rápida e, nesse contexto, vem ganhando destaque em diversos ordenamentos jurídicos. O sistema inglês, por meio dos pre-action protocols, uma espécie de procedimento que ocorre antes do processo judicial que incentiva o diálogo, a troca de informações e produção de provas entre as partes, privilegia a adoção de tentativas de solução de conflitos autocompositivas. São diversas as vantagens de se utilizar tais meios para solucionar um conflito face uma decisão judicial adjudicada.

A duração máxima de um processo extinto pela homologação de acordo é a metade de um processo normal, de acordo com dados do CNJ. Além da notável redução no tempo para se chegar a uma solução para a disputa, a autocomposição se mostra menos custosa às partes, tendo em vista que deixam de arcar com as onerosas custas judiciais e honorários em caso de condenação, custas essas que chegam facilmente às quatro casas decimais.

As vantagens da conciliação, mediação e negociação não se limitam à otimização do procedimento e sua duração. As soluções advindas dos meios adequados de resolução de conflitos também são mais efetivas no sentido do conteúdo do que foi acordado. Ora, é um tanto quanto lógico inferir que uma solução consensual, formulada pelas próprias partes, seja cumprida/respeitada mais facilmente do que aquela imposta por um terceiro. Ressalta-se que esse acordo homologado judicialmente é um título executivo judicial, ou seja, tem a mesma força de uma sentença, conforme disposto no art. 515, II, do CPC.

No âmbito dos conflitos societários, não raras vezes os litigantes não têm condições de suportar uma espera demasiada para a resolução do conflito, pois a atividade empresarial é dotada de grande dinamicidade. Em virtude dessa latente necessidade, surgiram as tutelas de urgência. Em análise superficial, esse mecanismo parece suprir a necessidade das partes, porém, ao verificar a instabilidade das decisões liminares (a guerra de liminares que se inicia) e a facilidade com a qual são derrubadas, evidencia-se que não é a solução mais adequada para um conflito no qual há urgência. Especialmente no direito societário, é de suma importância garantir a segurança jurídica e uma decisão estável para a manutenção das atividades empresariais.

Nesse contexto, um acordo alcançado por meio de uma negociação, por exemplo, se mostra muito mais vantajoso aos litigantes levando em consideração também as externalidades que permeiam o conflito societário, como o quadro de funcionários, fornecedores e clientes. São inúmeros os transtornos que podem advir do trâmite de um processo entre os sócios de uma empresa, a exemplo de um conflito envolvendo deliberações feitas em assembleia, que pode travar as atividades empresariais e afastar clientes.

Além de um conflito societário demandar uma solução rápida, a fim de mitigar eventuais prejuízos causados aos sócios, à sociedade, aos seus fornecedores e aos seus empregados, não há quem conheça melhor a causa do conflito e seu contexto do que os próprios envolvidos, ou seja, os sócios. Alcançar uma solução consensual entre estes é a melhor opção possível, visto que, apesar de sempre haver divergências, o objetivo dos sócios tende a ser o mesmo: o êxito da atividade empresarial e consequentemente o lucro. Há de se ressaltar, ainda, que ao evitar um processo judicial, evita-se também a divulgação de informações relevantes da empresa no processo, como balanços patrimoniais, demonstração de resultados e de fluxos de caixa.

Não obstante todas as vantagens já expostas, há outro ponto fundamental presente nas soluções autocompositivas: a manutenção da relação entre as partes. São inúmeros os casos de empresas que estavam em crescimento exponencial, mas por conta de conflitos entre seus sócios foram à falência. Um recente exemplo é o caso da Livraria Saraiva, no qual o herdeiro teve conflito com o maior acionista da empresa1: o valor das ações da livraria de 106 anos caiu 26% no ano do conflito (2016) e até hoje não conseguiu se recuperar da crise causada por esse episódio e pelos diversos processos judiciais dele originados.

Os meios adequados de resolução de conflito, por sua vez, prezam pela manutenção da relação e do diálogo entre as partes para que, desta forma e deixando questões pessoais de lado, seja possível alcançar a melhor solução possível para ambas as partes e também para a companhia e sua atividade. Porém, os meios autocompositivos têm um requisito bastante óbvio e que muitas vezes é o fator impeditivo de sua utilização: a voluntariedade de ambas as partes. Não basta apenas uma das partes escolher algum meio como a negociação para resolver o conflito, é necessário que a outra parte aceite tal escolha. Os meios autocompositivos demandam uma postura cooperativa de ambas as partes e também de seus advogados.

Embora extremamente vantajosos às partes, os meios adequados de solução de conflitos ainda não são utilizados pela maioria dos litigantes. Isso se dá principalmente por conta da cultura demandista do Brasil, a qual prioriza o potencial de retorno advindo de eventual julgamento procedente da demanda2. Outro fator que se mostra contrário à utilização dos meios autocompositivos é a formação quase que belicosa de boa parte dos advogados mais velhos; muitos ainda têm em mente que o bom advogado é aquele agressivo, litigante. Ademais, a conciliação, a mediação e a negociação só foram de fato privilegiadas no Código de Processo Civil de 2015, razão pela qual estão sendo priorizados e ganhando destaque a cada ano que passa, tornando-se tendências, mas ainda um tanto quanto recentes se comparados aos meios tradicionais de resolução de disputas.

Em suma, a escolha dos métodos adequados de resolução de conflitos pelos litigantes tende a trazer benefícios para todos os envolvidos: as partes conseguem chegar a uma solução mais adequada, despendendo menos recursos e de maneira mais rápida. Essa alternativa ainda beneficia o Poder Judiciário, que pode ser gradualmente descongestionado, tornando-se mais eficiente e ágil. Em conflitos como os societários, é crucial que seja obtida uma solução da maneira rápida, estável e benéfica à manutenção das atividades empresariais. Contudo, é necessária postura cooperativa de ambas as partes e de seus advogados, visto que os meios autocompositivos demandam o aceite de todos os envolvidos na disputa. A conciliação, a mediação e a negociação estão sendo mais utilizadas desde a vigência do CPC de 2015 e se mostram tendências para os próximos anos, devendo o Brasil superar a cultura atrasada de litigância para focar nas soluções adequadas de resolução de conflitos.

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1 Acesso em 29/6/20. Disponível clicando aqui

2 SHAVELL, Steven. Foundations of Economic Analysis of Law. Harvard University Press. 2004, p. 389-418.

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t*Leonardo Dalla Costa é estudante de Direito da Universidade Federal do Paraná. Colaborador do escritório Braz Gama Monteiro.

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