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Jurídico e negócios - parceria de sucesso

O objetivo do artigo é apresentar práticas eficazes que contribuem para a integração entre o departamento Jurídico e os departamentos de negócio de uma companhia, viabilizando uma parceria de sucesso.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Atualizado às 13:39

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Gostaria de partilhar algumas ideias acerca de um assunto que, em rápida análise, pode estar revestido com uma aparente simplicidade, mas que talvez exija um olhar mais atento.

Quantas vezes já não ouvimos que o departamento Jurídico é burocrático, moroso e engessado, sendo considerado "o mal necessário" que todas as companhias precisam possuir?

De um lado, estão os departamentos de negócio. Estes, são "a menina dos olhos" da companhia, os responsáveis por gerar lucro, pela receita que irá, inclusive, custear todos os demais departamentos. Incluindo aquele que está do outro lado - o Jurídico.

Todo departamento (o Jurídico incluído) é um microcosmo - metas distintas, políticas e procedimentos particulares e, na maioria das vezes, uma diretoria própria. Não raro, a dinâmica do funcionamento e a integração inter e intra setores pode ser ínfima.

Assim, um departamento atuante fora daquele Jurídico, ainda que na mesma instituição ou empresa, tem dificuldades para compreender o porquê da "morosidade" e da "burocracia" da chancela jurídica dentro do negócio jurídico, negócio este que será tão rentável e lucrativo para a companhia.

Dessa forma, como minimizar esse desconhecimento que gera desentendimento e incompreensão?

Seguem abaixo algumas sugestões que considero práticas:

Semana das Políticas

Rodadas de apresentação da Política de cada Departamento para todos os demais. Esta ação/evento pode ser formulada pelo RH em parceria com o departamento de Eventos, em periodicidade definida pelos participantes.

Cada setor apresentaria sua Política, de forma clara e objetiva, abrindo espaço para perguntas ao final. Não necessariamente o head do departamento seria o palestrante. Oportunizar ao estagiário ou do analista júnior a apresentação colabora para o envolvimento na respectiva Política, bem como treina o poder da oratória daqueles que iniciam sua trajetória profissional. Conhecer o documento norteador dos departamentos, a sua "própria Constituição", é necessário. Proporcionar e facilitar entendimentos é um dever da companhia. Realizar o evento como este em questão, pode ser um ganho para todos.

Aos departamentos considerados como "a menina dos olhos" da Companhia:

A missão deve ser difundir a todos os detalhes do negócio.

Imagine um departamento de "back-office" sem o menor conhecimento do produto master comercializado por sua companhia. Por outro lado, fácil notar que, se uma companhia do ramo imobiliário investe em apresentações internas, nas quais busca alinhar seus colaboradores em termos de conhecimento - desde sobre a situação do mercado imobiliário até à documentação necessária e seus fins, fácil notar que os processos internos podem ser otimizados e o caminho para bons negócios, pavimentado.

Aliás, escolher um produto comercializado e simular todos os passos, desde a apresentação ao cliente até à assinatura do contrato, pode ajudar os espectadores a entenderem melhor os desafios cotidianos da área de frente da empresa.

Departamento Jurídico

Se em uma ponta é necessária a explanação do microcosmo da área de negócios, na outra é de suma importância que o departamento jurídico compartilhe com os demais seus saberes.

Pessoalmente, tive a oportunidade de realizar apresentações que guardavam relação com minha área: contratos corporativos. Abaixo destaco alguns highlights dessas apresentações:

I. Demonstração de minuta padrão de um modelo de contrato solicitado com frequência pelos departamentos da instituição (ou seja, pelos clientes internos);

II. Destaque para as cláusulas pétreas, ou seja, aquelas de difícil modificação. Por exemplo, a cláusula de anticorrupção/ FCPA, compliance , trabalhista e previdenciária. Importante é que os demais departamentos entendam o porquê desta inflexibilidade, entender as consequências e multa as quais a companhia estaria sujeita caso houvesse alteração. Muitas vezes, a área de negócio não teve a oportunidade de acesso a este conhecimento e é obrigação do departamento jurídico compartilhá-lo aos demais;

III. Apontamento e explicação das cláusulas mais suscetíveis de alteração pela outra parte e o porquê da manutenção.

Exemplos:

Cláusula de multa - Uma só cláusula de multa é suficiente? Depende. A multa pode ser por atraso ou por descumprimento de "pronto". Assim, deve haver duas previsões distintas para cada uma das situações que podem ocorrer. O cliente interno, possuindo este conhecimento, agiliza a negociação prévia da manutenção de ambas as cláusulas e o fluxo da análise fica mais célere. É obrigação do departamento jurídico ser célere, desde que não coloque em risco a segurança da empresa.

Outras cláusulas que valem a explanação são as que dispõe sobre o prazo da entrega, a quitação apenas após o aceite com a prévia conferência do entregável e a cláusula de vigência e de confidencialidade.

Cláusula de Vigência - Esta cláusula simples, se mal elaborada, pode causar sérios transtornos ao cliente interno. A renovação é automática? Se for, o que dispõe a cláusula de rescisão? Qual o prazo do aviso prévio? Há pagamento de multa se rescindir antes do prazo? Há carência mínima?

A renovação automática, sem a necessidade da realização de um termo aditivo, é delicada. Salvo alguns tipos específicos de negócio, a renovação sendo possível apenas com a assinatura das partes de um termo aditivo é a mais indicada.

Ou seja, após o término da vigência determinada no contrato, este será encerrado automaticamente não correndo risco do cliente interno "esquecer" o envio do aviso prévio ao contratado. De todo modo, mais conservadora que sou, mesmo que não seja juridicamente necessário, prefiro ainda elaborar um documento posterior, prevendo a quitação integral da companhia às obrigações contratuais.

O departamento jurídico tem que demonstrar que o controle da vigência de um contrato é atividade importantíssima para prevenir riscos aos quais a empresa poderia estar exposta caso haja um contrato com a vigência expirada e a entrega do serviço e seu pagamento, por exemplo, ainda existam. Os riscos devem ser pontuados detalhadamente pelo Jurídico, de forma a ficar claro aos clientes internos a importância desse controle.

A solicitação de prorrogação de vigência de um contrato pelo cliente interno ao Jurídico deve ser em momento anterior ao término da vigência e não, posterior. A empresa permanecer sem contrato pode colocá-la em uma posição de risco trabalhista, na hipótese em que o objeto do contrato seja a alocação de mão de obra da contratada nas dependências da contratante, p.ex. Todas as cláusulas que foram cuidadosamente incluídas na minuta padrão do contrato - para preservar a companhia de riscos, deixam de ter força no momento da extinção do contrato (salvo aquelas que têm vigência por prazo indeterminado, consentidas pelas partes com a aposição das suas assinaturas).

Explicações sobre o termo aditivo para convalidar (e quitar as obrigações) o período pós encerramento da vigência do contrato - Muitas vezes o Jurídico se depara com o pedido de prorrogação de um contrato ao qual o prazo de vigência já se encontra expirado. Ou seja, há um contrato vigente de fato, mas extinto de "direito". Deve ser explicado aos clientes internos que esta manobra não é a correta. Mais adequado seria frisar aos clientes internos que o Jurídico apenas renova contratos vigentes. Se o contrato está extinto, o caminho deve ser o da celebração de novo contrato (com a inclusão de cláusula de convalidação do período descoberto). Não se prorroga o que não existe.

Cláusula de confidencialidade - Aconselho ser por prazo indeterminado. Caso não seja possível, o alinhamento com o cliente interno e os riscos da revelação da informação devem ser bem elaborados e vislumbrados.

Cláusula de Representação legal - Quem pode assinar o contrato? Quem irá verificar se o signatário tem poderes? Aconselho que o jurídico emita um parecer junto com a chancela do contrato (após analisados os atos constitutivos da contratada, incluindo a procuração, se for o caso) pontuando quem tem poderes para assinar o contrato. O cliente interno não tem a obrigação de entender e decifrar os atos constitutivos da contratada.

IV. Comunicação - Pontuo ser relevante uma cultura na companhia no sentido de minimizar o envio de e-mails e aumentar as ligações.

Sei que é importante deixar registrado uma informação, mas tal registro pode ser a posteriori, apenas ratificando a ligação ou o contato pessoal com o departamento em questão. Deve haver celeridade. O Jurídico recebe uma solicitação do departamento de TI, por ex. Se há dúvida, ligue ou se dirija ao departamento solicitante. Certamente o prazo da análise será mitigado e as áreas poderão ter uma maior compreensão de seus desafios.

V. Fluxograma de Riscos - Aconselho que todos os departamentos envolvidos em atividades contratuais elaborem, em conjunto, um fluxograma de riscos detalhado e claro. Tal documento nada mais seria do que um apontamento dos riscos atinentes a uma eventual alteração de texto da minuta padrão, a qual poderia vir ser solicitada pela parte contratada.

Delimitando de antemão quais riscos e consequências acarretariam a alteração de uma determinada cláusula, bem como já prevendo uma alçada de aprovação aos riscos apontados, todos os envolvidos podem ter ciência do que é necessário fazer quando a negociação não segue o caminho "padrão", ou seja, quando as cláusulas padrão são alteradas pela outra parte. Desta forma, o Jurídico atua de forma preventiva e transparente, se resguardando na hipótese de ocorrência do risco em questão, uma vez que os evolvidos já estavam cientes das consequências oriundas de tais mudanças.

Criação de um departamento transitório multidisciplinar (que se transforma posteriormente no Comitê multidisciplinar)

A função do referido departamento é a de proporcionar, de uma maneia formal e bem estruturada, o apontamento de melhorias que acarretarão o melhor fluxo das negociações.

Quantas vezes, no fluxo de uma análise, não nos deparamos com algum descontentamento em relação a determinado procedimento adotado? Pode ser, por.ex. uma cláusula padrão ou o Service Level Agreement - SLA ou, ainda, algo relacionado às práticas comportamentais?

Esta sugestão se aplica com mais força àquelas companhias que estão iniciando a estruturação de seus  departamentos ou que que desejam reestruturá-los. A  multidisciplinaridade garante diversos olhares e perspectivas.

Acredito que saber a quem direcionar formalmente um pedido de melhoria, sabendo que há um prazo de análise e um procedimento bem estruturado e definido, aliado à certeza de que a demanda/sugestão vai ser analisada por profissionais com visões e de áreas distintas, é um ponto extra a favor da integração e crescimento da companhia.

Sigilo das Pesquisas de opinião

Sabemos que a pesquisa de opinião sobre determinado assunto é um mecanismo muito eficaz para o ajuste e melhorias de algum ponto específico. Todavia, para que os colaboradores possam expressar com segurança o que desejam, a ferramenta deve garantir o anonimato, sendo capaz de fornecer a quem opina, segurança acerca da anonimação.

Exemplifico: pesquisa de opinião realizada por meio de link originário da caixa de e-mail funcional de colaboradores forneceria a mencionada certeza de que o voto/opinião/crítica é secreto? Estar seguro é indispensável, mas tão importante quando estar  é o mecanismo de pesquisa parecer seguro. Afinal pesquisas de opinião não condizentes com a verdade valem a pena?

Então, visando proteger a  transparência, quem sabe se a tradicional urna e o formulário de papel não possam ser uma boa alternativa?

Acredito que boa intenção aliada à vontade de compartilhar os microcosmos resultem em um cenário onde todos possam transitar conscientes em todos os cantos do universo que é a companhia. A explicação dos desafios e das atividades particulares de determinado setor aos demais setores e/ou departamentos, pode ser determinante no sucesso. Uma visão externa que conecta todos com o mesmo objetivo é uma chave: o sucesso de um é o sucesso de todos.

Termino com uma citação do JP Morgan:

"Eu não que um advogado para me dizer o que eu não posso fazer e sim, para me dizer como eu posso fazer o que eu quero fazer".

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t*Leticia S. P. Vidal é advogada especialista em Contratos Corporativos. LL.M em Direito Corporativo. Pós-graduação em Relações Internacionais.

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