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CEOtização do mercado jurídico e suas consequências na jovem advocacia

A geração atual de jovens profissionais, de todos os setores, traz consigo o fardo da despreocupação na construção durante a caminhada profissional e a atenção redobrada, a preocupação minuciosa com o mostrar e com o exibir.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Atualizado às 08:22

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A presença das redes sociais na vida das pessoas é o principal monitoramento de pesquisa, estudo e observação para todas as áreas profissionais do mundo. "Digitalize ou desapareça" é o novo mantra de parâmetros sociais, culturais, comportamentais e, inclusive, legais. E dentro disso, o mercado jurídico também se posiciona em primeira pessoa e lança aos advogados um novo case: a advocacia digital.

Dentro da advocacia digital vários caminhos surgem e inúmeras advocacias se consolidam em personas muito atentas ao seu personal branding, ao engajamento, à criação da autoridade por meio do conteúdo jurídico virtual. Observar essa movimentação dos escritórios e dos advogados nas redes sociais demanda atenção para quem assiste e pretende se situar, pois o comportamento virtual é muito distinto. Os maiores escritórios full service se utilizam das redes para marcar, de fato, a sua presença que é reconhecida na realidade física e pode ser vista a olho nu nos maiores prédios de São Paulo, ou seja, vai além da realidade digital. Por isso as grandes bancas vão às mídias reafirmar aquilo que é uma tendência no mercado como um todo e fonte de investimento (e lucro) das grandes empresas: mostram seus valores, princípios, destacam prêmios, tornam público seus programas internos de diversidade racial, de gênero e sexualidade e de religião e disponibilizam artigos publicados em grandes jornais para reafirmar (e não criar) sua expertise. A movimentação dos escritórios full service nas mídias sociais não causa nenhum espanto e continua refletindo o significado, a imponência e a importância desses escritórios para a advocacia como um todo. É uma oportunidade de abrir as portas da casa e mostrar o que há de melhor (e não é essa a proposta das redes sociais?). Nesse mesmo espaço, vários advogados e advogadas, CEO's de seu próprio escritório (ainda que ele seja uma mesa e uma cadeira de um café local ou de um coworking), de sua área de atuação e de sua vida, surgem com fórmulas de captação, demonstração de autoridade, crescimento virtual, engajamento, likes e até dinheiro.

E para entender esses novos personagens da advocacia nas redes sociais é preciso ter um breve olhar histórico e geracional. Os protagonistas nasceram do final dos anos 80 ao final dos anos 90, portanto se incluem também os Millenials. Em 1994, com a chegada do Plano Real, a economia brasileira passou por uma transformação e deu seus primeiros passos naquilo que hoje entende-se por globalização. A partir do controle da inflação e da valorização da recém-nascida moeda, diversos setores cresceram e, com eles, a classe média se desenvolveu em ascensão. Em paralelo, a revolução tecnológica chega sem bater à porta, entra e se acomoda, primeiro por meio dos computadores até finalmente chegar aos smartphones da classe média. A tecnologia entrega aos brasileiros a informação e proporciona (até certo ponto e até certas classes sociais) o acesso. No patamar mundial, a revolução digital aflorou o narcisismo, a alta exposição, a glorificação de corpos, de experiências e bens materiais e trouxe como costume a velocidade chamada "imediato".

A combinação de uma classe média que ascendeu, junto a setores comerciais microeconômicos, comércios locais e pequenos empreendedores, com a tecnologia e o imediatismo como velocidade, criou uma geração de profissionais plenos/juniores com senioridade na autoridade digital. Em diversos setores pode-se perceber o destaque de alguns profissionais que virtualizaram seu trabalho e criaram autoridade nas mídias sociais, desde a área de marketing até a ortodontia. Na advocacia não seria diferente. O problema desse contexto é que essa suposta autoridade muitas vezes pode ser questionada. Vários desses advogados são juniores na experiência profissional, mas se desenvolveram na era do Instagram e, por isso, nesse ambiente, vendem sua experiência jurídica com uma senioridade inexistente. Importante ressaltar que os compradores dos produtos dessa nova advocacia não são apenas autores, réus, contratantes e contratados, mas também são outros advogados, juniores ou não, que querem a fórmula mágica do sucesso da autoridade digital e da captação. 

Cada dia mais profissionais das mídias sociais crescem, captam e vendem suas fórmulas, criando um ciclo vicioso em que sua autoridade na área jurídica não é (e nem pode ser) validada pela sua rede social, mas ainda assim a auto exposição e o ambiente das mídias sociais proporcionam a criação desse outro mercado: o advogado CEO do seu escritório, que pode ser uma mesa e uma cadeira da própria casa, que vende a fórmula de como ser CEO. Nesse sentido, cresce o número de jovens advogados que não querem trabalhar como associados ou sócios de serviço, no máximo estagiar, a fim de empreender e abrir o próprio escritório, desesperados para não serem empregados, não se submeterem a chefes ou trabalharem para uma participação nos lucros que julgam injusta. Diante disso, jovens profissionais renegam os processos comuns de aprendizado e de desenvolvimento de carreira, substituindo essa experiência pela ideia de que é melhor ser CEO de si mesmo, arcar com os riscos e pagar por eles, financeiramente ou não, sem conhecer seu auto limite de trabalho, estresse e o que realmente estão dispostos a arriscar, colocam tudo em risco e chamam isso de empreendedorismo, com selfies de café e scarpin nos stories a cada dia. A realidade, por vezes, pode não ser bem essa. A dificuldade de uma captação em conformidade com o Código de Ética, as oscilações no mercado e em cada área de atuação, a insegurança do dinheiro incerto ao invés do salário e os distratos contratuais inesperados muitas vezes não estão expostos no Instagram. Ainda assim, não existe problema em desejar ter um escritório, ser sócio do próprio negócio, tampouco de empreender. O problema é buscar conhecimento para fazer isso ou justificar essa escolha profissional apenas com base no que é visto nas mídias sociais, pelos advogados e advogadas digitais, tendo por base o imediatismo de chefiar a si mesmo em uma atividade tão complexa como o exercício da advocacia. As perguntas que ficam e que deveriam prevalecer para toda a jovem advocacia é: "Qual é de fato o grau de experiência e conhecimento daquele advogado que vende o curso de captação?" "Enquanto profissional e jovem advogado, existe maturidade emocional, de carreira e expertise para atender demandas da minha área?".

Apesar disso, conforme já mencionado, não apenas o mercado jurídico mudou, mas os diversos setores da economia se desenvolveram causando impactos diferentes nos seus ecossistemas. O desenvolvimento da microeconomia de cada cidade e da advocacia local, incluindo aquela traduzida em perfis de Instagram, geram impactos microssistemáticos extremamente positivos dentro da realidade daquele comércio local. Nesse sentido, as mídias sociais também oferecem uma oportunidade a mais para profissionais se lançarem no mercado de trabalho em caso de áreas saturadas, como a advocacia, por exemplo, que significou para muitos uma porta de entrada para mostrar seu trabalho e conquistar clientes de maneira gratuita. Além disso, a forma como a advocacia digital atende empresários, pessoas físicas e jurídicas de diversos portes e o acesso e aproximação dessa captação digital é de grande ganho para o mercado jurídico, que se vê em fase de renovação, bem como para todos os setores, contribuindo positivamente para a economia local daquele ecossistema. Não é correto desvalorizar os advogados que têm utilizado do meio virtual para captar, demonstrar autoridade, expertise e para valorizar a sua marca. O que não pode se subentender, em específico para os graduandos e jovens advogados, é que o advogado com uma forte presença digital necessariamente tem uma vasta experiência e conhecimento na sua atuação, ou seja, a diferença entre o know-how profissional e o digital precisam ser conhecidos e alinhados para o público.

A geração atual de jovens profissionais, de todos os setores, traz consigo o fardo da despreocupação na construção durante a caminhada profissional e a atenção redobrada, a preocupação minuciosa com o mostrar e com o exibir, porque a cultura comportamental das mídias sociais impõe o exibicionismo imediato, aqui e agora. Entretanto, ao estruturar e escolher caminhos profissionais, é essencial nortear essa caminhada com cuidado, paciência e com a certeza de que o profissionalismo e a autoridade vêm depois do aprendizado, que ainda assim anda de mãos dadas com todas as fases da vida profissional. A escolha consciente, feita com parâmetros reais do cotidiano empírico, é capaz de conduzir jovens advogados àquilo que é uma ótima escolha para cada um, incluindo a possibilidade de empreender e abrir um escritório quando recém-formado. De qualquer forma, essa escolha não pode seguir apenas Instagrans, mas a vida além do digital.

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t*Lorena Ribeiro Palheta Frederico é advogada, 26 anos, formada em 2018. 

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