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O efeito interruptivo dos embargos de declaração e a sua conversão em agravo interno

Os embargos de declaração interrompem o prazo recursal, para a parte contrária, mesmo quando convertidos em agravo interno?

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Atualizado em 22 de outubro de 2020 10:39

O efeito de interrupção do prazo recursal quando opostos embargos de declaração decorre de clara aplicação do atual art. 1.026 do Código de Processo Civil (CPC) e representa uma forma de segurança tanto para aquele que se utilizou dos embargos e que por isso pretende, o aperfeiçoamento da decisão impugnada - seja para suprir omissão, esclarecer obscuridade ou eliminar contradição - como também para a parte contrária, que poderá aguardar a integração promovida pelo julgamento dos embargos, para assim ter o seu prazo recursal reiniciado. Desta forma, o efeito interruptivo operado pelos embargos de declaração, é sem dúvida, uma garantia de que ambas as partes, após apreciado o recurso de embargos de declaração, terão reiniciado o prazo para interposição do recurso que, aí sim, terá como objetivo principal, a reforma ou a anulação da decisão. O CPC consagrou a possibilidade, já utilizada pela jurisprudência, de se conhecer dos embargos de declaração como agravo interno, nos casos em que, originariamente, os embargos de declaração fossem dirigidos contra decisão monocrática no âmbito dos tribunais. Assim, se o relator entender que, na verdade, o conteúdo constante na peça recursal apresentada pelo recorrente revela o objetivo claro de uma reforma ou anulação da decisão unipessoal, ou, dito de outra forma, o objeto do recurso não caracteriza propriamente hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, deverá o recorrente ser intimado para promover adequação da peça processual apresentada para agravo interno, recurso cabível das decisões monocráticas do tribunal, que, por sua vez, remete a questão para análise de órgão colegiado.

De início, é de se frisar que a hipótese prevista no § 3º do art. 1.024 do CPC, não confere ao julgador uma discricionariedade. Isto é, verificado que se pretende, através dos embargos ofertados, uma modificação da decisão que não decorre propriamente das hipóteses típicas do seu cabimento, deve o julgador oportunizar ao recorrente a adaptação, ou na linguagem do texto legal, a complementação, das razões recursais realizando o processamento do recurso como o de agravo interno, procedendo-se, daí por diante, o determinado no art. 1.021 do CPC. Pela redação do dispositivo legal, em claros termos mandamentais, não se pode inferir a possibilidade de uma negativa dessa adequação/complementação pelo recorrente.

Diante disso, deverá o recorrente ser intimado, para, no prazo de 5 (cinco) dias, fazer a adaptação (ou a complementação), consistente na impugnação especificada dos fundamentos constantes na decisão unipessoal (na forma do art. 1.021 § 1º do CPC). Verifica-se que tal adaptação é necessária, uma vez que, no recurso de embargos de declaração, por ser espécie recursal de fundamentação vinculada, necessariamente, por mais que se reconheça a possibilidade de efeitos infringentes (modificativos), houve alguma correlação (ou pretensa correlação), feita com as hipóteses especificas do seu cabimento. Deve-se, contudo, tomar cuidado para evitar a conversão desmedida e de forma irrestrita, gerando inclusive um custo maior às partes. Ou seja, simplesmente receber todo e qualquer embargos declaratórios que possam gerar modificação da decisão como sendo agravo interno, ficando sujeita a parte de proceder, em consequência, ao regular preparo.

De todo o modo, o pronunciamento judicial previsto no dispositivo legal é cogente tanto em relação a sua necessidade de existência formal no processo como também para o cumprimento, pelo ora recorrente de apresentar a "complementação" exigida1. Porém, é possível dizer que tal pronunciamento gerará efeito também para a parte que não recorreu, conforme será abordado a partir de agora.

A questão interessante na aplicação da fungibilidade neste caso e que não está expresso no Código, refere-se a interrupção do prazo recursal, essencialmente para a parte que não se utilizou do recurso de embargos de declaração, diante da postura da parte contrária, ora recorrente (que apresentou os embargos de declaração, ora recebidos como agravo interno),

Passa-se a exemplificar, de modo que possa ser aferida a sua aplicação e contexto práticos: Proferida uma decisão monocrática no tribunal, João opõe embargos de declaração, no prazo legal, com claro objetivo de reforma da decisão. José, parte contrária, ciente do efeito interruptivo operado pela interposição tempestiva dos embargos declaratórios, deixa de apresentar, por ora, o seu agravo interno com o objetivo de viabilizar o seu futuro recurso especial. Pois bem. O relator, diante dos embargos de declaração opostos por João, aplica o § 3º do art. 1.024, exteriorizando o recebimento dos embargos de João como agravo interno e dirigindo intimação para adequar/complementar as razões. Indaga-se: o prazo para José (que não apresentou qualquer recurso tendo em vista a oposição dos embargos declaratórios tempestivos do João) foi, de fato, interrompido, tendo em vista a posterior conversão dos embargos de declaração do João em agravo interno?

Parece que não há como negar a interrupção do prazo dos embargos de declaração até o pronunciamento do julgador em receber os embargos declaratórios como agravo interno. Isto é, o efeito interruptivo decorrente da lei é gerado a partir do momento que os embargos de declaração foram opostos (tempestivamente opostos). A questão assume importância, mormente pelo fato de que, na prática, a fungibilidade aplicada em virtude do art. 1.024, § 3º do CPC, poderá ser manifestada nos autos após o decurso de prazo, em muito superior, a qualquer outro prazo recursal previsto na lei. Ou seja, o problema apareceria especialmente para a parte contrária que não apresentou qualquer recurso.

Não parece lógico que a parte contrária, tenha contra si, uma preclusão decorrente da frustração de um efeito interruptivo ope legis, ainda mais se tratando de aplicação, por um lado, de um princípio - fungibilidade - que tem como objetivo aproveitar ao máximo o ato processual praticado pela parte contrária (aquela que tempestivamente opôs embargos de declaração). Ao que parece aquilo que é princípio justamente para beneficiar uma parte (de ter o seu ato processual considerado como juridicamente existente e regularmente aproveitado), não pode servir, por outro lado, para prejudicar a parte contrária, que por sua vez, confiou nas consequências legais, advindas do ato realmente praticado por seu adversário nos autos.

Da mesma forma, depois de pronunciado o julgador, pelo recebimento do recurso como agravo interno, também não se mostra razoável, emprestar a esse recurso (agora tratado como agravo interno para todos os fins), um efeito próprio pertencente a outra espécie recursal. Ou seja, também não seria correto dizer que, nesta hipótese, o prazo recursal para a parte contrária permaneceria interrompido até o julgamento do agravo interno (resultante da conversão dos embargos de declaração).

É de se chegar, portanto, a uma conclusão que possa assegurar tratamento isonômico às partes, atendendo a boa-fé processual e evitando que uma delas sofra prejuízo pela interposição de recurso pela parte contrária, considerada, pelo julgador como "via inadequada". Da mesma forma, não é crível que seja atribuído o peso de julgamento à parte que não recorreu, para em verdadeira análise subjetiva dos argumentos apresentados pela outra parte (que apresentou os embargos de declaração), se chegar a rápida conclusão que, na verdade, o dito recurso deverá ser recebido futuramente pelo relator como agravo interno. No contexto e principiologia do processo civil moderno, não há como impor tal encargo a uma das partes. O benefício da aplicação da fungibilidade não pode ser utilizado para prejudicar a parte contrária.

Deve-se tomar cuidado, com alguma tentativa de aplicação do entendimento jurisprudencial dos casos de intempestividade dos embargos de declaração. Não são situações que possam ser aproximadas para gerarem idênticas conclusões. Vejamos.

É sólida a jurisprudência que reconhece que a intempestividade dos embargos declaratórios não gera o efeito interruptivo para interposição recursal. Porém, também é de se ressaltar que o STJ já afastou tal entendimento quando a verificação da tempestividade resultar em análise mais complexa2. Ou seja, a linha de raciocínio que permite desconsiderar o efeito interruptivo guarda relação com a complexidade e objetividade dos fatos. Não se pode querer estender essa linha de entendimento para o caso sob análise, pois não se está diante de um critério objetivo, sequer simples. Ora, a interpretação da argumentação exposta na peça recursal - dos embargos de declaração opostos por uma das partes - não pode ser encargo da parte contrária para se definir sobre a interrupção do prazo (interrupção esta, frisa-se, decorrente de texto legal)

No caso ora analisado, parece claro que não se permite a analogia com a linha de interpretação adotada quando da intempestividade dos embargos, uma vez que, não se pode dar à parte adversa, o encargo puramente subjetivo de se fazer uma análise de mérito dos embargos de declaração opostos pela outra parte, no intuito de saber se confiará ou não no efeito interruptivo. E mais: o comando que permite a aplicação da fungibilidade é dirigido, por óbvio, ao julgador, se entender ser o agravo interno o recurso cabível, diante do inconformismo da parte recorrente3 Não se pode transferir esse exercício de futurologia para a parte contrária (ainda mais como sendo um dever)

Portanto, parece justo, adequado e totalmente alinhado com a principiologia do atual código processual, que a interrupção do prazo recursal, nesta hipótese, opere seus efeitos regulares até o pronunciamento, pelo julgador, da aplicação do art. 1.024 § 3º do CPC. A partir deste momento - do pronunciamento previsto no art. 1.024 § 3º do CPC - cientificada portanto ambas as partes do processo, é que, reiniciará, para a parte contrária, o seu prazo regular para apresentação de recurso.

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1 PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTIMAÇÃO PARA COMPLEMENTAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS NOS TERMOS DO ART. 1.024, § 3o. DO CÓDIGO FUX. APRESENTAÇÃO INTEMPESTIVA. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR NÃO CONHECIDO. 1. Verifica-se que a parte ora agravante, para fins de recebimento dos seus Embargos de Declaração como Agravo Interno, foi intimada para complementar as suas razões recursais, no prazo de cinco dias, nos termos do art. 1.024, § 3º do Código Fux. Entretanto, consoante certidão de fls. 335, a petição somente foi apresentada após a fluência do prazo recursal. Assim, diante da intempestividade verificada, não há como conhecer do recurso. Precedentes: AgInt no AREsp. 833.341/GO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 30/8/19; EDcl no AgInt no AREsp. 1.432.867/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 19/9/19. 2. Agravo Interno do Particular não conhecido. (AgInt no AREsp 1.438.700/SP, rel. ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª turma, julgado em 8/6/20, DJe 17/6/20)

2 PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS. PRESSUPOSTOS RECURSAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO INTEMPESTIVOS. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE NOVOS RECURSOS. I - Quanto ao embargante, os embargos de declaração intempestivos não interrompem o prazo para a interposição de novos recursos, mas interrompem, quanto ao embargado, que não tem como verificar de plano a referida intempestividade. II - Recurso Especial provido. (REsp 869.366/PR, rel. ministro Sidnei Beneti, 3ª turma, julgado em 17/6/10, DJe 30/6/10)

3 Neste sentido, sobre a impossibilidade de se impor a parte um exame subjetivo para assegurar o efeito interruptivo, pode ser estendido ao caso, o que já foi asseverado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. RECEBIMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM PEDIDO DE EFEITO MODIFICATIVO COMO MERO PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 538 DO CPC. RECURSO PROVIDO. 1. Configura violação ao art. 538 do CPC o recebimento de embargos de declaração como mero "pedido de reconsideração", ainda que contenham nítido pedido de efeitos infringentes. 2. Tal descabida mutação: a) não atende a nenhuma previsão legal, tampouco aos requisitos de aplicação do princípio da fungibilidade recursal; b) traz surpresa e insegurança jurídica ao jurisdicionado, pois, apesar de interposto tempestivamente o recurso cabível, ficará à mercê da subjetividade do magistrado; c) acarreta ao embargante grave sanção sem respaldo legal, qual seja a não interrupção de prazo para posteriores recursos, aniquilando o direito da parte embargante, o que supera a penalidade objetiva positivada no art. 538, parágrafo único, do CPC. 3. A única hipótese de os embargos de declaração, mesmo contendo pedido de efeitos modificativos, não interromperem o prazo para posteriores recursos é a de intempestividade, que conduz ao não conhecimento do recurso. 4. Assim como inexiste respaldo legal para se acolher pedido de reconsideração como embargos de declaração, tampouco há arrimo legal para se receber os aclaratórios como pedido de reconsideração. Não se pode transformar um recurso taxativamente previsto no art. 535 do CPC em uma figura atípica, "pedido de reconsideração", que não possui previsão legal ou regimental. 5. Recurso especial provido. (REsp 1.522.347/ES, rel. ministro Raul Araújo, corte especial, julgado em 16/9/15, DJe 16/12/15)

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 *Scilio Faver é advogado, sócio do escritório Vieira de Castro, Mansur & Faver Advogados.

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