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STF e a nova posição sobre a tributação de softwares

Lucas Tavares

O STF está alterando completamente a sua interpretação a respeito da natureza jurídica das operações de licenciamento de softwares que havia consolidado desde 1998.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Atualizado às 09:17

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No início desse mês, o STF formou maioria para declarar inconstitucional a incidência do ICMS sobre o licenciamento e cessão de uso de softwares em geral, declarando que tais operações se encontram exclusivamente no campo de incidência do ISS.

O julgamento envolveu a análise conjunta de duas ações diretas de inconstitucionalidade:

  • ADIn 1.945, de relatoria da min. Cármen Lúcia, na qual se discute a inconstitucionalidade de dispositivos da lei estadual 7.098/98, editada pelo Estado do Mato Grosso do Sul, que instituíram a cobrança de ICMS sobre operações com softwares, inclusive as realizadas por transferência de dados, no território do estado.
  • ADIn 5.659, de relatoria de min. Dias Toffoli, em que se debate a inconstitucionalidade do decreto estadual 46.877/15 e interpretação conforme do art. 5° da lei 6.763/75; do art. 1°, I e II, do decreto 43.080/02, ambos do Estado de Minas Gerais; para o fim de excluir as operações com software da incidência do ICMS no estado.

O voto até então vencedor foi proferido pelo min. Dias Toffoli, na condição de relator na ADIn 5.659 e redator da divergência na ADIn 1.945, sendo acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e, em parte, pelo min. Marco Aurélio.

Em voto bem fundamentado, no qual foram trazidos diversos conceitos contemporâneos do setor de tecnologia, o min. Dias Toffoli concluiu que o licenciamento de softwares, apesar de se tratar de uma operação mista, na qual também é realizada uma obrigação de dar (fornecimento do software), em sua essência se trata de uma prestação de serviço. Isto porque envolve relação de trato continuado, que demanda esforço intelectual humano do fornecedor desde a concepção do programa até momento posterior à aquisição pelo consumidor final, como por exemplo ocorre na disponibilização de atualizações e suporte.

Na visão do ministro, a atual posição da Suprema Corte, pautada no RE 176.626 (rel. min. Sepúlveda Pertence, 1ª turma, DJ 11/12/98), sobre a necessidade de distinção do tratamento tributário a ser dado aos softwares de prateleira e aqueles customizados ou por encomenda, não proporciona a necessária segurança jurídica e neutralidade fiscal que é esperada do sistema tributário nacional.

Para ele, a lei complementar 116/05, ao instituir o item 1.05 (Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação) em sua lista anexa, é suficiente para demonstrar que a intenção do legislador foi de incluir o licenciamento de softwares no campo de incidência do ISS, sem necessidade de distinção das características próprias do programa.

Com isso, o ministro conclui que toda e qualquer operação envolvendo o licenciamento ou cessão de uso de softwares deve ser submetida ao recolhimento do ISS, independentemente da forma como os programas são desenvolvidos (padronizada ou customizada) e disponibilizados (se por transferência de dados ou na nuvem).

Saem vencidos do julgamento, até então, a min. Cármen Lúcia e os min. Edson Fachin e Gilmar Mendes. Para os dois primeiros, o licenciamento de software não representa necessariamente um serviço disponibilizado e, sim, pode ter natureza de venda de mercadoria. Para o min. Gilmar Mendes, a solução ao caso seria observar a posição já consolidada no STF: incidência de ICMS sobre os softwares de prateleira e ISS nos softwares customizados.

O min. Marco Aurélio, também em voto robustamente fundamentado, conclui ser a favor da incidência exclusiva de ISS sobre as operações com software. Contudo, diverge do entendimento do rel. min. Dias Toffoli quanto à modulação dos efeitos das decisões. Para ele, ''lei inconstitucional é lei natimorta'', e, portanto, nunca poderia ter produzido efeitos no mundo jurídico.

O min. Dias Toffoli, acompanhado por mais quatro ministros, defende a modulação dos efeitos das decisões proferidas em ambas as ADIn para a partir da data de publicação da ata de julgamento.

Ao final da sessão, o min. Luiz Fux, último a votar, solicitou vista dos autos, se comprometendo a incluí-los em julgamento na primeira sessão posterior ao ingresso do min. Kassio Nunes na Corte, aprazada para esta quinta-feira (05/11). O julgamento das ADI deve ser retomado, portanto, no dia 11/11/20.

Apesar de o julgamento não ter sido finalizado, já podemos concluir que o STF está alterando completamente a sua interpretação a respeito da natureza jurídica das operações de licenciamento de softwares que havia consolidado desde 1998.

Tal posição, embora em primeiro momento seja favorável aos contribuintes - pois as alíquotas do ISS são incontestavelmente inferiores a do ICMS -, pode gerar impacto na esfera federal, trazendo novos elementos para a Receita Federal do Brasil sustentar, por exemplo, a exigência do IRRF e da CIDE-Royalties nas operações de aquisição de softwares de prateleira do exterior para revenda, temas que hoje estão sendo questionados pelos contribuintes no Judiciário com resultados positivos.

O momento, portanto, é de cautela. A questão envolvendo a tributação das operações com softwares ainda está longe de ter um fim definitivo na Suprema Corte. Os contribuintes, neste meio tempo, devem ter atenção especial em suas operações, a fim de delimitar as especificidades dos softwares licenciados e adquiridos e ponderar o tratamento tributário a ser seguido.

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 *Lucas Tavares é advogado, sócio da área tributária do escritório Andrade Maia Advogados. Especialista em Gestão de Operações Societárias e Planejamento Tributário pela Faculdade Brasileira de Tributação - FBT.

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