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O desafio na realização de audiências e perícias por vídeo na Justiça do Trabalho

A realização de entrevista das partes pelos meios eletrônicos de comunicação é uma solução existente no momento para possibilitar a continuidade da prestação jurisdicional e a manutenção do isolamento social, visando-se a prevenção de contaminação pelo coronavírus.

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Atualizado às 08:15

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em razão da pandemia ocasionada pelo coronavírus, ocorreram diversas alterações na rotina e nos procedimentos adotados pela justiça na tramitação dos litígios. Visando o regular andamento e a prestação jurisdicional célere, uma das inovações foi a possibilidade de realização de audiências e perícias técnicas por videoconferência.

E não à toa, a internet e a tecnologia atuais contribuem muito com o cenário, pois o avanço dos meios de comunicação e a utilização das plataformas digitais estão cada vez mais acessíveis à sociedade.

Para muitos, o processo judicial em meio eletrônico, realidade vivenciada há bastante tempo na Justiça do Trabalho, já significa a quebra do paradigma da necessidade de presença física em determinado local.

A realização de entrevista das partes pelos meios eletrônicos de comunicação é uma solução existente no momento para possibilitar a continuidade da prestação jurisdicional e a manutenção do isolamento social, visando-se a prevenção de contaminação pelo coronavírus. Mas a adoção destes meios é satisfatória e eficaz em se tratando, especificamente, da produção de provas pelos litigantes?

Em relação à praticidade e à economia que a modalidade oferece, não há dúvidas sobre a redução de custos, uma vez que se torna desnecessário o deslocamento dos participantes, que muitas vezes se encontram distantes do local onde ocorrerá a solenidade - que nem sempre acaba acontecendo, em virtude de questões processuais como vícios ou ausência de uma das partes.

O mesmo em relação ao Judiciário, que reduz o gasto com diárias, manutenção dos espaços públicos e deslocamentos, contribuindo, igualmente, com a preservação da saúde da coletividade em razão da inocorrência de aglomerações junto ao órgão judiciário.

Por outro lado, embora a maioria da população tenha acesso à internet e seja portadora de um aparelho eletrônico, nem todos se enquadram nessa condição, além daqueles cujo nível de conhecimento e familiaridade com a tecnologia é restrito. Existem pessoas que não possuem conta de e-mail, tampouco as ferramentas necessárias para acessar as plataformas digitais.

Na prática trabalhista, uma audiência comum ocorre nas salas localizadas no prédio físico da Justiça especializada, havendo uma organização de partes e procuradores para ingresso, garantindo-se a incomunicabilidade entre os depoentes, além da impossibilidade do uso de aparelhos eletrônicos móveis durante a realização da solenidade. Porém, no atual cenário, com a ocorrência destes atos de modo telepresencial, alguns aspectos ainda geram insegurança e se tornam um desafio na Justiça laboral.

Tanto o é que inicialmente as audiências restaram suspensas e adiadas, aguardando a retomada das atividades presenciais. No entanto, como a incerteza e a situação de calamidade pública perduram, o Poder Judiciário não pode parar, e com o passar dos meses foram sendo implementadas novas medidas e realizados estes testes na rotina do Judiciário.

Se a audiência realizada é inaugural ou para tentativas de conciliação, a praticidade "virtual" em muito atende à necessidade e celeridade processual, por se tratar de solenidade simples em que não ocorre, via de regra, a colheita de depoimentos. Já para os casos de audiência de prosseguimento, em que as partes normalmente pretendem a produção de prova oral com a oitiva de depoimentos pessoais e de testemunhais, a análise é mais cautelosa.

Há, certamente, a preocupação quanto à legitimidade da prova colhida. Como dito, as partes podem encontrar dificuldades técnicas de acesso à internet, além de enfrentar o temor acerca da validade e valoração das provas produzidas, eis que não é possível garantir que os depoentes e testemunhas não se comuniquem.

Em se tratando das perícias cabíveis nos processos trabalhistas, em que necessário a presença das partes, destacam-se as técnicas, para verificação de condições insalubres ou periculosas junto às atividades desenvolvidas, além da possibilidade de aferição de identidade de funções quando há pedido relacionado à equiparação salarial, ou médicas, para análise do estado de saúde da parte postulante.

Com relação à esta última modalidade, não há o enfrentamento de discussões no âmbito da Justiça laboral, uma vez que o CFM (Conselho Federal de Medicina) determina que a utilização de recurso tecnológico por médico perito judicial, sem exame direto no periciado, afronta o Código de Ética Médica.

Quanto às perícias técnicas de insalubridade e periculosidade, o que ocorre na prática é que muitos peritos, devido à atuação habitual em inspeções, já carregam consigo o conhecimento dos locais e setores de trabalho de determinadas empresas, o que muitas vezes facilita vislumbrar as características do local, apenas tomando nota da versão exposta pela parte requerente e pela demandada.

Mas a praticidade também pode resultar em prejuízo para alguma das partes envolvidas, pois a matéria, embora eminentemente técnica, exige, muitas vezes, a inspeção diretamente no local de trabalho, seja para que o perito se certifique de que aquelas condições relatadas pelas partes realmente ocorreram, seja para sanar alguma dúvida ou divergência que o depoimento dos interessados tenha deixado.

A título exemplificativo: a parte postulante relata ao perito que manuseava determinada máquina, e que disso resultava o contato com agentes insalubres; a parte demandada, por sua vez, diverge da versão exposta e afirma ao perito que não havia o manuseio de tal maquinário, e que, se ocorresse, não haveria possibilidade de contato com as referidas substâncias.

Neste caso, para dirimir a questão, o perito necessitaria visitar o local de trabalho e visualizar o equipamento e sua funcionalidade, além de examinar concretamente como se dá a operação, podendo, inclusive, esclarecer pontos importantes com outros colaboradores que estejam presentes no local quando da avaliação pericial.

Mas além disso, subsiste a preocupação das partes quanto à comunicabilidade, uma vez que os advogados, embora autorizados a acompanhar a inspeção técnica, não podem interferir na realização da perícia, sendo-lhes proibido indagar ou mesmo contribuir, de qualquer forma, com as versões narradas pelas partes.

E, diante do contexto, igualmente não há garantia de que as partes não se comuniquem quando da entrevista telepresencial, eis que comumente a parte postulante participa da perícia no mesmo ambiente em que está seu procurador, havendo, ainda, a possibilidade da comunicação por meio de aplicativos de conversação via celular.

O ideal seria que, além de o Estado fornecer instrumentos e soluções durante a pandemia, nesse aspecto, fosse igualmente permitido às partes litigantes, e interessadas na solução do processo, o direito de escolha quanto ao resguardo na produção de suas provas e de ver maior controle nas da parte contrária.

De uma maneira geral, pode-se dizer que a experiência vem dando certo, de modo que as partes se adaptam à nova realidade e que, havendo impossibilidades de participação, desde que devidamente justificadas, os juízes costumam reconsiderar a designação e aguardar para marcar nova data.

E tanto o é que a recente inovação trazida pela portaria 3.857/20 (publicada em outubro) possibilita a realização das audiências de forma mista, a partir de 12 de novembro, com a observância do Mapa do Distanciamento Controlado, etapas do retorno gradual e demais normas de segurança. 

Ou seja, faculta às partes e a seus procuradores o comparecimento de forma presencial e/ou telepresencial.

A medida vem em boa hora, pois de certa forma reduz a fragilidade quanto às audiências de instrução virtuais, uma vez que a prática adotada pelos juízes, de uma forma geral, é a determinação para que aqueles que prestarão depoimento compareçam presencialmente em juízo. De tal forma, a tendência é que os procuradores optem por acompanhar seus representados, igualmente de forma presencial.

Cada caso concreto deve, pois, ser apreciado com suas peculiaridades e complexidades, e para evitar futuras nulidades processuais e a consequente repetição de atos, o que alastraria o litígio no tempo, a realização de audiências, especialmente de instrução processual, embora permita o avanço do processo, deve ser realizada com as devidas cautelas e observações legais.

Com relação às perícias, de igual forma, quando se mostrar necessária a inspeção diretamente no local de trabalho, o direito deve ser resguardado às partes, possibilitando que o perito nomeado pelo juízo verifique, de perto, as condições do ambiente laboral para esclarecer pontos controvertidos ou que se mostrem insuficientes à conclusão do tema.

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 *Tainá Franck Sarmento é advogada sócia da Área Trabalhista do escritório Silveiro Advogados, especialista em Direito e Processo do Trabalho.

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