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Vacinação obrigatória não é vacinação forçada

O direito reaparece como instrumento de coordenação para se atingir o bem comum, mas antes dele temos a moral e o decoro.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Atualizado às 09:05

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O Plenário do STF decidiu no dia 17/12 que a vacinação contra a Covid-19 poderá ser obrigatória desde que exista uma lei (Federal, estadual ou municipal) nesse sentido. Com a decisão, a União, os Estados e os municípios poderão editar leis que impõem medidas restritivas aos cidadãos que não queiram se vacinar, respeitadas as respectivas esferas de competência. 

Para o ministro Ricardo Lewandowski, a obrigatoriedade da vacinação, prevista na lei 13.979/2020, é constitucional, desde que o Estado não adote medidas invasivas, aflitivas ou coativas contra os cidadãos no plano nacional de imunização, o que violaria direitos e garantias fundamentais. É crucial que haja a manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o cidadão concorda com a aplicação do imunizante. Qualquer determinação legal, regulamentar ou administrativa de aplicá-lo sem o expresso consentimento das pessoas seria inconstitucional. 

Por isso, a vacinação compulsória não significa vacinação forçada. O próprio procurador-Geral da República (PGR) Augusto Aras reconheceu que a obrigatoriedade não é sinônimo de condução coercitiva, pois sempre se exigirá o manifesto consentimento do cidadão. Embora não se trate de imunização à força, mediante o uso de violência ou ameaça, não há na lei proibição para a adoção de medidas restritivas indiretas, previstas na legislação sanitária, como o impedimento ao exercício de certas atividades ou a proibição de frequentar determinados lugares para quem optar por não se vacinar. 

Segundo o ministro, a lei 13.979/2020 não prevê a vacinação forçada nem impõe qualquer penalidade direta em caso de descumprimento. Ela estabelece, apenas, que os cidadãos deverão sujeitar-se a eventual vacinação obrigatória que venha a ser determinada pelo Estado e que seu descumprimento acarretará responsabilização nos termos da lei. É uma lei que não impõe qualquer penalidade em caso de descumprimento por parte do cidadão. 

Em matéria penal, por exemplo, há o crime de infração de medida sanitária preventiva, consistente na infração de determinação "do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa" (art. 268), apenado com detenção, de um mês a um ano, e multa. O cidadão que infringir determinação do poder público voltada a prevenir o contágio da Covid-19 poderá responder criminalmente. Contudo, é preciso cuidado para não alargar o sentido da lei penal e fazê-la incidir onde não deve. 

A configuração do crime de infração de medida sanitária preventiva depende de prova do perigo concreto, em virtude dos princípios da proporcionalidade e da ofensividade. Não basta a simples infração e o perigo não pode ser presumido pelas autoridades, pois nem todo descumprimento à determinação do poder público colocará em risco a saúde da população. É fundamental que haja um perigo determinado. Por isso, é preciso olhar caso a caso.  

Assim, ainda que a vacinação não seja forçada, a obrigatoriedade será levada a efeito por meio de sanções indiretas como proibir o exercício de algumas atividades ou proibir que pessoas frequentem certos lugares. Ou, ainda, como é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê, por exemplo, a obrigatoriedade da "vacinação de crianças nos casos recomendados pelas autoridades", estabelecendo penas em dinheiro àqueles que descumprirem "os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda" dos menores (arts. 14, § 1º e 249). 

Em último caso, portanto, mas que deve ser pensado excepcionalmente e com vistas a evitar abusos do Estado, a legislação penal dispõe do crime de infração de medida sanitária preventiva. Em suma, além da hipótese criminal, que é excepcionalíssima, o que não pode haver, repita-se, diante da obrigatoriedade da vacina, é a coação, o constrangimento ou a adoção de medidas invasivas contra as pessoas, apenas outras medidas restritivas indiretas, previstas na legislação sanitária, como o impedimento ao exercício de certas atividades ou a proibição de frequentar determinados lugares aos que escolherem não se vacinar; ou, ainda, outras medidas futuramente legisladas pelos entes federativos. 

De todo modo, fica a reflexão de que, diante de uma pandemia que nos isolou socialmente, vimos ressurgir a necessidade de valorizar à vida social. Sentimos na pele que dependemos uns dos outros. O direito reaparece como instrumento de coordenação para se atingir o bem comum, mas antes dele temos a moral e o decoro. Mas só a lei nos obriga independente das nossas opiniões pessoais. Ela é imperativa. Os cidadãos precisam, urgentemente, reconhecer seus deveres ao viver em sociedade. De fato, "o egoísmo não é compatível com a democracia"1.

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1 Voto da Ministra Carmen Lucia.

Felipe Chiavone Bueno

Felipe Chiavone Bueno

Advogado Criminalista. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Pós-graduado em Direito Processual Penal. Mestrando em Direito Penal na PUC/SP. Comissão Especial de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/SP.

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