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O aproveitamento da coisa julgada pelos credores solidários

O atual Código Civil, Lei nº 10.406, de 11 de janeiro de 2002, em matéria de solidariedade ativa, inovou em relação ao seu antecessor no que diz respeito à questão do aproveitamento do julgamento favorável a um dos credores solidários por parte dos demais.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Atualizado em 14 de janeiro de 2007 11:53


O aproveitamento da coisa julgada pelos credores solidários

Roberto Luiz Corcioli Filho*

1. Visão geral do assunto

O atual Código Civil, Lei nº 10.406 (clique aqui), de 11 de janeiro de 2002, em matéria de solidariedade ativa, inovou em relação ao seu antecessor no que diz respeito à questão do aproveitamento do julgamento favorável a um dos credores solidários por parte dos demais.

Conforme o seu art. 274, "(o) julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve".

De imediato, transparece a obscuridade e a falta de técnica redacional presentes na norma em questão.

A primeira parte do art. 274 somente reafirma a regra geral acerca dos limites subjetivos da extensão do fenômeno da coisa julgada (cf. art. 472, primeira parte, do Código de Processo Civil (clique aqui)), não trazendo qualquer novidade para o sistema.

Já a segunda parte do referido artigo, sobre a qual serão feitas algumas considerações neste breve estudo, prevê justamente a extensão dos efeitos da coisa julgada para além das partes.

Trata-se da famigerada res judicata secundum eventum litis. Isso porque o julgamento proferido em demanda evolvendo a cobrança de obrigação solidária somente atinge os credores que não tenham sido parte caso haja sido favorável ao demandante (seu co-credor solidário).

O problema está na condição imposta pelo Código para que seja possível esta extensão. Conforme o mencionado artigo, o julgamento favorável aproveita aos demais credores, "a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve".

Valendo-se de uma interpretação literal do dispositivo não é possível auferir qualquer conclusão que favoreça ao entendimento do texto. Falar em julgamento favorável fundado em exceção pessoal ao credor que o obteve é contraditório, uma vez que somente se tem julgamento favorável justamente se a eventual exceção - que nada mais é do que defesa - levantada pelo demandado (devedor) tenha sido afastada.

Ou seja, sob o ponto de vista estritamente lógico, o que a mencionada norma está a dizer é que o julgamento favorável não beneficiará aos demais credores solidários - terceiros quanto à demanda que produziu tal julgamento - na hipótese de ter sido produzido com o afastamento de defesa pessoal. A contrário senso, concluir-se-ia que no caso de ter sido produzido o julgamento favorável com base no afastamento de defesa comum este beneficiaria aos demais credores.

Esta seria a conclusão a partir de uma interpretação lógica, porém hermética, do dispositivo em comento.

2. Interpretação teleológica do dispositivo

Não obstante, à primeira vista, a interpretação do art. 274 do Código Civil, conforme feita acima, ser inteligível e aceitável, por outro é necessário tem em mente que não é dado ao interprete restringir o seu labor a uma análise lógica e hermética de seu objeto de estudo.

A hermenêutica deve estar centrada no método teleológico para que seja possível preservar a coesão de todo o sistema, ao mesmo tempo em que os próprios fins do Estado, expressos em seu conjunto de normas, possam ser atingidosi.

E é justamente por meio de uma interpretação teleológica da norma insculpida na segunda parte do art. 274 do Código Civil que se conclui que a observância do critério do tipo de defesa deduzida pelo demandado como determinante para a extensão dos efeitos da coisa julgada aos demais credores é inconsistente sob o ponto de vista da coesão do sistema.

Se é autorizada a imunização da decisão, em relação aos co-credores solidários, proferida quando o devedor se defendeu por meio de exceção comum, e viu sua defesa não prosperar, com igual razão deve ser recrudescida a decisão na hipótese de sequer ter sido levantada defesa alguma.

Mais ainda, se o julgamento que se baseou no afastamento de exceção comum - que justamente serve para a defesa contra qualquer dos credores - é passível de imunização em relação aos outros credores solidários, com maior razão deveria ser possível a extensão da coisa julgado nos casos de terem sido afastadas as chamadas exceções pessoais - que justamente são oponíveis somente contra o credor-demandante, e não contra os demais credores solidários.

Ao alegar somente defesas pessoais o devedor está a sinalizar que não possui qualquer defesa comum contra aquele credor que o demandou. Portanto, pela própria natureza de tal defesa, também não a terá contra os demais credores solidários.

E não se argumente que o princípio da eventualidade da defesa determinaria que no caso de não ter sido afastada a defesa comum - pelo fato de não ter sido levantada - não seria possível o aproveitamento da coisa julgada por terceiro, uma vez que contra este o devedor, como futuro demandado, poderia optar por se valer dela. Isso porque, ao se adotar esse raciocínio, no extremo deveria ser considerado que mesmo entre as partes nunca haveria coisa julgada enquanto existissem eventuais outros argumentos não enfrentados no julgamento.

Se é certo que a opção do legislador foi pelo aproveitamento da coisa julgada por terceiro, faltou-lhe, no entanto, a coragem para fazer valer expressamente a norma do art. 474 do Código de Processo Civil, segundo a qual "(p)assada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido".

Isso, no entanto, não impede que o interprete, comprometido com o método teleológico, aplique a norma deste art. 474 para chegar à conclusão de que, existindo a presunção de afastamento de qualquer possível defesa - seja pessoal contra o credor-demandante, seja comum - em razão do julgamento procedente da demanda, opera-se a coisa julgada também em relação aos demais credores solidários, por mais que na realidade não tenha havido pronunciamento acerca das chamadas defesas comuns - e somente tenha havido afastamento de defesa pessoal, ou mesmo não tenha havido afastamento de defesa alguma, como no caso de o réu ser revel.

Condicionar a extensão da coisa julgada ao resultado da demanda é perfeitamente aceitável no sistema - conforme o fenômeno da coisa julgada secundum eventum litis.

Já condicionar tal extensão a eventuais tipos de argumentação de defesa é entender que haveria uma "causa de pedir" estipulada pelo demandado - o que é de extrema impropriedadeii.

Conclui-se, portanto, que não poderá ser o tipo de defesa levantada contra o credor-demandante que condicionará a possibilidade dos demais credores valerem-se do julgamento proferido a favor daquele.

3. O verdadeiro papel da defesa pessoal

Após essa explanação surgiria a dúvida sobre o verdadeiro papel da defesa pessoal no que concerne à extensão da coisa julgada aos demais credores solidários.

Neste sentido, cabe analisar o outro lado da relação. Justamente as defesas que em tese o devedor poderia levantar contra os outros credores solidários.

Se é certo que as defesas comuns, discutidas ou não na demanda anterior, não poderão ser mais deduzidas, pois sobre estas haveria a imunização também em relação aos credores solidários, não menos correto é afirmar também que as defesas de caráter pessoal deduzidas contra o credor que obteve o julgamento favorável não poderão ser obviamente usadas contra os outros co-credores solidários - pelo simples fato de serem pessoais ao credor que demandou (conforme o art. 273, "(a) um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais oponíveis aos outros").

Portanto, restaria esclarecer justamente a situação de eventuais defesas pessoais passíveis de serem levantadas contra os outros credores solidários.

De plano, parece evidente que a existência de eventuais exceções pessoais contra os co-devedores solidários não autorizaria a execução incontinenti do julgado obtido em processo no qual tais exceções não foram e nem poderiam ter sido objeto de discussão - não tendo sofrido, portanto, a imunização nos termos do art. 474 do Código de Processo Civil.

Assim, os co-credores solidários somente não poderão aproveitar-se do julgamento anterior caso sejam levantadas defesas pessoais contra estes. E, na verdade, o melhor seria dizer: não poderão aproveitar-se totalmente do julgamento anterior. Isso porque, de todo modo, as defesas comuns não mais serão passíveis de apreciação - mesmo que não discutidas anteriormenteiii.

4. Procedimento

Por fim, resta saber como os co-credores solidários realizariam o aproveitamento do julgamento anteriormente proferido.

Para a solução desta questão devem ser levados em conta tanto o princípio da economia processual quanto a regra que preconiza o menor sacrifício possível à parte que sofrerá a constrição patrimonial.

Seja considerando correta a habilitação dos credores solidários diretamente no processo vencido por um deles, com o fim de já requerem o cumprimento do julgado - sendo que eventuais defesas pessoais seriam argüidas em sede de impugnação -, seja admitindo que o mais acertado seria o ajuizamento de demandas diversas, nas quais seriam deduzidos os pedidos de reconhecimento da extensão da coisa julgada anterior, o fato é que tais credores solidários já não terão o ônus de provar as questões comuns àquele que obteve julgamento favorável - tenham ou não sido objeto de discussão direta (conforme art. 474 do Código de Processo Civil).

5. Conclusão

Conclui-se, do exposto, que outra não pode ser a interpretação da norma do art. 274, segunda parte, do Código Civil, a não ser aquela que conduz a considerar que, no caso de julgamento favorável a um dos credores solidários, os outros poderão valer-se da decisão no que lhes for comum. Tudo com vistas a evitar decisões conflitantes sobre o mesmo objeto, favorecendo a crença na jurisdição como fator de pacificação social com justiça.

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iConforme C. R. DINAMARCO, A Instrumentalidade do Processo, 12a ed, São Paulo, Malheiros, 2005, p. 100, a ciência jurídica vale-se do chamado método teleológico como meio de atingir os resultados "consentâneos com os propósitos preestabelecidos".

iiE nesse sentido não há que se confundir as chamadas causas de pedir ativa e passiva com essa suposta "causa de pedir" do demandado. Sobre aquelas duas espécies de causa de pedir, vide C. R. DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, vol. 3, 2a ed, São Paulo, Malheiros, 2002, pp. 362-363.

iiiTal é a extensão da eficácia preclusiva da coisa julgada, cobrindo o deduzido e o dedutível.

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*Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo e Técnico da Carreira de Auditoria da Receita Federal.





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