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Da marca de alto renome - nova regulamentação do INPI

A marca, por definição legal, é todo signo visualmente perceptivo, destinado a distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim. O registro de marca, em regra, deve atender a alguns princípios, como o da atributividade, distintividade, veracidade, novidade relativa e especialidade.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004

Atualizado em 13 de fevereiro de 2004 15:20

Da marca de alto renome

A nova regulamentação do INPI

 

André Zonaro Giacchetta

 

Márcio Junqueira Leite*

 

I. - A Marca de Alto Renome

 

A marca, por definição legal, é todo signo visualmente perceptivo, destinado a distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim. O registro de marca, em regra, deve atender a alguns princípios, como o da atributividade, distintividade, veracidade, novidade relativa e especialidade.

 

O primeiro estabelece que a propriedade da marca se adquire pelo registro validamente expedido1, consubstanciado no certificado de registro emitido pelo INPI, respeitado o usuário anterior de boa-fé2. A distintividade, por sua vez, exige que a marca não guarde relação necessária com o produto ou serviço que assinale, devendo possuir ao menos um grau de reconhecimento passível de ser identificado pelo consumidor.

 

Pela veracidade, exige-se que o signo, por si só, indique claramente o produto ou serviço que assinala, de modo que não lese o consumidor ou o seu concorrente. Por fim, pelo princípio da novidade relativa, a marca deve ser distinta de outros signos já apropriados por terceiros, dentro de um mesmo segmento de mercado. Isso porque o registro de marca atende ao princípio da especialidade, pelo qual a proteção concedida pelo registro está circunscrita às fronteiras do gênero de atividade que designa, em suma, contra seus concorrentes.

 

Esses dois últimos princípios (novidade relativa e especialidade), contudo, comportam exceções, quando o reconhecimento da marca, pelo público consumidor, extrapola os limites do segmento para o qual foi criada, atingindo um grau tão elevado de identificação, que justifica a outorga de proteção especial, em todos os segmentos de mercado. Trata-se do fenômeno da marca notória, atualmente denominada "marca de alto renome"3. É o caso das marcas "COCA-COLA", "MARLBORO", "NIKE", entre outras.

 

II. - A Proteção e o Reconhecimento da Marca de Alto Renome

 

O antigo Código da Propriedade Industrial (Lei nº 5.772/71), em seu artigo 67, estabelecia o registro especial para marcas consideradas notórias, pois, durante a sua vigência, somente os titulares de marcas assim reconhecidas pelo INPI poderiam se valer dos privilégios dessa proteção. Havia um complexo procedimento junto ao INPI para a obtenção do registro da marca notória, que exigia a apresentação de farta documentação pelo requerente, renovação periódica e pagamento de altas taxas.

 

Com a revogação do Código da Propriedade Industrial de 1971 pela Lei nº 9.279, de 14.5.1996 ("Lei da Propriedade Industrial"), que atualmente regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial no Brasil, extinguiu-se o registro especial para as marcas notórias, o que, à época de sua edição, fora considerada uma grande inovação.

 

Embora extinto o registro específico para as marcas notórias, a Lei da Propriedade Industrial, em seu artigo 1254, garantiu expressamente a mesma proteção especial às marcas consideradas de alto renome, independentemente de qualquer registro como tal perante o INPI, eximindo os interessados de ingressarem com pedido de registro especial, bastando a comprovação "fática" da notoriedade adquirida pela marca.

 

A inovação trazida pela Lei da Propriedade Industrial despertou reações antagônicas pois, de um lado se reconhecia a extinção de uma exigência desnecessária (registro especial da marca notória) e, de outro, a existência de uma suposta lacuna legal ou procedimental do INPI, ao não estatuir um procedimento apto a regular a proteção da marca de alto renome, o que geraria insegurança jurídica e a contrafação indiscriminada das marcas famosas. Nesse sentido, diversas ações judiciais foram propostas, visando condenar o INPI a reconhecer e anotar a condição de "alto renome" de algumas marcas.

 

Antes, porém, de uma solução pacífica para a questão e em meio às pressões que o permeavam, o INPI editou, em 27.1.2004, a Resolução Nº 110/2004, que "normaliza os procedimentos para a aplicação do art. 125 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996" ("Resolução 110").

 

III. - A Resolução 110 do INPI

 

De acordo com o artigo 1º da Resolução 110, o reconhecimento e a respectiva anotação da proteção especial conferida à marca de alto renome ocorrerá por via incidental, em duas únicas oportunidades: (i) na apresentação de oposição a pedido de registro de marca de terceiro e (ii) na apresentação do processo administrativo de nulidade de registro de marca de terceiro, quando fundados na condição de marca de alto renome.

 

Não existe, portanto, a possibilidade de um requerimento direto para reconhecimento e anotação da condição de marca de alto renome, como queriam alguns, em restabelecimento do antigo registro especial da marca notória, mas apenas a possibilidade da insurgência contra atos de terceiros que pleitearem o registro de signo que colida com a marca famosa.

 

Caberá, ao requerente da proteção especial, apresentar, incidentalmente, no ato de oposição ou processo administrativo de nulidade, as provas que entender cabíveis à comprovação do alto renome, exemplificativamente listadas na Resolução 110 (artigo 5º), com destaque para: (i) o início do uso da marca no Brasil; (ii) o reconhecimento pelo público consumidor, no mercado tradicional e outros cuja fama se irradia; (iii) o valor investido em publicidade; (iv) volume de vendas; e (v) valor econômico da marca no ativo da empresa. A princípio, entendemos que deverá ser mantida a confidencialidade dos dados apresentados como suporte ao pedido.

 

A redação da Resolução 110 indica que apenas os requerentes dos pedidos de registro de marca que sofreram a oposição ou o processo administrativo de nulidade poderão impugnar o pedido de proteção especial. Caso o INPI adote tal interpretação, já existe, a nosso ver, uma falha na Resolução 110, passível de violar o princípio da isonomia.

 

Isso porque, sendo a marca de alto renome uma exceção, cujos efeitos se irradiam a diversos segmentos de mercado, sua análise não pode se restringir apenas aos litigantes administrativos. O correto e transparente seria publicar o requerimento de alto renome na Revista da Propriedade Industrial e abrir prazo para a manifestação de quaisquer terceiros interessados na demonstração da insubsistência do alto renome pleiteado, tal como ocorre com a apresentação de oposição.5

 

O requerimento incidental para o reconhecimento da condição da marca de alto renome será apreciado por uma "Comissão Especial" do INPI, ainda a ser criada, cabendo recurso à mesma Comissão em caso de deferimento ou indeferimento do pleito.

 

O reconhecimento e anotação da condição de marca de alto renome pelo INPI poderão ocorrer também nas oposições e processos administrativos de nulidade fundados na suposta violação de marca de alto renome ainda pendentes de decisão na data de publicação da Resolução 110. Facultou-se, dessa forma, a apresentação de documentação suplementar no prazo de 60 (sessenta) dias.

 

Negado o pedido de reconhecimento do alto renome, o INPI deferirá o pedido de registro que sofreu oposição ou o registro que sofrera o processo administrativo de nulidade. Uma vez acolhido, o INPI promoverá a anotação do alto renome da marca no Sistema de Marcas, que será mantida pelo prazo de 5 (cinco) anos. Durante esse período, o titular da marca de alto renome ficará dispensado da apresentação de novas provas dessa condição na esfera administrativa.

 

Outra providência do INPI, após a declaração do alto renome da marca, será a notificação à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, órgão responsável pelo registro de nomes de domínio no Brasil, a fim de que essa impeça o registro eletrônico dessas marcas por terceiros.

 

Em primeiro lugar, é importante frisar que a criação de um procedimento próprio pelo INPI, para o reconhecimento e atribuição da proteção especial das marcas de alto renome, não exclui a apreciação do artigo 125 da Lei da Propriedade Industrial pelo Poder Judiciário, a qual pode ocorrer em diversas situações, não só pelo disposto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal6, mas também pelo fato da Resolução não abarcar alguns dos conflitos existentes.

 

É o caso, por exemplo, de marca já concedida mesmo tendo sofrido (ou não) impugnação pelo titular de marca que busca a anotação de "alto renome". Nesse caso, o titular da marca famosa poderá, com base no princípio da isonomia, entre outros, requerer, por meio de ação7, não só a nulidade do registro de terceiro, mas também a declaração de alto renome da sua marca, oportunidade da qual foi privado em vista da inexistência da Resolução 110 na época da apresentação de oposição ou processo administrativo de nulidade.

 

Em relação às dúvidas geradas, a primeira diz respeito à efetividade da declaração de alto renome perante terceiros. A Resolução 110, obviamente, só dispõe sobre demandas administrativas. Poderá, o réu, em eventual ação de abstenção alegar, como matéria de defesa, a nulidade da anotação de alto renome? Em princípio sim, já que, como questão de fato, a notoriedade teria presunção relativa.

 

Outra questão que se coloca é: teriam perdido o objeto aquelas demandas que visaram a declaração de alto renome de marca pelo INPI, em vista da ausência de procedimento específico? Finalmente, uma vez reconhecido o alto renome da marca pelo Poder Judiciário, poderá o INPI ser obrigado a promover a anotação do alto renome da marca no Sistema de Marcas, em detrimento de seu procedimento interno?

 

IV. - Conclusão

 

Não se olvida que o procedimento estabelecido pela Resolução 110 facilitará o exercício da defesa do direito de exclusividade outorgado à marca reconhecida como de alto renome, pois o seu titular estará dispensado, no prazo de proteção, no âmbito administrativo, da apresentação de novas provas da condição de marca de alto renome, salvo quando assim o exigir o INPI (artigo 14, § 1º).

 

No entanto, a proteção especial conferida pelo artigo 125 da Lei da Propriedade Industrial às marcas de alto renome não deve se restringir àquelas que, como tais, forem reconhecidas e anotadas pelo INPI, pois a Resolução 110 enumerou tão-somente duas hipóteses em que se poderá reconhecer a condição de alto renome, sendo certo que o reconhecimento administrativo da notoriedade é desnecessário para o exercício do direito de exclusividade.

 

Por se tratar de exceção ao princípio da especialidade, que rege a concessão dos registros marcários e a proteção que lhes é outorgada, a marca de alto renome sem dúvida merece receber um tratamento diferenciado, pois é resultado de intenso empenho de divulgação por parte de seu titular, notabilizando-a de forma a extrapolar os próprios limites do segmento de mercado para o qual foi criada.

 

A regulamentação editada pelo INPI deve ser observada como uma reação à preocupação sobre a efetiva proteção que deve ser outorgada à marca de alto renome, mas a sua efetividade e harmonia com o sistema atributivo de propriedade da marca estabelecido pela Lei da Propriedade Industrial deverão ser desafiadas quando os primeiros inconformismos com o novo regramento forem submetidos à apreciação do próprio INPI e do Poder Judiciário, aos quais caberá a elucidação dos questionamentos aqui apontados.

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1 Artigo 129 da Lei da Propriedade Industrial

2 §1º do artigo 129 da Lei da Propriedade Industrial

3 Artigo 125 da Lei da Propriedade Industrial

4 "Art. 125. À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade."

5 Artigo 158 da Lei da Propriedade Industrial.

6 "XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"

7 Artigo 173 da Lei da Propriedade Industrial

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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

 

*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

 

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