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Aspectos controvertidos da Instrução Normativa n° 228/2002 da Secretaria da Receita Federal

Luiz Gustavo M. Moser e Márcio Vasconcellos

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Atualizado em 29 de junho de 2007 11:57


Aspectos controvertidos da Instrução Normativa n° 228/2002 da Secretaria da Receita Federal

Luiz Gustavo M. Moser*

Márcio Vasconcellos **

A Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n° 228, de 21 de outubro de 2002, dispõe sobre a verificação, mediante um "procedimento especial de fiscalização"1, da origem dos recursos aplicados em operações de comércio exterior. Em que pese o salutar pretexto de combater a fraude e sonegação de mercadorias na seara aduaneira, o dispositivo legal acaba por produzir um efeito bumerangue: transforma-se em verdadeiro entrave à prática comercial brasileira.

O procedimento especial de fiscalização realiza uma triagem entre as empresas importadoras, de modo a selecionar aquelas que revelem indícios de incompatibilidade entre os volumes comercializados e a sua capacidade econômico-financeira. No entanto, enfrenta-se aqui a primeira incoerência legislativa, já que a norma é omissa quanto aos critérios a serem utilizados na apreciação de ilícitos.

A empresa selecionada no processo investigativo é intimada a apresentar uma série de documentos que comprovem o funcionamento de suas atividades, bem como a origem lícita e disponibilidade dos recursos necessários à prática das operações - alvarás, contas, identificação dos sócios. Entregues os documentos, é realizada uma análise dos mesmos, até que se conclua a licitude das transações - o que pode levar até 180 dias2.

Uma vez convocada a integrar o chamado "Canal Cinza", a empresa terá as mercadorias comercializadas constritas, impossibilitadas, portanto, de circular, a menos que se caucione, com arrimo no artigo 7º da instrução normativa, o valor integral da mercadoria transacionada. O cerne da controvérsia repousa na obrigatoriedade da caução para o desembaraço da mercadoria. Como se não bastasse o valor caucionado ser equivalente ao preço do produto, é imperativo antecipar também o valor do frete e seguro internacional.

Enquanto o procedimento especial de fiscalização perdurar, a liberação da mercadoria somente ocorrerá mediante a apresentação de garantia em igual valor ao da importação realizada, o que deflagra uma incongruência com a dinâmica comercial, além de configurar indevida restrição aos bens da empresa, em flagrante inobservância ao due process of law. Tem-se que o procedimento especial, por sonegar a observância a direitos irrenunciáveis para a manutenção da ordem vigente, como a possibilidade do contraditório, ampla defesa e exibição de provas, intenta contra a Carta Magna, já que penaliza, a empresa antes mesmo de findo o procedimento investigativo e constatada a eventual ilicitude dos fundos ou do comportamento das partes envolvidas na transação comercial.

A abusividade da restrição à plena disposição do patrimônio do contribuinte durante o trâmite de procedimentos administrativos foi reconhecida pelo STF no recente julgamento da ADIn nº1976-7/DF. Na ocasião, discutiu-se a legalidade da exigência de garantias para o seguimento dos processos administrativos de lançamento tributário3.

Vale lembrar que a instrução n° 228/02 da SRF é ato normativo infralegal e, como tal,não tem o condão de gerar e impor obrigações em dissonância ao texto da Medida Provisória nº 2.158-35/01 (clique aqui), que regulamenta a matéria em comentário. Ocorre que o artigo 80 da referida MP delimitou as hipóteses em que pode ser exigida garantia para liberação de mercadorias: "Art. 80, II - exigir prestação de garantia como condição para a entrega de mercadorias, quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do adquirente (...)"

Não se pode exigir uma garantia de valor igual ao da importação, conjugada com o fretamento e seguro da mercadoria, sob pena de se inviabilizar a atividade comercial da empresa selecionada a integrar o famigerado "Canal Cinza". Sem falar no prejuízo incomensurável ao importador, notadamente despesas portuárias, armazenamento e estocagem e multas relativas ao prazo para a entrega do produto enquanto perdurar o procedimento de fiscalização. Neste sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já se manifestou a respeito do tema:

Tributário. Mandado de Segurança. Liberação de Marcadoria. IN Nº 228/02. Exigência de Garantia (caução).

A Instrução Normativa nº 228/02 extrapolou o comando contido na Medida Provisória 2158, que apenas autoriza a exigência de garantia como condição para entrega das mercadorias, quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do adquirente (...) Exigência de garantia superior ao valor das mercadorias assemelha-se ao confisco4.

A instrução normativa n° 228/02 da SRF, em última análise, representa um retrocesso legislativo na seara aduaneira. Em nome da louvável iniciativa de coibir práticas ilícitas no comércio brasileiro, aplica-se uma norma infralegal cuja natureza obstaculiza as transações comerciais, ao confrontar com princípios basilares esposados na Constituição Federal (clique aqui), em especial a livre disposição dos bens e a liberdade econômica.

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1 Artigo 1º da Instrução Normativa da Receita Federal n° 228/02.

2 Artigo 12, § 1º, da Instrução Normativa da Receita Federal n° 228/02.

3 ADIn nº1976-7/DF. Relator: Min. Joaquim Barbosa. STF - Tribunal Pleno. Acórdão publicado no D.O.U em 18.05.2007. Ver também, nesse sentido, Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal nº 9 de 05.06.2007, o qual dispõe sobre a inexigibilidade do arrolamento de bens e direitos como condição para seguimento do recurso voluntário.

4 Recurso de Apelação em Mandado de Segurança nº 2003.70.02.001396-9/PR. Relator: Des. Federal Dirceu de Almeida Soares. 2ª Turma do TRF4ª Região. Acórdão publicado no D.E em 17.01.2007

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*Estagiário do escritório Trigueiro Fontes Advogados

**Estagiário do escritório Trigueiro Fontes Advogados









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