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AASP e a decisão do STF sobre a videoconferência

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Da Redação

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Atualizado às 10:50


Ilegal

AASP e a decisão do STF sobre a videoconferência

Na data de ontem (14/8), a Segunda Turma do Egrégio Supremo Tribunal Federal considerou, por unanimidade, que o interrogatório realizado por meio de videoconferência é ilegal e viola os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.

Segundo a AASP, a decisão ratifica, integralmente, tese defendida há vários anos pela Associação dos Advogados de São Paulo - AASP (cf. editorial publicado no Boletim AASP de outubro de 2002), que contestou a legalidade deste procedimento por meio de mandado de segurança.

Para a AASP, a liberdade necessária ao exercício da ampla defesa jamais existirá para o réu interrogado de dentro da cadeia, cujo ambiente, pela própria natureza e por seus fins, é opressor. Onde, inclusive e eventualmente, pode ter sofrido ameaças ou mesmo violências, as quais não poderá revelar ao juiz, sob pena de se expor a represálias por parte de seus agressores, a cujas mãos será novamente entregue, tão-logo se encerre a comunicação virtual.

De outro lado, além de violar normas constitucionais e outras, decorrentes de pactos internacionais, tal prática contraria frontalmente dispositivos do Código de Processo Penal (clique aqui), que determina: "o acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado" (art. 185); "as audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados" (art. 792).

A respeito dos argumentos em favor da videoconferência, no sentido de que traria maior celeridade, redução de custos e segurança aos procedimentos judiciais, asseverou o Relator, Ministro César Peluso: "Não posso deixar de advertir que, quando a política criminal é promovida à custa de redução das garantias individuais, se condena ao fracasso mais retumbante."

  • Trechos do Boletim da AASP:

"A possibilidade de realização dos atos processuais penais, sem a presença física do réu preso, tem seduzido muitas pessoas, inclusive algumas cultoras do direito; e tem levado ao uso de argumentos aparentemente irrebatíveis, como, por exemplo, o de que não se podem recusar as vantagens propiciadas pela moderna tecnologia no combate à criminalidade violenta, principalmente aquela praticada por grupos organizados que desafiam as instituições. Afinal - dizem os defensores da idéia -, não é possível admitir que se gastem tantos recursos públicos para realizar os transportes dos réus presos para os fóruns, com riscos para a segurança de toda a população, quando é possível a ação de criminosos visando ao resgate dos transportados, se já se pode, com o uso dos modernos recursos tecnológicos e de informática, estabelecer comunicação on line, por meio da qual o juiz pode interrogar o réu à distância, vendo sua imagem e ouvindo sua voz, bem como colher depoimentos de testemunhas, estando o réu no presídio, donde pode, livremente, exercer o seu direito à autodefesa. A resistência a tal proposta, portanto - dizem ainda os defensores dela -, somente pode existir na mente dos que são contrários ao progresso, dos empedernidos, dos corporativistas, ou, então, dos românticos sonhadores, incapazes de perceber que o mundo moderno não admite mais a proteção dos direitos e garantias individuais com a amplitude e o significado que eles já tiveram.

É impossível, num editorial, apresentar todos os fundamentos - com a demonstração de sua pertinência - que sustentam o repúdio à idéia de utilização da videoconferência para a realização de atos processuais penais. Mas é preciso dizer algo, a começar pela constatação de que qualquer aluno de direito - ainda mesmo no alvorecer do curso - sabe que as leis hão de ser interpretadas, sempre, de acordo com o que dispõe a Constituição da República, e a norma que contrariar esta não tem eficácia.

A Constituição diz que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, dentre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, incs. II e III). No art. 5º, a Lei maior assegura aos presos o respeito à integridade física e moral (inc. XLIX); que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (inc. LIII), nem privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (inc. LIV), aos acusados sendo assegurados ainda o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (inc. LV), não sendo admissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (inc. LVI), ninguém podendo ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (inc. LVII), sendo certo, ainda, que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (inc. LX). Todas as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, determina o § 1º do art. 5º, e o § 2º dispõe que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

O interrogatório do réu, no processo penal, pode ser considerado meio de prova, ou de defesa, ou ambos. Em qualquer caso, segundo entende a melhor doutrina, deve ser realizado com a garantia de maior liberdade possível, para que o acusado possa se dirigir diretamente ao juiz (afinal, é o único momento no processo em que ele o faz), e dizer tudo quanto queira sobre as imputações que lhe são feitas. Os doutrinadores ressaltam a importância até mesmo dos gestos do acusado, que podem, além das próprias palavras, levar o magistrado a compreender o que o réu quer - ou não quer, mas o faz - lhe transmitir. Um interrogatório realizado sem tais garantias, decididamente, não compõe o conjunto que forma o devido processo legal.

Não há dúvida, portanto, quanto a ser o interrogatório ato de suma importância, especialmente para a defesa do réu, que deve ter assegurada toda a liberdade para falar ao juiz tudo quanto queira e considere pertinente à demonstração de sua inocência, ou de circunstâncias relevantes para a formação de convicção a respeito dos fatos, inclusive para efeito de fixação de pena, em caso de condenação. Essa liberdade, é óbvio, jamais existirá para o réu se ele for interrogado estando dentro da cadeia, cujo ambiente, pela própria natureza e por seus fins, é opressor. Onde, inclusive e eventualmente, pode ter sofrido ameaças ou mesmo violências, as quais não poderá revelar ao juiz, sob pena de se expor a represálias por parte de seus agressores, a cujas mãos será novamente entregue, tão-logo se encerre a comunicação virtual.

O réu também tem direito à presença do advogado, tanto para lhe dar assistência diretamente - e mesmo que não possa interferir no ato do interrogatório realizado pelo juiz -, quanto para velar pela fidedignidade do que se consigna no termo em que é reduzido o interrogatório. Apesar dos inegáveis avanços tecnológicos, não se conseguiu ainda conferir ao advogado o dom da ubiqüidade; como, então, poderá ele desempenhar seu mister, já que não poderá estar ao mesmo tempo no presídio e na sala "de audiência", no fórum? E se a audiência for realizada para obter depoimento de testemunha, então, a situação será ainda pior, pois o defensor deve ter a possibilidade de colher informações com o acusado, a fim de elaborar as perguntas à testemunha, mas também deve estar atento ao que ocorre na sala "de audiência", o que será absolutamente impossível se estiver distante.

No interrogatório, se o acusado estiver no presídio e o juiz no fórum, ainda que a câmera mostre ao magistrado todo o ambiente da sala onde está o réu, obviamente não poderá mostrar o que se encontra fora. Pode-se, então, com honestidade dizer que essa modalidade é segura, e satisfaz os requisitos que devem ser atendidos para a realização do interrogatório no processo penal?

Fosse pouco, há tratados internacionais que determinam a apresentação, em prazo razoável, do preso ao juiz para ser ouvido, com as devidas garantias, e também a condução de qualquer pessoa presa, sem demora, à presença do juiz. Tais tratados foram adotados pelo Brasil, não se podendo vislumbrar como é que se poderia ter o cumprimento do que eles preceituam - e, portanto, também preceitua nosso ordenamento jurídico, de acordo com o que dispõe o já citado § 2º, do art. 5º da CF -, com a utilização da moderna tecnologia da videoconferência para a realização do interrogatório do réu, que, assim, nem é apresentado ao juiz, muito menos é conduzido à presença do magistrado.

Além das normas constitucionais e das decorrentes de pactos internacionais, há também o Código de Processo Penal, que determina: "o acusado, que for preso, ou comparecer, espontaneamente ou em virtude de intimação, perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado" (art. 185, destacamos); também dispõe que "as audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados" (art. 792, destacamos). Ora, a publicidade somente pode ser restringida se dela "puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem", quando então o ato poderá ser "realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes" (art. 792, § 1º), o que, evidentemente, deve ser verificado em cada caso concreto pelo magistrado que preside o feito (competente para processar e julgar). Se apenas em caso de necessidade (a ser aferida e comprovada também em cada caso específico pelo juiz competente) as audiências, as sessões e os atos processuais "poderão realizar-se na residência do juiz, ou em outra casa por ele especialmente designada" (art. 792, § 2º), o que se tem é a conclusão inafastável de que a realização de interrogatório e outros atos processuais penais por meio de videoconferência viola inúmeras normas legais, além de, direta e indiretamente, preceitos constitucionais.

Observe-se ainda que o Código de Processo Penal prevê expressamente a possibilidade de ser o réu interrogado, e mesmo a instrução realizada, no "local onde ele se encontrar", no caso de enfermidade do réu (art. 403). Ora, se o legislador viu necessária tal exceção, ela só faz sentido diante de uma regra, que é a realização dos atos processuais (inclusive o interrogatório) na sede do juízo.

Invocar o custo econômico dos transportes de presos, para justificar a adoção de medida que atenta contra as garantias constitucionalmente asseguradas, é inadmissível. Afinal, se a cidadania e a dignidade da pessoa humana são fundamentos de nossa República, e se pretendemos ser melhores do que aqueles que praticam crimes, temos o dever de buscar soluções que não levem à redução - tampouco à supressão - dos princípios garantidores dos cidadãos inscritos na Carta Magna e no ordenamento jurídico. Se o fizermos, é melhor eliminar, pura e simplesmente, o processo penal, transformando-o num procedimento de aplicação de penas, o que, certamente, trará muito maior redução de custo e mais celeridade na resposta penal; para tanto, contudo, será indispensável que modifiquemos nossa Constituição, desde seu artigo 1º, ficando claro que a designação Estado Democrático de Direito não poderá mais ser usada para definir nossa organização social."

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  • Leia mais

15/8 - STF - Interrogatório por videoconferência viola princípios constitucionais - clique aqui.

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