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Polícia política

A operação Narciso, assim como a operação Curupira ou a Cevada, foram realizadas de forma espalhafatosa, imprópria para qualquer diligência policial sem desvios políticos.

terça-feira, 19 de julho de 2005

Atualizado em 18 de julho de 2005 14:55


Polícia política


Adriano Pinto*

Em Migalhas 1.210, se tem diferentes visões para a conduta extremamente preocupante da atuação da Polícia Federal colocada em pauta, que, na verdade, é apenas a face exposta dos comandos autoritários determinantes de sua ação sob o discurso oficial de investigar e reprimir o crime organizado, em sua órbita de prestígio social dos eventuais criminosos.

Não se deve ficar silente, quaisquer que sejam as convicções, pois em tema dessa grandeza, a autoridade de pensamento não há de provir do título acadêmico ou do reconhecimento público de méritos existentes, mas da adequação com os valores e sentimentos proclamados para o Estado Democrático de Direito.

A operação Narciso, assim como a operação Curupira ou a Cevada, foram realizadas de forma espalhafatosa, imprópria para qualquer diligência policial sem desvios políticos.

As buscas e apreensões, as prisões temporárias, deflagradas sob cobertura de mídia contra alvos que possam oferecer dividendos populares, revelam ação governamental destinada a amortecer a crise provocada por escândalos políticos.

O argumento de que diante de investigações prévias e indícios de ilícitos, se impõe utilizar a busca e apreensão com prisão temporária para aproveitar o efeito surpresa, tem sonoridade autoritária, porque, em democracia, o imputado, o suspeito, não pode ser surpreendido com violações aos seus direitos constitucionais, com a destruição de sua imagem pública.

Abstraindo as motivações meramente políticas, de exibição de desempenho, de estratégias dispersivas dos focos de corrupção que estão implodindo o governo, uma Polícia Federal que seja instrumento democrático não pode ter sua ação justificada pela busca de resultados, agindo como polícia política consagrada nos regimes autoritários.

A operação contra a grife Daslu, tem, inegavelmente, um alto potencial de impacto sobre os instintos menores de um povo sofrido com as injustiças sociais, nas quais, evidentemente, medra o sentimento de euforia quando o governo exibe o aparato policial contra os ricos.

Isto explica, por exemplo, a sobriedade da busca e apreensão feita pela Polícia Federal na corregedoria da Receita Federal em Brasília, realizada no mesmo dia, sem alarde, ou por que não foi feita operação semelhante na sede do PT, até agora.

Divulga-se que o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o pagador do mensalão petista, apresentou-se na Procuradoria-Geral da República disposto a contar tudo o que sabe em troca de um acordo para redução de sua pena, com provas e detalhes que trariam problemas para o vice-presidente, e capaz de abalar até a Presidência da República.

Não se pode entender que, até agora, nenhuma ação efetiva da Polícia Federal foi deflagrada para preservar a surpresa de investigações em relação às denuncias envolvendo focos de comandos governamentais, dentro de sua estratégia defendida para o caso Daslu.

Na verdade, essas exibições espalhafatosas de ação policial, já oferecem resultado visível aos estrategistas governamentais, nas pesquisas que indicam a sobrevivência de popularidade do Presidente Lula, apesar do clamor geral contra a corrupção que se instalou nos comandos políticos de seu governo.

A Polícia Federal, como qualquer outro aparato de força democrática, deve servir ao Estado como instrumento de ação social e não ao governo, como operadora de seus interesses políticos.

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* Advogado do escritório Adriano Pinto & Jacirema Moreira - Advocacia Empresarial









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