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Er det klar?

Da Redação

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Atualizado às 09:16

 

Er det klar?

 

Adauto Suannes*

 

Há quem diga, depreciativamente, que a Noruega é o Portugal do norte da Europa. Isso deve ser coisa de sueco despeitado.

 

Que há de semelhante entre os dois países? E qual o desdouro em parecer-se com os lusitanos?

 

Penso que, da mesma forma como Portugal foi prensado pela Espanha, linguistica e culturalmente, assim também a Noruega ficou afastada do restante da Europa por força da presença de seus vizinhos, de quem foi colônia e que não tinham maior interesse nela.

 

Tanto como portugueses e espanhóis falam quase a mesma língua (você nunca sabe, por exemplo, se o galego é um português imitando um espa-nhol ou um espanhol imitando um português), com algumas diferenças menores, assim tam-bém o norueguês entende com facilidade o sueco, para citar o vizinho mais próximo, a quem estiveram ligados até 100 anos atrás.  E para confirmar minha teoria, senhoras e  senhores, vejam que tanto os lusitanos como os noruegueses saíram pelo mar para espandir suas limitadas terras.

 

Os vikings e sua grande aventura, que os levou tão longe, em suas embarcações tão primitivas, e o Estreito de Magalhães, no sul da África e chineses falando português estão aí estão aí para confirmar minha teoria.

 

De fato, diz a lenda que Baco, chamado também Dioniso, que tantas aprontou por força do vinho, teve vários filhos com Ariadne, um dos quais seria Luso, que ele abandonou no extremo mais oeste da Península Ibérica, por ele depois povoado, a Lusitânia, como sabem os leitores do Asterix. O fato de Baco, antes de lá chegar, ter passado pela Beócia foi apenas um acidente de percurso, nada tendo a ver com os seus descendentes daquele extremo famoso, os lusíadas, como se diz no canto do vate Luiz Vaz de Camões, que, como é justo dizer, de beócios não têm nada.

 

Beócio, esclareço, em português, designa alguém com limitação intelectual, por motivos que não sei informar. "Curto de inteligência, ignorante, boçal", dizem os dicionários. Uma injustiça lingüística, certamente.

 

Da mesma forma como todo escocês para os ingleses invariavelmente é um caipira, da mesma forma como o belga é objeto de anedotas por parte dos franceses, assim também os argentinos, para os brasileiros, são considerados uns italianos pensando que são ingleses.

 

Rivalidade entre países vizinhos é coisa muito comum e antiga. Lembra as brigas eternas entre ir-mãos, que têm, inconscientemente, como motivação a idéia de que o outro filho é o preferido dos pais. Esparta e Atenas não viviam às turras? E os países?Há no Brasil, ex-colônia portuguesa que conquistou a liberdade no começo  do  século  XIX,  uma eterna preocupação em demonstrar que os lusitanos são todos muito ignorantes, preconceito que as conhecidas piadas a respeito deles só faz cristalizar. É a mesma situação que ocorre em Portugal, com relação à Espanha. O espanhol é sempre o menos inteligente da península. O que se ouve no Brasil envolvendo português, ouve-se em Portugal envolvendo espanhol e ouve-se na França envolvendo belga. Por vezes são as mesmas anedotas, com mudança da nacionalidade dos personagens.

 

Alguém dirá que apenas duas ou três piadas a respeito de portugueses são autênticas piadas. As demais são narrativas de fatos verdadeiros. Maldade. Manda o senso de justiça que se tente aferir se o preconceito, como em geral todo preconceito, é ou não procedente.

 

Conheço (e tanta gente pode dizer o mesmo) portugueses extraordinários, inteligentíssimos, como o prof. Jorge Figueiredo Dias e sua esposa, D. Maria Tereza, dois espíritos vivíssimos, tendo ele já ocupado cargo de Ministro de Estado em seu país, que é o primeiro a apontar as dificuldades que os portugueses encontram no Brasil para fazerem-se entender.

 

Ocorreu que, após uma de suas conferências em um Congresso Internacional, ocorrido no Brasil, lá foi um aluno todo entusiasmado cumprimentá-lo: "Professor, apesar de seu sotaque, entendi toda sua palestra". E o professor Figueiredo Dias, rindo: "Alto lá, meu jovem. Quem tem sotaque são vocês brasileiros, não nós portugueses!"

 

É como se os norte-americanos dissessem que os ingleses têm sotaque. Ou os mexicanos dizerem que os espanhóis têm sotaque.

 

Mas tomemos, para análise, a contada e recontada história do turista brasileiro que toma um táxi em Lisboa. "O senhor pode parar naquela esquina?" indaga o delicado passageiro a certa altura, utilizando a forma indireta, como é comum aos brasileiros. "Posso!" responde o motorista, na forma direta, comum aos porgueses como aos alemães. E continua a viagem. Quando o passageiro reclama porque não parou, o motorista responde: "Mas o senhor não mandou parar!"

 

Objetivamente, o motorista tem razão. Há nessa história, que até pode ser verdadeira, a demonstração do que ocorre na prática. O espanhol, tido e havido como esperto, tem, na verdade, um discurso oculto, não poucas vezes malicioso, na maioria das vezes em que se expressa. Se ele pergunta a outro espanhol "o senhor tem horas?", o seu patrício consultará o relógio e indicará que horas são, pois naquela primeira pergunta está embutida uma segunda, caso o indagado responda afirmativamente à primeira: "então me informe que horas são".

 

Pensemos na mesma pergunta feita a um lusitano. Certamente ele responderia simplesmente: "Tenho". E ficaria calado, esperando a segunda pergunta. Isso não demonstra deficiência mental, mas raciocínio linear, uma certa ingenuidade, que nos faz lembrar o norueguês.

 

O Marco Antonio, um amigo extremamente zombeteiro, soube, em Lisboa, que ladrões haviam aberto a porta de um automóvel e levado o rádio do carro. Ele não se fez de rogado e, muito gaiato, informou que com ele havia ocorrido o contrário: os ladrões levaram o seu carro e deixaram o rádio na calçada. Os numerosos pedidos de esclarecimentos que lhe fizeram em seguida levou-o a arrepender-se da história que inventara, pois eles não atinaram que aquilo era uma brincadeira. "Que hilário, pá!" foi o comentário que ouviu quando confessou o chiste.

 

Em Lisboa, entrei em uma loja para comprar uma tipóia, pois estava com tendinite em um dos braços, e a dor me incomodava muito. Fui alertado por três vezes de que aquela que eu havia escolhido (não havia outra maior) não tinha o tamanho adequado a meu metro e noventa. Na falta de tipóia maior e diante da dor incômoda, aceitei aquela e me dirigi ao caixa. Entreguei uma nota de 10 dólares para o pagamento. A moça fez as contas de conversão monetária e me devolveu o troco, em escudos, mas como se eu lhe tivesse entregue uma nota de 5 dólares. Aceitando minha reclamação, ela chamou uma segunda atendente, a quem explicou o sucedido, e esta a orientou a fazer o estorno.

 

"E como se faz isso?" A outra não sabia e chamou uma terceira, possivelmente a superior hierárquica das duas. "Agora ela me entregará uma nota de 5 dólares e tudo estará resolvido", pensei. Ledo engano. Foi explicado a ela o ocorrido e ela ponti-ficou-se: "mas isso é muito fácil de solucionar." Pediu-me de volta o troco que eu havia recebido, colocando cada nota e cada moeda em seu respectivo escaninho, converteu os 10 dólares em escudos e, pacientemente (fora da loja meus amigos só faziam apontar para o relógio, impacientes), passou a entregar-me, com ar de superioridade, o troco relativo aos escudos correspondentes aos 10 dólares menos o preço da tipóia.

 

Há em Lisboa um elevadorzinho muito simpático. Paga-se para subir e paga-se para descer. O bilhete explica o preço: subida - 1 escudo; descida - 1 escudo; subida e descida - 2 escudos. Perdeu-se tempo para esclarecer o óbvio. É como colocar uma placa esclarecendo que a rua admite veículos em ambos os sentidos. E eu já vi uma placa dessas, acreditem! E não foi em Portugal.

 

Na Espanha isso talvez seja mais difícil de ocorrer, dada a malícia do espanhol. Um amigo desceu no aeroporto de Barajas, acompanhado da esposa, uma bela norueguesa loira, se me permitem o pleonasmo, e se dirigiu ao ponto de táxi. Como o dia estava enfaruscado, indagou ao taxista: "¿Dónde está el sol?" E o taxista, olhando para a loira: "¡Acaba de llegar!"

 

Isso é um piropo, uma graça que o espanhol gosta de fazer, por tudo e por nada. Em lugar de elogiar diretamente, ele faz um rodeio. "Eres la nuera que mi madre le pedió a Diós!"  é uma forma elegante de tentar conquistar uma moça. Ou, pelo menos, elogiar sua beleza. Não imagino um português nem um norueguês usando esse tipo de galanteio.

 

Pois acabam de enviar-me uma série de advertências feitas em Portugal, para alerta dos consumidores. Como as mensagens vieram com comentários, reproduzo-as fielmente, incluindo-os. Não sendo jornalista, informo minha fonte, que responderá pela autenticidade delas: meu ilustre amigo José R. Faria Lima.

 

Ei-las:

 

1. Num secador de cabelos: "Não use quando estiver dormindo"

(Sei lá, você pode querer ganhar tempo e fazer as duas coisas ao mesmo tempo.)

 

2. Na embalagem de certo sabonete anti-séptico: "Indicações - utilizar como sabonete normal"

(Eu não tenho a menor idéia o que se faz com um sabonete anormal)

 

3. Em pacotes de certas refeições congeladas: "Sugestão de apresentação - descongelar primeiro"

(É só uma sugestão, pois talvez as pessoas prefiram chupá-las como picolé salgado.)

 

4. Num hotel que oferecia touca para a ducha: "Válido para uma cabeça"

(Alguém muito romântico poderia colocar a sua e a da amada na mesma touca, estragando o produto.)

 

5. Na sobremesa Tiramissu, impresso no lado de baixo da caixa: "Não inverter a embalagem"

(Oops ! Agora é tarde!)

 

6. Na embalagem de pudim: "Atenção - o pudim estará quente depois de aquecido"

(Nunca se sabe que tipo de gente vai querer por a mão dentro da panela).

 

7. Na embalagem de ferro de passar de fabricação alemã: "Não engomar a roupa sobre o corpo"

(Quer dizer que eu vou ter de tirar a camisa para que minha mulher passe a ferro? Que transtorno!)

 

8. Num medicamento pediátrico contra o catarro infantil: "Não conduza automóveis nem maneje maquinária pesada depois de tomar este medicamento"

(Imagine quantos acidentes poderiam ser evitados se esses travessos miúdos de 4 anos ficassem longe dos volantes dos carros e das retro-escavadeiras Caterpillar! )

 

9. Na embalagem de pastilhas para dormir: "Advertência - pode produzir sonolência"

(E eu que havia comprado o produto para outra finalidade, pá!)

 

10. Numa caixa com facas de cozinha: "Importante - manter longe das crianças e animais de estimação"

(Sabe-se lá se nossos cachorros não seriam ninjas disfarçados?)

 

11. Numa caixa de luzes para decoração de Natal: "Usar apenas no interior ou no exterior"

(Sempre é bom prevenir diante da possibilidade de haver uma terceira opção)

 

12. Nos pacotes de amendoim: "Aviso - contém amendoins"

(Mania de estragar as surpresas das pessoas !)

 

13. Numa serra elétrica, de fabricação sueca: "Não tente deter a serra com as mãos ou os genitais"

(Kit de castração caseira?)

 

14. Num saquinho de batatas fritas: "Você pode ser o vencedor. Não é necessário comprar. Detalhes dentro".

(É só ter visão de raio-x, faltou dizer.)

 

15. Numa fantasia infantil de Super-Homem: "O uso deste traje não o torna apto a voar"

(Olha como se destrói a imaginação da criança!)

 

Essa preocupação em esclarecer o que pode ser deduzido por pessoas que não sejam oligofrênicas não se encontra apenas quando o texto se dirige ao grande público. Luiz da Cunha Gonçalves, talvez o maior civilista português da atualidade, autor de um monumental "Tratado de Direito Civil", ao cuidar dos deveres do motorista de automóvel, esclarece que, durante o dia, o condutor deve fazer advertências com o uso da buzina (que eles lá chamam claxon), ao passo que à noite, em atenção aos que dormem, deve usar fachos de luz, que é "mais silenciosa".

 

Depois disso tudo, seria interessante imaginar se na Noruega ocorreria algo assim.

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