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Os "Temer" nas páginas policiais do século passado

Encontramos uma rubra página na história. Confira.

Da Redação

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Atualizado às 11:03

Jornais no início do século passado trazem histórias de crimes envolvendo a comunidade libanesa no interior de São Paulo, mais precisamente com o patronímico Temer.

Deixando sem sombra de dúvida a ressalva de que, na época, os libaneses e sírios (chamados de turcos, porque entravam no Brasil com identidade turco-otomana) tinham em geral nomes muito parecidos - pois a tradução do árabe não era facilmente pronunciável - podemos às vezes estar falando de pessoas com o mesmo nome, mas serem completamente diferente daquelas que imaginamos ser. Ou seja, podem ser meros homônimos.

Feito o parágrafo restritivo, vejamos dois fatos curiosos envolvendo personagens com o mesmo patronímico do vice-presidente da República, Michel Miguel Elias Temer Lulia.

  • 1909

O jornal Commercio de São Paulo informa em dezembro de 1909 que um crime bárbaro chocou a comunidade libanesa da paulista Tietê, terra natal de Michel Temer.

Elias Temer e seu primo mataram, por vingança, o patrício José Abrahão. Isso porque o irmão de Elias, Jorge Temer, ao que parece com o mesmo nome do avô do vice-presidente, teria brigado com Abrahão, briga na qual Temer levou a pior.

Isto é, levou a pior inicialmente, porque, como se viu, Abrahão tinha, sim, o que temer.

Veja abaixo a reportagem na íntegra:

  • O COMMERCIO DE SÃO PAULO, 6 de dezembro de 1909

Barbaro assassinato

A TIROS DE GARRUCHA. - EM PLENA RUA. - TORPE VINGANÇA. - CONTRA UM SYRIO. - A CAUSA DO CRIME. - UMA QUESTÃO ANTIGA. - ODIO QUE AUGMENTA - O DESENLACE. - OUTRAS NOTAS.

Terça-feira ultima, ás sete horas da manhã, foi a pacata população de Tieté sobresaltada com a noticia de um barbaro assassinato, praticado em plena rua do Commercio. Fôra ali assassinado o popular e estimado syrio José Abrahão pelos seus patrieios Alipio Miguel e Elias Temer. A triste noticia correu celere por toda a cidade e não tardou que grande numero de populares afluisse ao local do delicto, curioso por saber do doloroso acontecimento.

A causa do delicto, ao que se supõe, foi a seguinte:

Em agosto ultimo, tivera José Abrahão uma altercação com o commerciante Jorge Temer, seu patricio, e indo a vias de facto, feriram-se mutuamente, sahindo Jorge com um ferimento grave no pulmão direito.

Recolhidos aquelle á cadêa e este á Santa Casa, foram mais tarde submettidos a julgamento.

Temer, procurando um advogado para a sua defesa e accusação de José Abrahão, contratou o sr. Cornelio Pires, que, como qualquer outro, acceitou a causa, desempenhando-se da imcúbencia, sendo os réos absolvidos.

Contrariados com a decisão do jury, Elias Temer, irmão de Jorge, e Alipio, seu primo, inimigos de José Abrahão, falaram em vingança, sendo pelo sr. Pires, aconselhados a que se conformassem com a decisão do jury. Mas isso não aconteceu; passaram-se os dias, e o odio, o rancor que guardavam a Abrahão cresciam, e ás seis e meia horas da manhã de terça-feira, sendentos de sangue, os dois syrios executaram os seus tetricos planos, assassinando covardemente a José Abrahão.

O facto deu-se da maneira seguinte:

Desceu Abrahão pela rua Alegre e foi á casa de d. Gertrudes de Mello, de quem era pensionista, com o fim de tomar café, e, quando dalli sahiu, encaminhando-se pela rua do Commercio, na frente da "Padaria Allemã" encontrou-se com Alipio que, ao que dizem, ali se achava desde cedo muito cedo, e inopinadamente, desfechou-lhe num tiro de garrucha, ferindo-o levemente Acto continuo agarraram-se e Abrahão gritava pela policia, quando appareceu Elias Temer que, com estupendo, cynismo, lhe desfechou segundo tiro á "queima-roupa".

Abrahão, cambaleando, num ultimo esforço, golphando sangue, conseguiu entrar na "Padaria Allemã", onde expirou sem nada poder dizer.

Avisada a policia, incontinente compareceu zeloso delegado dr. Moraes Abreu, acompanhado pelo commandante do destacamento e diversos policiaes.

Destacaram-se soldados para diversos pontos, iniciando-se a perseguição dos criminosos.

Infelizmente, até hontem, baldados foram todos os esforços para a captura dos assassinos.

O dr. Moraes Abreu tem envidado, empregando a maxima actividade, todos os esforços para esclarecer a justiça sobre o crime e os seus antecedentes, trabalhando até alta noite.

Da capital e de diversos pontos do Estado tem affluido a esta cidade grande numero de parentes e amigos da victima.

Removido o cadaver para o necroterio, foi ali autopsiado, sendo á tardinha transportado para a egreja, de onde, após as cerimonias religiosas, sahiu o prestito funebre.

O facto tem impressionado profundamente a população de Tieté, pois que a colonia syria daquella cidade sempre primou pela pacatez e ordem.


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  • 1929

No distrito paulista Batista Botelho, pertencente ao município de Óleo, encontramos outra notícia curiosa. O chefe político local, Antonio Jorge Lulia, e seu sobrinho Miguel Temer (curiosamente homônimo do pai do vice-presidente Michel Miguel Elias Temer Lulia), envolveram-se num assassinato.

Em julho de 1929, Miguel Temer teria assassinado um cidadão desconhecido que promoveu desordem na localidade ao fazer despesas no armazém sem querer pagar a conta.

Levado a júri, o qual se realizou na comarca de Pirajú, foi reconhecida por unanimidade a autoria de Temer. Mas ele foi absolvido pela dirimente "da completa perturbação dos sentidos e da inteligência no ato do crime".

Em recurso, o Tribunal de Justiça confirmou a absolvição, a 7 de agosto de 1930.

Mais tarde, no entanto, como se tratava de uma figura política importante na região (Lulia era do P.R.P.), o caso foi reaberto supostamente por ordem do jurista Vicente Ráo.

Acerca de Antonio Jorge Lulia, os jornais da época dizem que ele acumulava na cidade "as funções de chefe político, sub-prefeito e sub-delegado".

E o caso era importante por "tratar-se de um antigo e poderoso esteio do P.R.P naquela localidade de Batista Coelho, além de conhecido argentário".

Veja abaixo as reportagens, na íntegra:

  • DIARIO NACIONAL, 17 de janeiro de 1931

Autoridade perrepista que está sendo processada

Assassinou barbaramente um mendigo e só agora a sua culpa foi reconhecida

BERNARDINO DE CAMPOS, 12 (Do correspondente do DIARIO NACIONAL) - Em 9 de julho de 1929 na vizinha estação de Baptista Botelho, o individuo Miguel Copeo, faminto, pediu alimento numa venda, e, depois, como não tivesse dinheiro para satisfazer a despesa, foi maltratado pelo dono do estabelecimento que o atirou á rua, chamando, depois, a policia, afim de prende-lo.

Esta era então representada ali por um syrio, que accumulava as funções de chefe politico, sub-prefeito e sub-delegado, chamado Antonio Jorge Lulia.

Tendo recebido o aviso do negociante, Lulia, convidando um seu sobrinho, Miguel Temer, e dois camaradas, foi effectuar a prisão. O miseravel Miguel Copeo fugiu: correu com rumo a um cafezal que margeia a linha Sorocabana. E Lulia e Miguel atiraram sobre elle, produzindo lesões que lhe causaram a morte momentos depois.

Baptista Botelho é districto do municipio de Oleo e o delegado desse municipio, que tambem era prefeito e chefe perrepista, Calvino Ferraz, instaurou inquerito, dando ao crime uma versão falsa e ensinando essa versão ás testemunhas apontando somente á responsabilidade de Miguel Temer.

O excesso de zelo da autoridade levou-a a vedar a autopsia ao assassinado que foi enterrado com um nome supposto.

Miguel Temer tambem não foi esquecido. A policia auxiliou-o em tudo, até na coacção ás testemunhas, conseguindo dessas forma, a sua absolvição no jury de Pirajú.

O promotor publico nessa época ainda tentou reparar a injustiça, mas em vão.

Agora, triumphante a revolução, o dr. Vicente Ráo, então chefe de policia, tendo em vista uma denuncia que lhe foi apresentada, encarregou o delegado de policia dr. José de Araujo Coutinho Neto, de instaurar novo inquerito.

Apurou-se então a verdade. Com criterio, o dr. Araujo Coutinho restabeleceu os factos e obteve, sem coacção das testemunhas que anteriormente, nos inqueritos e no summario de culpa, haviam prestado declações, a confissão de que por influencia de Calvino Ferraz e de Lulia haviam dado ao crime uma versão falsa.

Lulia, habituado á mentalidade do P.R.P., veiu a São Paulo e aqui procurou por toda forma embaraçar a acção da autoridade.

Não o conseguiu, porém. O actual delegado geral do Interior, dr. Raphael Sampaio Filho, prestigiou a atitude do dr. Araujo Coutinho.

A prisão preventiva, a requerimento desta autoridade, acaba de ser decretada pelo dr. Hermann da Cunha Canto, juiz de direito substituto, em exercicio na comarca de Pirajú, em um bem fundamentado despacho.

Os autos voltaram á delegacia desta cidade para diligencias tendentes a mais amplo esclarecimento da verdade.

Lulia, ao que consta, não foi ainda preso, permanecendo em São Paulo.

Antonio Jorge Lulia já cumpriu a pena de 12 annos de prisão por crime de morte, cujo movel fora o roubo, e apesar disso, occupava os cargos acima referidos. A importancia desse processo é tratar-se de um antigo e poderoso esteio do P.R.P. naquela localidade de Baptista Coelho, além de conhecido argentario.


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  • DIARIO NACIONAL, 18 de janeiro de 1931

Autoridade perrepista que está sendo processada

A proposito da correspondencia de Bernardino de Campos, que, hontem, inserimos com o titulo acima, fomos procurados pelo indigitado autor da morte de Miguel Copeo, sr. Antonio Jorge Lullia, que nos declarou nada ter com esse crime, pelo qual Miguel Temer já respondeu a julgamento, em Pirajú e foi absolvido, sendo a absolvição confirmada pelo Tribunal de Justiça, por Accordam de 7 de agosto de 1930.

No dia 10 de julho de 1929, um individuo inteiramente desconhecido em Baptista Botelho, municipio de Oleo, e que se verificou ser Otto Sichleml, promoveu desordem naquelle districto, ferindo a uma pessôa de nome João Rocha, depois de terfeito algumas despesas num armazem e de não as querer pagar.

A então autoridade policial de Baptista Botelho, que era o sr. Lullia, foi chamada - indo em sua companhia Miguel Temer e outras pessôas. O desconhecido resistiu á prisão e ameaçou Miguel Temer com uma enxada, sendo, então, ferido a tiros por Miguel.

As testemunhas ouvidas no summario de culpa pelo juiz de Direito, com assistencia do promotor, affirmaram a autoria do crime quanto a Miguel Temer, tanto que este, denunciado como tal, foi pronunciado no art. 294 paragrapho 2º do Codigo Penal.

O Jury reconheceu unanimemente a autoria de Miguel Temer e o absolveu pela dirimente da completa perturbação dos sentidos e da intelligencia no acto do crime. Como, porém, uma outra testemunha referiu-se que o subdelegado Lullia tambem déra tiros, o promotor publico requereu um novo inquerito fosse feito pela Delegacia Regional de Botucatú.

Não ficando apurado a responsabilidade de Lullia, o promotor publico pediu e o juiz de Direito mandou archivar esse novo inquerito. Agora, a 15 de dezembro, a autoridade de policial de Bernardino de Campos, municipio da comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, sem competencia para instaurar inquerito por facto ocorrido em Baptista Botelho, municipio de Oleo, comarca de Pirajú, dizendo-se autorizado, mas não exhibindo a autorização - que, aliás, diz a correspondencia, teria sido dada pelo dr. Vicente Ráo, mas só usada a 15 de dezembro quando não era mais chefe de policia esse illustre professor de Direito - entendeu de prender a ex-autoridade de Baptista Botelho e de, com as mesmas testemunhas, provar ter sido elle o autor do crime, cuja autoria ficára sobernnamente decidido caber a Miguel Temer.

E realmente representou ao juiz de Pirajú sobre a prisão preventiva de Lullia, que foi concedida, mas revogada no dia 12 do corrente, razão pela qual Lullia não se acha preso.

Entende o sr. Lullia que o esse novo inquerito não obedece a um sentimento de justiça, mas á méra perseguição, porque não deu a quantia que lhe fôra exigida para ser posto em liberdade, quando estivera peso em Pirajú, por ordem do delegado de Bernardino de Campos, conforme queixa já apresentada nesta capital Delegacia da Vigilancia e Capturas.

Refere, sobre isto, que um seu amigo lhe disséra que intermediarios daquela autoridade exigiam 500$ pela sua liberdade e se compromettera a attendel-os. De facto, honrando o compromisso do amigo, entregou os 500$ ao sr. Manzoni Pinheiro, que, na occasião, reclamou mais um conto e quinhentos mil réis, não sendo porém, satisfeito. Certo é todavia, que os 500$ foram immediatamente trocados para serem divididos entre Monzoni e companheiros, que o haviam ponto em liberdade. Para chegar á conclusão, de que Lullia déra tiros - pois que a autoridade não põe em duvida que Miguel Temer tambem os desse - a mesma autoridade ouviu testemunhas, duas das quaes, embora, nada adiantando, declararam que o juiz e o procurador de Pirajú fizeram escrever cousa differente do que haviam dito quando depuseram no summario...

Quanto á allegação de haver Lullia insinuado ou amedrontado, ás testemunhas juiz, que decretou a prisão preventiva, declarou, no seu despacho, não a encontrar provada. A de uma testemunha, de que o seu depoimento fôra ensinado pelo sr. Calvino Ferraz, ex-delegado de Oleo, foi formalmente constestada por este. O inquerito não provou, portanto, que Lullia houvesse matado o desconhecido, sendo de notar que uma testemunha declarou que o tiro dado por Lullia não teria acertado na victima. As demais, ou souberam por ouvir de terceiros cujos nomes não indicaram, ou não viram em quem ou contra quem Lullia teria desfechado tiro ou tiros de sua arma. O que ha de interessante nesse inquerito é a descoberta que a autoridade de Bernardino de Campos fizera do nome da victima. Como a fez, para affirmar que a victima não se chamava Otto Sichienl mas Miguel Copeo? Numa busca arbitrariamente procedida na casa de Lullia, de onde, retirou papeis particulares e documentos, a autoridade encontrou um número de O Estado de S. Paulo contendo retrato do desapparecido Miguel Copeo e immediatamente resolveu que aquele desconhecido de Baptista Botelho, morto a 10 de julho de 1929, era Miguel Copeo, nas esquecido de que o numero do jornal era de 5 de novembro de 1930, tres meses após o desfecho definitivo do processo contra Miguel temer. Entendeu a autoridade que Lullia, tendo em casa dito jornal, certamente estava dando demonstração da conhecida e proclamada imprevidencia dos criminosos.

Até aqui nas declarações do indignado criminoso, que tambem nos affirmou ter sido o fundador do districto de Baptista Botelho, cuja povoação e estação da Estrada de Ferro, se encontram em terras de sua fazenda e que, embora tenha exercido o cargo de subdelegado de policia, não praticou violencia, nem se orientou se não pelo desejo de bem servir dos moradores da localidade. Para estas declarações, sobretudo por conterem grave accusação á autoridade de Bernardino de Campos, pedimos a attenção do sr. dr. delegado geral para o interior, afim de que so esclareça bem este caso.


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